Uma passagem do Evangelho que nos traz significativos pontos para reflexão é a da crucificação de Jesus, mais especificamente segundo a narrativa de João que cita a presença da Mãe do Messias no evento que marcou os momentos finais Dele na carne.
Segundo o redator do quarto Evangelho:
Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!” E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa.1
Já de início vemos na narrativa algo que serve para nós do sexo masculino nos envergonharmos diante da situação. Jesus teve mais próximo de si doze discípulos homens. Se descontarmos Judas Iscariotes que se afastou do grupo no final para entregar a Jesus, ainda restaram onze. E de todos estes seus amigos apenas João esteve presente no momento de sua crucificação. Ao contrário, muitas mulheres, também suas seguidoras, se fizeram presente no instante final, prestando solidariedade e sofrendo junto.
Depreendemos daí, e notamos isto no dia a dia, mesmo hoje, que a mulher é muito mais corajosa que o homem. Há exceções, todavia, no geral, elas enfrentam certos momentos de tensão com maior superioridade espiritual do que nós.
Cremos, sem querer fechar a questão sobre o assunto, e principalmente aqui no caso da crucificação, que o que deu coragem a estas fieis seguidoras de Jesus foi o sentimento de amor que já possuíam como virtude conquistada, sentimento este que na maioria das vezes têm elas mais do que nós do sexo masculino.
Segundo a observação de alguns estudiosos da área da psicologia, o oposto de amor não é ódio, e sim medo, pois o temor é paralisante, estático, enquanto amor é movimento, dinamismo. O medo não deixa o amor se expressar e o amor dissolve o medo.
Não temos dúvida de que foi o sentimento nobre que já possuíam que deu coragem àquelas mulheres; os homens, mais afeitos ao raciocínio, pensaram mais no perigo que corriam e afastaram-se.
Temos aprendido a ver que entre os doze da intimidade de Jesus, João, o filho de Zebedeu, era o que tinha mais destacado o sentimento de amor. Não é outro o motivo de ser ele conhecido como o discípulo amado. Neste caso não havia nenhum privilégio, apenas cumprimento da Lei, a cada um segundo as suas obras, aquele que mais ama é mais amado.
Assim, foi também o sentimento de amor mais desenvolvido que deu coragem a este discípulo e que o fez estar com as mulheres nos momentos finais do Mestre entre nós fisicamente.
O mais significativo, entretanto, nesta passagem, é o ensinamento transmitido por Jesus ao dizer a sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” e depois a João: “Eis a tua mãe!”
Mulher; o uso desta forma de tratar é comum na narrativa de João2 e sugere que Jesus nos fala de algo que vai além da piedade filial; o que ele ensina é a adoção de um amor capaz de fortalecer os laços da família universal, não deve haver mais uma distinção que leve em conta os familiares de sangue, mas uma união de todos os filhos de Deus.
Maria surge então como uma “nova” Eva. Esta é segundo os textos do Antigo Testamento a mãe de todos os viventes3, Maria seria a Mãe de toda a humanidade convertida a Cristo.
Do mesmo modo que Paulo refere-se a Cristo como o segundo Adão, ou o último Adão4, Maria seria a segunda Eva. Se a primeira induziu a humanidade à queda por meio da influência negativa da Serpente, a segunda nos leva à redenção atendendo um convite também mediúnico, o que o anjo fez para que acolhesse Jesus como filho.
No primeiro caso temos uma mediunidade desequilibrada, no segundo santificada pela fidelidade a Deus; no primeiro a indução à desobediência, no segundo a submissão a um programa do Alto.
Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!5
Maria seria, assim, uma Eva sublimada.
Há outro texto no Gênesis que faz uma relação entre Eva e Maria que nos ajudará a desenvolver nosso raciocínio. Trata-se do momento em que Deus, na linguagem simbólica da literatura hebraica, adverte a Serpente:
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.6
Algumas traduções falam “entre a tua semente [da Serpente] e a sua semente” [da mulher], entretanto o termo hebraico usado para semente é masculino. Como semente neste caso tem o significado de descendência, em português pode-se usar a forma masculina seu descendente.
A Serpente é símbolo do mal, as religiões viram-na como o “Diabo”, o Maligno. A descendência da Serpente é assim toda sorte de erros cometidos pelo homem, fruto da transgressão inicial induzida por ela mesma, a Serpente.
Através desta transgressão foi rompida a Aliança do homem com seu Criador. Numa abordagem que não vamos aprofundar aqui por não ser o objetivo principal deste estudo, a Serpente representa os Espíritos desencarnados ainda arraigados no mal e que procuram distanciar o homem do Bem. Ela age por influência espiritual. No plano físico quem primeiro captou sua influência negativa foi Eva induzindo Adão à queda.
Quem restabelecerá o elo de ligação do homem com Deus, que trará a ele a redenção é Jesus, o descendente de Maria.
Assim, vemos Maria como o resgate de Eva, se através desta veio a queda, Maria nos proporciona através de sua maternidade a oportunidade da salvação.
Neste sentido é que fazendo uma relação com o texto de Paulo aos coríntios, onde ele propõe Jesus como o segundo Adão, propusemos Maria como a “segunda” Eva.
1 João, 19: 25 a 27
2 Cf. João, 2: 4
3 Gênesis, 3: 20
4 1 Coríntios, 15: 45 a 47
5 Lucas, 1: 38
6 Gênesis, 3: 15
Claudio Fajardo de Castro
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