A fé
explica: as respostas das religiões sobre a pandemia do coronavírus
Por: Aline
Nunes
Para muitas
denominações religiosas, o momento atual é de sofrimento, mas também serve para
reflexões e mudanças
O impacto
provocado pela pandemia do novo coronavírus não escolhe cor, gênero, classe
social ou religião. Para muitos dos que alimentam alguma crença, inclusive, a
crise na saúde era fato previsto e requer, bem mais do que o distanciamento
social recomendado pelas autoridades sanitárias, reflexão e disposição para
mudanças.
Do judaísmo
ao cristianismo, passando pelo budismo e religiões de matriz africana, há uma
compreensão de que, ao mesmo tempo em que provoca sofrimento, o momento atual
também pode contribuir para a evolução das pessoas.
"A
maioria absoluta das igrejas entende que estão se cumprindo previsões bíblicas,
no que diz respeito aos princípios de dores relatados (Mateus, capítulo 24).
São dias difíceis"Enoque de
Castro Pereira, Presidente
da Associação de Pastores Evangélicos da Grande Vitória
Para superar
as adversidades, o pastor Enoque ressalta que os fiéis são orientados a buscar
mais a Deus. “Como no exemplo de Paulo, quando uma víbora venenosa o mordeu e
mal algum lhe fez, pois, pela fé, vencemos qualquer obstáculo”, acrescenta, com
mais uma citação das Escrituras.
Na leitura
da Torá, os judeus também encontram respostas para os desafios da atualidade.
“Muitos dos fatos que aprendemos nas leituras semanais conferem maior
credibilidade às informações de nossos antepassados, de conceitos religiosos e
espirituais, e fortalecem nossa fé. Um dos eventos que aconteceriam antes da
vinda do Messias era exatamente uma pandemia como a de agora. Outro é a invasão
de cidades por animais selvagens, coisa que está ocorrendo na Europa”, sinaliza
o presidente da Congregação Israelita Capixaba (Cicapi), Alfredo Silbermam.
NECESSIDADE
DE MUDANÇA
Presidente
da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo (FEEES), Fabiano Santos conta
que, em um dos livros das obras básicas do Espiritismo (publicado pela primeira
vez no século XIX), Allan Kardec, codificador da doutrina, relatava períodos
como o atual.
"Um
momento que, para nós, é excepcional, mas não tem nada de excepcionalidade. É
uma transição planetária. A Terra está classificada num processo para um mundo
de regeneração. Então, esses flagelos destruidores, como as grandes catástrofes
ou a pandemia, servem para mudança. No último livro da codificação diz que os
tempos são chegados, e Kardec fala sobre essa necessidade de mudança, como se
fosse uma purificação"Fabiano
Santos, Presidente
da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo (FEEES)
Santos vai
além de sua crença religiosa para demonstrar as fragilidades dos novos tempos.
Ele cita o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman e sua teoria a respeito
da modernidade líquida, de que nada hoje foi feito para durar.
A sociedade,
constata Santos, está ligada ao consumismo de maneira exacerbada e
transformou-se na “geração selfie”, muito mais preocupada consigo. “Isso faz
com que nos tornemos menos empáticos, mais egoístas e orgulhosos. O que ocorre
agora é uma parada em que temos a oportunidade de estar conosco mesmo e de
refletir.”
O médium
Luiz Augusto Labuto, representante legal da Fraternidade Tabajara que reúne praticantes
da umbanda, lembra que, em 1984, ele e outros médiuns no país receberam uma
mensagem espiritual em que se revelava a necessidade de a humanidade mudar de
nível e, para tal, haveria um intervalo de 50 anos.
“De planeta
de expiação para planeta de regeneração. Esse prazo terminará em 2034. Daqui a
14 anos não permanecerão na Terra aqueles que não buscam se regenerar. Essa
pandemia, outras formas de doenças, tsunamis e outros vêm surgindo para
despertar em todos a vontade de se regenerar e de evoluir espiritualmente”,
pontua.
Recém-chegado
de volta ao Espírito Santo, após dedicar-se à vocação religiosa em outros
Estados, o frei Luiz Flávio Adami Loureiro atua hoje no Convento da Penha e
também vê a humanidade em um momento bastante difícil, de egoísmo e vaidade.
“O ser
humano não está se respeitando, nem à natureza. Essa pandemia serve para cada
um reavaliar como está vivendo nos dias de hoje. Não é só o ter, o poder e o
prazer que resolvem. A vida é mais que isso”, sustenta o frei que, durante o Oitavário
deste ano, com o Convento praticamente vazio devido às medidas de isolamento
social, fez suas orações do alto da pedra voltado para Vitória.
“Pedi que
sumisse essa doença, que tivesse uma cura, que essas dificuldades acabassem. O
mundo todo sofre; é o povo de Deus que sofre por isso”, completa.
Doutor em
Ciência da Religião, o professor da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes) Edebrande Cavalieri observa que, ao longo da história, a pandemia da
Covid-19 não é a primeira a ser enfrentada, tampouco o elevado número de
mortes. Nesse contexto, muitas religiões demonstram uma preocupação grande em
cuidar, acompanhar e orientar.
“A igreja
acabou se tornando um espaço de solidariedade e de caridade, fora o cuidado
espiritual. No momento em que as pessoas se defrontam com um limite muito
forte, com a falta de horizonte e a insegurança, a religião, através da fé, é a
sustentação para muitas fazerem a travessia nessa pandemia”, afirma Cavalieri,
reforçando que, para quem crê, fica menos difícil o enfrentamento.
Assim, mesmo com as restrições de encontros presenciais para controlar a disseminação da doença, as religiões buscam alternativas para se manterem próximas de seus seguidores.
"Estamos
procurando dar assistência religiosa aos fiéis com transmissão de missas e
outros atos devocionais, como novenas, terço e orações. Na medida das
solicitações, os padres que estão fora dos grupos de risco atendem fiéis que
solicitam unção. Mantemos a confiança em Deus e a esperança"Dom Dario
Campos, Arcebispo metropolitano
de Vitória
Alfredo
Silbermam destaca o fortalecimento da rede de apoio da comunidade judaica por
meio dos encontros virtuais. “Apesar de distantes, permanecemos conectados, até
por mais tempo, participando de eventos religiosos e culturais, inclusive em
contato com outros Estados e países. Abrimos uma sinagoga em cada casa”,
valoriza.
Ana Braga de
Lacerda, coordenadora de um templo de budismo tibetano em Vitória, diz que as
orientações e o suporte espiritual também são compartilhados pela internet,
inclusive com transmissões ao vivo.
“Num tempo
de normalidade, valorizamos muito a prática coletiva porque o encontro
potencializa orações e possibilita ter mais trocas. Isso é muito importante.
Mas ser virtual não representa uma diminuição das práticas de reflexão,
leitura, oração. Fazemos, por exemplo, orações para a eliminação de obstáculos
com a intenção de beneficiar todos os seres. Mesmo não sendo presencial, não
deixa de ser coletivo”, explica.
Para
auxiliar as casas espíritas, que têm autonomia para definir como vão conduzir
seu atendimento nesse período de pandemia, a Federação publicou duas cartilhas
orientando sobre o trabalho online e o uso das ferramentas disponíveis.
“A gente
ensina como fazer live, palestra pública, atendimento online, como conduzir as
reuniões de evangelização”, relaciona Fabiano Santos, presidente da entidade.
Para
Edebrande Cavalieri, o sentido de religião passa, em boa medida, por essa
atitude de acolhimento nos tempos difíceis, mas que não é praticado por todas
as lideranças. “Nesta pandemia, algo que acho perverso é ver alguns líderes que
deixam transparecer maior preocupação com os templos vazios em função da
ausência da contribuição do dízimo, do que com a vida dos fiéis”, lamenta.
PÓS-PANDEMIA
Cavalieri também
se mostra cético com a mudança de conduta esperada no pós-pandemia. Para ele, a
crise sanitária não deverá tornar homens e mulheres mais virtuosos. Se assim
fosse, em outros momentos da história de muito sofrimento, como depois das
grandes guerras, haveria um novo comportamento humano.
O professor
acredita em atos solidários, que continuarão imprescindíveis, e diz não ver só
o lado negativo das pessoas, mas supõe ser uma utopia pensar em uma revolução
da consciência, uma conversão mundial diante da tragédia diária provocada pelo
coronavírus.
Para os mais
tradicionais do judaísmo, o mundo não mais voltará a ser como conhecido antes
da pandemia, segundo afirma Alfredo Silbermam, mas a expectativa é de que as
relações humanas sejam mais valorizadas.
Na opinião
de Ana Lacerda é importante que as pessoas tomem consciência da
“impermanência”, ou seja, que tudo sempre muda. E, segundo a praticante do
budismo, quando há esse entendimento, cria-se menos expectativas, frustrações
e, consequentemente, menos sofrimento.
Luiz Augusto
ressalta que, na umbanda, sempre se espera que as pessoas busquem a evolução
espiritual. “Sabemos que existem várias provações em curso na Terra, pois ainda
estamos no nível de expiação. Desejamos mesmo, rogamos ao Criador, que todos
possam ter refletido e que busquem o progresso espiritual, porque essa é a
única riqueza que levamos quando desencarnamos”, finaliza.
Fonte: A Gazeta, publicado em 23/05/2020
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