Em meio à vasta rede de relações que os sujeitos experimentam, em que vivenciam suas histórias de vida, a socialização é o caminho para a construção da convivência interpessoal.
Marca imperativa, dentre os primeiros lampejos de vida, ainda mesmo quando crianças, a socialização com os primeiros pares (pais e cuidadores) é de grande importância para o desenvolvimento físico e psíquico. Primeiros passos para o conhecimento do outro e de si mesmo. Primeiros passos para as primeiras manifestações das escolhas e, quem sabe, o ensaio para o respeito das diferenças e dos diferentes.
Assim, é no seio familiar em que as primeiras experiências significativas e primárias de socialização são vivenciadas e, com tais experiências, a possibilidade dos primeiros contornos de personalidade e de reconhecimento do Eu se tornarem possíveis. Sentimentos e emoções, autoconhecimento e os primeiros nós existenciais também podem ser encontrados nesse momento.
Aos nós existenciais chamo aquelas situações traumáticas e/ou repetitivas em que os sujeitos são inseridos e que, embora sirvam de ensejo para se desenvolver algum tipo de aprendizado no campo do sentimento, atuam também como um fenômeno paralisante em relação ao Outro, uma dificuldade para o estabelecimento de relações atuais e vindouras, o que impossibilita o ser vivente de enfrentar os desafios e as oportunidades de crescimentos de novas relações interpessoais.
Em outras palavras, o medo e a desconfiança se tornam companhia constante, em detrimento da possibilidade de crescimento que mudanças em relações aos Outros pode trazer. É o velho que esbarra no novo a todo o momento. E quanto incômodo pode ser sentido e traduzido por meio de um corpo falante, de uma mente pensante e sentimentos transformados em armaduras protetoras de si mesmo e do outro. Daí nascem os questionamentos, dentre os quais se destaca esta indagação: como vai sua vida de relações?
Ando por vários lugares a escutar murmúrios e o queixume da dor nascida dos conflitos. Dor que corta para além de lugares palpáveis. Corações que choram sem cessar. Sentimentos sem nomes, emoções silenciosas e barulhentas. A necessidade de compreender a dor que lateja. A que veio a dor? O que ela quer me contar?
Vejo o quanto se relacionar é um padecimento e a enfermidade atual é gostar. Padecem almas que não escutam a si mesmas, em meio a uma sinfonia interior, lastreada pelo grito que teima em sair. Quem as ouve? Quem se ouve? Quem ouve quem?
Deseja-se o sonho do amor impossível, aquele que calou a alma e a modelou, docilizando os sentimentos alheios, a responder a uma necessidade que talvez seja somente uma fantasia, uma crença sobre a forma mais bonita de ser amado e de ser correspondido nas próprias necessidades.
As necessidades sempre existirão, motivo por que se deve perguntar se a própria necessidade não violenta a possibilidade de receber o Outro, ou seja, de estar aberto para o que o mundo circundante tem a lhe oferecer. Se eu não quero, tenho de aprender a dizer a palavra mágica – “não” –, ser livre e sustentar a escolha de não querer. E, por falar em liberdade, parafraseando Sartre, estamos condenados a ser livres. Concordo com esse brilhante filósofo e reitero suas palavras, afirmando que estamos também condenados a nos relacionarmos. Que tal começar a pensar nisso?
Fernanda Leite Bião
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