terça-feira, 9 de agosto de 2011

Premissas Essenciais

Por Gilson Freire*


Depois de percorremos a longa vilegiatura das encarnações terrenas, colhendo o saldo de todas as nossas experiências e dores, estamos preparados para analisar a elevada mensagem de Pietro Ubaldi. Embora seja de interesse que a examinemos com a frieza que a razão nos pede a fim de atender às exigências do intelecto, será impossível não nos sensibilizarmos ante as mais sublimes considerações de caráter espiritual que ressaltam de seus escritos. Elas nos revelam a face do Divino e nos falam, na verdade, não só da maior tragédia do cosmo, mas também da saga que se acha delineada nos arcanos do nosso ser e tece o nosso próprio drama existencial.

Ao nos deixarmos tocar pelas revelações do grande filósofo do Cristo, percebemos de imediato o seu imenso poder transformador e divino, pois elas nos fazem reverberar do inconsciente importantes reminiscências que todos trazemos de um passado místico ainda estuante em nosso imo, palco existencial onde encenamos todos os nossos dramas, sonhos e anseios. E se formos sensíveis o bastante, em contato com a sua obra, sentiremos a mão do Divino esmerando-se para nos libertar das furnas humanas e suas agruras seculares, impulsionando-nos rumo ao majestoso infinito que nos aguarda muito além de nossas fronteiras conceituais.

Estamos amadurecidos pelos tempos. É hora de seguir um pouco mais adiante, nesse decisivo momento de nossa história. Já estamos cansados de palmilhar a dor, a miséria e experienciar o desterro em meio à abundância que impera na obra de Deus. Analisemos com a merecida seriedade, o que nos tem a dizer o missionário do Cristo e nos daremos conta de que, seguramente, detemos em mãos o mais importante acervo de conhecimentos que a nossa humanidade atual necessita e pode contemporizar.

Identificamos, entretanto, dez premissas fundamentais que se fazem indispensáveis para se adentrar o elevado pensamento monista de Ubaldi. Elas são os pilares de seu edifício conceitual e não podem ser contestadas sem abalar a compreensão de todo o conjunto:

1) existência de Deus – existe um Deus ingênito e perfeito, pensamento diretor e causa primária de tudo. Sua existência e sua natureza não podem ser compreendidas pela nossa precária razão. A perfeição absoluta de todas as virtudes, como seu máximo atributo, não admite contestações, embora não baste para defini-Lo;

2) Todo unitário – a criação, sendo fruto de um poder central e único, funciona sob o princípio ordenador e centralizador da unidade divina. E, como nada pode existir fora desse Todo, Deus cria em si mesmo e de Sua própria substância;

3) perfeição – a obra divina é perfeita. Um Criador perfeito somente poderia gerar uma obra também perfeita. E o que já é perfeito não pode ser perfectível. Portanto, a criação é imaculada e nela não se podem encontrar imperfeições;

4) indestrutibilidade – Deus utiliza-se de Sua própria substância para gerar seus filhos, substância que, sendo incriada, é também indestrutível, conferindo perenidade a todos os Seus objetos fenomênicos;

5) identidade – a criatura é cópia perfeita do Criador. Um pai não poderia gerar um filho diferente de sua própria natureza;

6) amor – a criação divina somente pode ser produto do amor absoluto, portanto, o mal e a dor não são manifestações de Deus e inexistem em Sua obra. Por isso, fomos impreterivelmente criados para a felicidade;

7) evolução – o transformismo evolutivo é lei inquestionável do universo em que vivemos;

8) reencarnação – a progressão das almas, através dos ciclos palingenésicos, é pressuposto indispensável para se compreender a mecânica da vida à qual estamos submetidos;

9) Cristo – o Evangelho tem valor de ciência e as palavras de Jesus são inquestionáveis verdades eternas;

10) intuição – o método dedutivo de pesquisa, como imaginaram os antigos filósofos gregos, é a única forma de se penetrar nos grandes segredos da criação, sendo a experiência e o indutivismo insuficientes para se abranger toda a realidade do pensamento divino.

Naturalmente que algumas dessas premissas, a princípio, parecem contradizer formalmente a fenomenologia na qual estamos submersos. Por exemplo, a inexistência do mal, da imperfeição e da dor na obra divina não corresponde ao que experienciamos em nós mesmos e observamos ao nosso redor, uma vez que somos parte dela também. Nossa absoluta semelhança com Deus nos faria deuses também, mas, no entanto, pelo menos por ora, não o somos, embora Cristo tenha nos afirmado que sim. A irrevogável presença da evolução em nosso universo torna tudo perfectível e nada é absolutamente perfeito, contestando-se a existência do princípio da perfeição na criação. E se a substância divina é imaculada, sua expressão na mecânica universal não é exatamente assim, uma vez que a vemos contaminada pelo hábito do egoísmo e da maldade, presentes na natureza do ser em suas primitivas manifestações. Conduto, é preciso adentrar o estupendo edifício conceitual de Ubaldi e o paulatino desenvolvimento de suas idéias para acomodar todos esses conceitos aparentemente antagônicos e entendermos que, efetivamente, essas premissas fundamentais são indispensáveis para se compreender Deus e o universo sob a ótica monista.

A existência de um Criador perfeito, ingênito e que tudo cria sob o regime da perfeição não pode ser questionada sem afetar a lógica do monismo, como também, praticamente, de todas as religiões. Exceto o budismo theravada, que convive muito bem com a crença em uma criação sem um Criador, a noção de um Ente supremo é inerente à substância de nossa alma e, por isso, nos incomoda profundamente negá-lo. Embora seja possível ao intelecto humano desfazer-se de tal convicção, isso faz do universo uma obra vazia, sem fundamentos e sem objetivos, arremetendo-nos ao mais completo e acrimonioso niilismo. E, ter de admitir que um “nada” tenha sido capaz de gerar tudo o que existe, inclusive nós mesmos, é algo bastante embaraçoso para o nosso pensamento. A existência de um poder genético original torna-se, assim, indispensável para se justificar a realidade em que vivemos, embora não possamos interrogar de onde, por sua vez, Ele tenha se originado. Portanto, a premissa da existência de Deus não admite sofismas e devemos aceitá-la passivamente como inderrogável ponto de partida de nossas conclusões atuais, aguardando o amadurecimento no tempo para que possamos melhor compreendê-Lo.

Pitágoras, Platão e seus seguidores, que se denominavam geômetras, partiram também da irrevogável existência de um plano divino perfeito, delineado na mais primorosa geometria das formas. Os peripatéticos, sob os auspícios platônicos, conceberam igualmente um universo perficiente além da esfera lunar, onde tudo era imóvel, feito de uma substância tão perfeita quanto o Criador, como já vimos. Idéia assumida também pela tradição judaico-cristã e por todas as correntes religiosas da Terra. A despeito de ter sido menosprezada pelo moderno realismo materialista, os luminares pensadores da humanidade seguiram também essas mesmas conjeturas. Newton jamais abandonou a idéia da existência de uma inteligência ordenadora no universo; Galileu concebeu que Deus se utilizava de uma linguagem matemática no comando da criação e Einstein negou-se a admitir os incertos princípios da Física quântica pelo fato de eles ferirem a absoluta ordem divina que deveria imperar no cosmo. Embora o pensamento moderno dominante no mundo ocidental tenha julgado tais crenças anticientíficas, é imperioso reconhecer que, o que a ciência faz, em última análise, nada mais é do que descobrir a lógica através da qual a sabedoria divina se expressa na natureza, uma vez que ela é absolutamente incapaz de criar princípios ou fundamentos diretores de qualquer fenômeno que seja.

A indestrutibilidade da substância que compõe a criação faz do espírito uma centelha imortal e, portanto, a sobrevivência do ser após a morte e a existência do plano espiritual é ponto pacífico no pensamento de Ubaldi. A reencarnação é mecânica indispensável para se explicar as incoerências e injustiças da vida e foi perfeitamente compreendida pelo grande filósofo cristão. E a evolução foi a palavra chave que o abalou profundamente quando a ouviu pela primeira vez, levando-o a defini-la como a inestancável febre de ascensão do universo rumo a Deus, estudada com detalhes reveladores em sua extensa obra, sobretudo em A Grande Síntese.

O Evangelho de Jesus é acervo imprescindível ao monismo de Ubaldi por reconhecer nele a máxima expressão do pensamento divino entre nós, conferindo-lhe inquestionável valor de veracidade, capaz de extrapolar a epistemologia científica ou qualquer conclusão filosófica de origem humana. Embora ainda não se possa compreender perfeitamente a totalidade das revelações da Boa-Nova, com Ubaldi, não nos será possível negar qualquer uma delas, por se tratar de um dos pilares de sua revelação que é integralmente cristã.

A metodologia dedutiva, utilizada pelo grande místico da Úmbria, é também admitida como um sistema válido de pesquisa da verdade, pois a intuição, inquestionavelmente, sempre foi o mais fiel meio de perquirição do homem que, partindo de suposições puramente teóricas, procura depois encontrar sua correspondência na realidade objetiva. Todo método que parte do contrário está destituído de fundamentos e não conduz a lugar algum. Por isso, todas as grandes teorias que compõem o acervo de conhecimentos humanos foram concebidas em um plano absolutamente criativo e especulativo para depois se fundamentarem na realidade fenomênica em linguagem racional. Por exemplo, as geniais fórmulas relativistas de Einstein foram criadas em 1905 por simples deduções e somente na década de 1960 puderam ser confirmadas, quando se atingiu a condição tecnológica para testá-las em criteriosas experiências. Embora a ciência menospreze a metodologia dedutiva, sem esta ela jamais poderia subsistir, em que pese a sua teimosia em sustentar seu conhecimento na pesquisa indutiva e na experiência prática.

Estabelecer um corpo de idéias, aceitá-las como verdadeiras por atender às necessidades da lógica e construir depois hipóteses interligadas para explicar o fenômeno observado, significa pensar como geômetra, exatamente como o faziam Sócrates, Platão e seus seguidores, sobretudo Plotino. Como um lídimo pressuposto platônico, isso implica em admitir a cabal existência de causas inteligíveis oriundas de um absoluto não-hipotético e além de todas as hipóteses, perante o qual todas as nossas pretensas verdades devem ser justapostas e aferidas com a maior exatidão possível. Por isso, a visão de Ubaldi nos requisita a habilidade de pensar como os antigos filósofos idealistas.

E, como Platão que pedia àqueles que não se considerassem geômetras, que se detivessem nos pórticos de sua Academia, também podemos recomendar que não penetre nos elevados conceitos de Ubaldi quem não admitir as premissas acima delineadas. Não se concebe que alguém possa avançar na aventura do conhecimento se não é capaz de aceitar, por exemplo, a axiomática existência de Deus e sua absoluta perfeição, porquanto toda sabedoria se resume na antevisão desse pensamento diretor do universo. Certamente que tais axiomas são quesitos de fé que não se podem impor a ninguém, mas temos o direito de reconhecer que, sem eles, os fundamentos de todos os argumentos e hipóteses que utilizamos na busca da visão do arranjo final da criação se perderão em um cipoal de impossibilidades que a lugar algum nos conduzirão.

Belo Horizonte, inverno de 2005


(*) Gilson Freire é médico homeopata, espírita e estudioso da obra de Pietro Ubaldi

Fonte: Site do Gilson Freire

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