quarta-feira, 22 de maio de 2013

Bendita entre as Mulheres


Maria contou a Lucas o encontro vibrante que teve com Isabel nas regiões montanhosas da Judéia. Disse que fez uma longa caminhada numa região inóspita e desnivelada. Seu corpo estava fatigado, sua mente, estressada.

Entretanto, algo a reanimou. Logo que Isabel a viu, disse a célebre frase de saudação "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre".

Isabel era bem mais velha, mas reconheceu a grandeza da jovem Maria. Exaltou o menino que estava se formando em seu útero, como um fruto excelente que alimentaria uma humanidade faminta de sabedoria.

Ao ouvir as palavras de Isabel, Maria suspirou e recobrou as forças. Num momento de rara luz, abriu-se imediatamente à sua inteligência e proferiu um belíssimo poema. Um poema que fluiu espontaneamente do tecido mais íntimo da sua psique.

Tal poema ficou conhecido na História como Magnificat por causa da primeira palavra de tradução latina de exaltação ao Autor da existência.

Devemos estar cônscios de que o Magnificat de Maria não foi uma produção sobre-humana, miraculosa, mas uma construção que procedia do seu intelecto. Alguém que ama economia não tarda muito a discorrer sobre investimentos. Quem ama as artes, basta uma oportunidade para falar de escultura, teatro, cinema. Maria discorreu sobre o que lhe era próprio - aquilo que respirava e vivia diariamente. É lascinante analisar seu poema sob o olhar da psicologia e da filosofia. Há beleza em suas ideias. Elas revelam muito mais do que informações desconectadas. Revelam informações que foram transformadas em conhecimento, e conhecimento em sabedoria.

Maria ainda era uma adolescente. Faltava-lhe experiência de vida, mas seu poema revela o caminho pelo qual estava construindo a sua história e atuaria como a mais excelente educadora.

O Magnificat discute pelo menos quatro grandes temas: a) o relacionamento estreito de Maria com Deus; b) uma síntese do Antigo Testamento com mais de quinze citações; c) sua visão crítica sobre as relações sociais; d) seu entendimento sobre os fenómenos psíquicos.

A inteligência de Maria era incomum. Como pesquisador da inteligência, concluí que o Magnificat revela muito mais que uma jovem dócil e serena, revela uma genialidade.

Ninguém conseguiria produzir um poema de uma complexidade intelectual e existencial tão grande como o Magnificat e, ainda mais, de improviso e fatigada, se não fosse sobredotada. Esta frase pode surpreender o mundo religioso: Maria tinha intelecto de um gênio.

O MAGNIFICAT


Há várias traduções do Magnificat escrito no Evangelho de Lucas. Nas traduções que conheço, embora haja variações textuais, elas não divergem no pensamento central. A seguir citarei o Magnificat, como uma composição de algumas traduções.

A minha alma engrandece ao Senhor
E o meu espírito exulta em Deus, meu salvador
Porque Ele pôs os olhos sobre sua humilde serva.
Sim, doravante todas as gerações me considerarão bem-aventurada
Porque o Todo-Poderoso me fez grandes coisas: santo é Seu Nome.
A Sua bondade se estende de geração em geração sobre os que O temem.
Ele interveio com toda a força do seu braço;
Dispersou os homens de pensamentos orgulhosos;
Precipitou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes;
Cobriu os famintos de bens e despediu os ricos de mãos vazias.
Veio em socorro de Israel, seu servo lembrando de sua bondade,
Como dissera a nossos pais, em favor de Abraão e sua descendência,
para sempre.


O MAGNIFICAT REVELA A GENIALIDADE DA JOVEM MARIA

Maria cresceu numa nação em conflito, onde a miséria fazia parte do traçado existencial das pessoas. Sem espoliar as nações dominadas, a máquina de Roma não sobreviveria. Do pouco que se colhia nos campos de Israel, Roma tinha seu quinhão. Mendigos se espalhavam pela Judéia e pela Galiléia. Para controlar as revoltas, a força do império era onipresente. Todo motim era sufocado com prisões e mortes.

Havia escassez de tranquilidade para estimular os jovens a desenvolver a solidariedade, o altruísmo, a generosidade. Onde a competição social é acirrada, poucos se animam a desenvolver a sabedoria para nutrir a inteligência. Nos tempos atuais não tem sido diferente.

Não exija que as pessoas que lutam arduamente para ter um lugar ao sol nas sociedades competitivas tenham ardente disposição para repousar à sombra da sabedoria. Toda vez que a vida está em risco, sobreviver sobrepuja a sede de saber.

Era de esperar que muitos jovens judeus da época de Maria não tivessem ânimo para se dedicar aos grandes ideais. Sobravam individualismo e ansiedade pela sobrevivência e faltavam idealismo e sonho de inclusão social. Mas Deus encontrou uma jovem com uma consciência social, intelectualidade e espiritualidade notáveis.

Como analisaremos ao longo do texto, em seu poema Maria exaltou os valores psíquicos e a justiça social. Reconheceu as limitações da existência, inclusive da sua. Criticou a necessidade neurótica de estar sempre com a razão, que bloqueia a mente humana, e a necessidade neurótica de poder, que corrói a sociedade.

Texto extraído do livro “Maria, a maior Educadora que já existiu”, de Augusto Cury.

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