terça-feira, 13 de outubro de 2015

Ser Espírita


A advertência do Mestre, também registrada por Marcos (13:13) e Lucas (21:19), para aqueles que tentam conservar a ligação com a paz divina, mesmo em meio a todas as perturbações humanas, esquecendo o mal para construir o bem, louvou a persistência, demonstrando que seria árdua a tarefa dos que procuram se enobrecer no caminho espiritual. O esforço que nos cabe na obra de aperfeiçoamento individual é imenso e é preciso cultivar a verdadeira tenacidade para que não venhamos a cometer nenhum ato que possa prejudicar a própria transformação. Allan Kardec, ao falar dos adeptos do Espiritismo, afirma:

[...] O verdadeiro espírita jamais deixará de fazer o bem. Lenir corações aflitos; consolar, acalmar desesperos, operar reformas morais, essa a sua missão. É nisso também que encontrará satisfação real. O Espiritismo anda no ar; difunde-se pela força mesma das coisas, porque torna felizes os que o professam. [...]1

No entanto, de que vale admitir a existência dos Espíritos, se a crença que possuímos não nos torna melhores, mais piedosos e indulgentes para com os nossos semelhantes, mais humildes e pacientes nas adversidades? Os que apenas divulgam a Doutrina, sem mostrar a própria exemplificação, arcam com profundas responsabilidades por permanecerem indiferentes à compreensão dos elevados versículos cristãos que a fundamentam, sem encontrar Jesus no santuário interior. Emmanuel, ao avaliar as condições dos espíritas, declara que Kardec, com muita propriedade, afirmou que os Espíritos superiores se ligam, principalmente, aos que procuram instruir-se:

E quem busca instruir-se escolhe o caminho do esforço máximo.
Todo educandário é instituto de disciplina.
Entretanto, aqui e ali, aparecem alunos viciados em recreio e preguiça, suborno e cola.
Estes, contudo, podem obter as mais brilhantes situações no jogo das aparências, mas nunca o respeito e a confiança dos professores dignos do título que conquistaram.
Na Doutrina Espírita, escola maternal de nossas almas, [...] surgem aprendizes de todas as condições.2

Muitos adeptos que mantêm certos cuidados no estudo dos princípios da Doutrina Espírita não lhes apreendem o alcance moral, ou, se os assimilam, não os aplicam a si mesmos. Essa dificuldade é destacada por Kardec em O evangelho segundo o espiritismo, capítulo XVII, ao concluir que não poderia ser falta de clareza dos ensinos promovidos pelos Espíritos superiores, pois seus princípios não contêm “alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas interpretações”.3 Da mesma forma, esclarece que não é necessária uma inteligência notável para compreender os aspectos teóricos do Espiritismo e sua consequente prática, que pode ser entendido por inteligências comuns, em seus mais delicados matizes.

Seriam os laços da matéria, que nos prendem em demasia às coisas da Terra, os responsáveis por não conseguirmos ter uma visão mais clara das necessidades espirituais, sem romper facilmente com certos hábitos e pendores prejudiciais? Afirma Kardec, sobre os que assim agem:

[...] Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz, insuficiente a guiá-los e a lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações. [...]3

É imprescindível, pois, conquistar a nossa reforma íntima, combatendo o domínio das más inclinações que porventura ainda nos dirijam os passos, sobretudo no trato para com aqueles que nos cercam, testemunhas a nos observar os ganhos e as perdas que venhamos a conquistar, não recuando ante a obrigação de nos melhorarmos moralmente.

A saudosa médium Yvonne A. Pereira, em uma de suas obras, convida-nos a refletir sobre a importância dos estudos doutrinários para maior compreensão dos problemas a serem enfrentados por aqueles que elegeram a Doutrina Espírita e o Evangelho, como condutores fulgurantes a nortear suas vidas:

[...] O estudo eficiente do Espiritismo esclarece de tal forma os aspectos gerais da vida, como a situação dos espíritas, que, a ele nos dedicando devidamente, não mais surpresas nem vacilações nos chocarão em qualquer setor. Seremos então espíritas preparados para os entrechoques das múltiplas facetas da existência... e saberemos que o Espiritismo e o próprio Evangelho exigem que, para servi-los, sejamos realmente fortes, capazes de enfrentar quaisquer situações difíceis, seja no ardor das próprias provações, nas lutas do trabalho em geral ou diante das fraquezas e imperfeições dos irmãos em crença.4

A autora destaca ainda em sua análise que, na prática do Evangelho, “deveremos, acima de tudo, ser vigorosos de ânimo, corajosos a toda prova”,4 e qualifica os primeiros cristãos de “espíritos fortes por excelência, idealistas audazes, práticos e não místicos”,4 porque a tarefa a realizar, no caminho a seguir com Jesus, é grandiosa demais!

Guardando as devidas proporções, é fácil estabelecermos relações existentes entre os discípulos da primeira hora e nós, trabalhadores de boa vontade, mas da última hora. Fomos convocados ao trabalho de amor pelo Mestre e por seus prepostos. Entre eles, o Espírito Erasto, anjo da guarda do médium, a conclamar que deveremos nos tornar verdadeiros adeptos do Espiritismo, conforme tenhamos cumprido as nossas tarefas e suportado com perseverança as provas terrestres:

Ide, pois, e levai a palavra divina: aos grandes que a desprezarão, aos eruditos que exigirão provas, aos pequenos e simples que a aceitarão; porque, principalmente entre os mártires do trabalho, desta provação terrena, encontrareis fervor e fé. [...] Arme-se a vossa falange de decisão e coragem! Mãos à obra! o arado está pronto; a terra espera; arai!5

Os grandes missionários do Espiritismo persistiram na bravura valorosa pelo modo como enfrentaram os sofrimentos e as injustiças de que foram alvos na sua última encarnação. Geralmente, sacrificavam a si mesmos, amparando com sinceridade aqueles que os magoavam. Esqueciam o mal para construir o bem, cooperando espiritualmente na utilização da ação benfazeja e da oração salutar em benefício dos que os perseguiam e caluniavam. Esqueciam os próprios interesses para servirem em favor de todos. Conservavam a fé na divina Providência, aguardando dos desígnios do Alto a solução para os difíceis problemas que os atingiam. Na realidade, bendiziam as expiações e as provas, que se tornavam recursos de aperfeiçoamento, no melhor aproveitamento das experiências terrenas.

Eméritos espíritas, seareiros incansáveis, souberam compreender, antes de tudo, o sentido imenso da sagrada oportunidade que receberam. Quem eram eles? Não importa. Tornaram-se espíritas conscientes ao desenvolverem inauditos esforços para conquistar o verdadeiro amor junto aos semelhantes, lutando, continuamente, para aplacar as suas próprias fraquezas morais. Gostaríamos de seguir os seus passos, de copiar os seus exemplos, tomando Jesus como o tipo mais perfeito a nos servir de guia e modelo.6

Perseverar, pois, deve ser a meta dos espíritas sinceros. A felicidade que experimentarão, vendo a Doutrina se propagar, os fará deixar de lado as questões de somenos importância, para só se ocuparem com as essenciais. Conforme as palavras de Erasto, há muito por fazer no campo a ser semeado em prol das populações atentas que aguardam mensagens de consolação, fraternidade, esperança e paz:

[...] Ó verdadeiros adeptos do Espiritismo!... sois os escolhidos de Deus! [...] Convosco estão os Espíritos elevados. Certamente falareis a criaturas que não quererão escutar a voz de Deus, porque essa voz as exorta incessantemente à abnegação. [...] Faz-se mister regueis com os vossos suores o terreno onde tendes de semear, porquanto ele não frutificará e não produzirá senão sob os reiterados golpes da enxada e da charrua evangélicas. Ide e pregai!7


Clara Lila Gonzalez de Araújo


Referências:

1 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 80. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. pt. 1, cap. 3, it. 30.
2 XAVIER, Francisco C. Seara dos médiuns. Pelo Espírito Emmanuel. 20. ed. 2. reimp. Brasília: FEB, 2013. cap. 37, Dever espírita.
3 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 17, Os bons espíritas, it. 4.
4 PEREIRA, Yvonne A. À luz do consolador. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. cap. A grande doutrina dos fortes, p. 42 e 43, respectivamente.
5 KARDEC. Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 20, Missão dos espíritas, it. 4.
6 ______. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 92. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. q. 625.
7 ______. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 20, Missão dos espíritas, it. 4.

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