sábado, 28 de dezembro de 2019

O Cinema com Divaldo Franco e a Mensagem de Paz


Por Marcela Oliveira

Dirigido por Clovis Mello, o longa-metragem Divaldo – O Mensageiro da Paz, uma das últimas produções espíritas que entrou em cartaz nesse ano, traz um discurso voltado para o amor ao próximo

“Eu peço a Deus todos os dias uma única oportunidade para tocar seu coração”. A frase dita pelo personagem interpretado pelo ator Bruno Garcia a um espírito pode resumir a trajetória do líder espírita baiano Divaldo Franco. Pautado pelo amor ao próximo, sua história é contada no filme Divaldo – O Mensageiro da Paz, que estreou nos cinemas de todo o Brasil em 12 de setembro de 2019.

Apesar de um enredo voltado para o trabalho do médium, o longa-metragem vai muito além do espiritismo. O diretor Clovis Mello, também responsável pelo roteiro, conseguiu fazer um filme sobre religiosidade sem cair no caricato. Não há uma tentativa de impor uma filosofia ao espectador. Mas, sim, fala de explicar a doutrina e, o mais importante, passar mensagens de amor ao próximo, de acolhimento das adversidades e de paz.

O fio condutor, claro, é o processo de amadurecimento espiritual de Divaldo, que vai do medo do desconhecido até entender seu papel na Terra. Começa na infância (interpretado por João Bravo) em Feira de Santana e mostra os primeiros sinais da mediunidade do baiano de família católica. Na juventude, coube ao ator Ghilherme Lobo viver Divaldo e mostrar seu aprofundamento nos estudos sobre o espiritismo. Na vida adulta, o ator Bruno Garcia dá vida ao médium.

Com a ajuda da preparadora de elenco Maria Sílvia, os três criaram uma unidade de interpretação, já que viveram o mesmo personagem. “Curiosamente, só conheci Divaldo pessoalmente quando já havia terminado as filmagens. Um dos maiores desafios que pode-se apresentar para um ator é interpretar alguém real, que não saiu da cabeça de um autor. Ainda mais se este ainda está vivo. A despeito desse aspecto especial, Divaldo teve registrado seus gestos e voz ao longo de muitos anos e esse material foi fundamental para meus estudos”, contou Bruno Garcia em entrevista ao GPS|Lifetime.

O elenco conta ainda com Marcos Veras, interpretando um espírito obsessor, e Laila Garin, como a mãe do médium – pode-se dizer um dos pontos altos do filme, em cenas e diálogos emocionantes. Joanna de Ângelis, a mentora de Divaldo, é interpretada de forma doce por Regiane Alves. Ela é responsável por muitas frases que provocam reflexões nos espectadores, uma vez que é sua guia espiritual durante toda a história.

Para produzir o roteiro, Divaldo sugeriu a Mello que fosse a Assis, na Itália, para buscar inspiração para o roteiro. Lá, ele conheceria o túmulo de Santa Clara, a última encarnação de Joanna de Ângelis e como Divaldo a vê – com hábito de freira. Colocar em palavras a trajetória do médium ficou mais fácil depois da viagem.

O tom da narrativa proposto por Mello foi o da leveza, mesmo tratando, por exemplo, de temas como suicídio e depressão. Os diálogos são didáticos e há uma constante preocupação em explicar os conceitos do espiritismo. No entanto, em certas cenas, ele conseguiu trazer até mesmo um pouco de humor.

Mas, sem dúvida, é um filme de emoções. Uma cena muito comovente é o seu rápido encontro com Chico Xavier. “Nós somos como dois postes de luz, temos que estar separados para levar mais luz ao mundo”, disse o mineiro a Divaldo.

Apesar de girar em torno da vida de Divaldo, não é um filme biográfico. Não endeusa o médium nem o coloca como centro da história. A filantropia e a mensagem que ele passa se destacam.

Se toca quem assiste, imagina quem participou dele. “Esse filme foi um encontro de almas. Todas as pessoas que fizeram parte desse projeto foram afetadas por uma atmosfera que parecia emanar do próprio Divaldo e de sua obra. Uma sensação de comunhão, no sentido espiritual da palavra, muito forte. Agora chegou a vez do público fazer parte disso”, disse o ator Bruno Garcia.

Divaldo hoje tem 92 anos, sendo 72 dedicados à caridade. Vive em Salvador, onde funciona a Mansão do Caminho, instituição criada por ele e que atende mais de três mil pessoas por dia com diversos serviços voltados para saúde e educação. Adotou mais de 600 crianças. Escreveu 270 livros. O filme tem apoio da FEB (Federação Espírita Brasileira) e distribuição da Fox Film do Brasil e produção da Cine e da Estação Luz Filmes.

Esqueça rótulos ou preconceitos com filmes que tenham a temática da religiosidade. Divaldo – O Mensageiro da Paz não defende uma doutrina única. Acima de tudo, é um filme que fala sobre respeito e amor. E esse, talvez, seja o grande ponto em comum entre todas as religiões. “Deus é um só”, diz uma das frases do filme. A mensagem final, sem dúvida, é a de comunhão.

Confira a entrevista com o diretor Clovis Mello:


Como foi falar de um tema que poderia render algum preconceito, pelo Brasil ser um país tradicionalmente católico?

Acho que não tive problema porque não tenho esse tipo de preocupação. Eu fiz o filme de um humanista, não de um espírita. Por acaso ele é espírita. O que me interessa no Divaldo é o caráter dele. Ele podia ser de qualquer religião. Ele é um cara acima do bem e do mal. Quando você vai na Mansão do Caminho, por exemplo, ele tem uma casa de parto. E quando uma mulher vai ter um filho ali, ninguém pergunta qual é a religião dela. Ele pratica o que Jesus pediu a todos há mais de dois mil anos, que é que nos amássemos. Nós que criamos as religiões para nos dividirmos.

Como foi a relação com Divaldo Franco no processo de criação do filme?

Ele me deu liberdade para fazer o roteiro, ele foi isento e muito generoso. Conversamos muito. De um modo geral, ele é tímido e teve um certo receio em ficar muito exposto. Mas eu deixei claro que queria falar da mensagem e não do mensageiro, então ele me deixou muito à vontade para fazer o roteiro. Em momento algum ele quis o protagonismo. Não era fazer um filme santificando ninguém, mas que tocasse cada vez mais corações. Ele colaborou muito, mas interferiu pouco. Foi uma peça importante. Um exemplo foi na escolha da atriz Regiane Alves para o papel da sua guia espiritual, Joanna de Ângelis. Já tinha selecionado todo o elenco e faltava apenas esta. Apresentei cinco atrizes e ele apontou para a Regiane. Como é um espírito que somente Divaldo vê, acatamos na hora. Regiane nem pensou e já aceitou o convite.

Você achou diferente trabalhar um filme sobre religião?

Aconteceram muitas coisas de origens desconhecidas, que deixaram claro que havia algo de outro plano. Antes de começarmos, chamei todos e fizemos uma roda de oração, falei que trataríamos de um tema delicado e que precisávamos estar unidos mentalmente. Criamos uma espécie de irmandade, independente da crença de cada um. E nos mantemos unidos mesmo dois anos depois das filmagens terem acabado. Foi algo realmente diferente.

Qual o feedback que tem recebido de quem já conferiu o resultado do trabalho?

Muitas pessoas de outras religiões já assistiram e as reações são as melhores possíveis. Cristãos reconhecem que é um filme de amor. E também tenho me emocionado com a reação da juventude, eu não esperava que um filme sobre um homem de 92 anos pudesse tocar corações tão jovens. São almas que têm que se reconectar com a divindade. Eles estão em busca de uma coisa que a matéria não está entregando para eles. Estão precisando de um empurrão para se dedicar ao que não é palpável.

Especialmente pelo fato da temática abordada fazer do longa-metragem um trabalho não apenas de entretenimento, né? Quem você espera tocar com o filme?

Desde o início, a minha ideia não era falar sobre o mensageiro, mas sobre a mensagem de amor, de Jesus. E eu queria fazer um filme para as pessoas que hoje estão tomando calmante para dormir e energético para acordar, quem está sem rumo na vida, deprimido, pensando em se matar. E isso inclui a juventude de hoje.

Você se sente diferente após se envolver com essa história?

Eu já acreditava no espiritismo. Mas o filme me modificou a medida em que entendi o que vim fazer nesse plano. A minha responsabilidade como cineasta, artista e formador de opinião é grande. Me conscientizei disso. Entendi que estou nesse mundo para usar a minha arte, meu ofício e minha saúde como ferramenta para levar luz a mais lugares. Como cineasta, já passaram muitos filmes pela minha mão. E tem muita gente fazendo comédia, drama. A partir de agora vou procurar usar o meu talento e meu tempo para fazer filmes que tragam algum alento, uma luz no fim do túnel. A principal mensagem que o filme passa é a da tolerância e do perdão. Quero continuar falando disso.

Publicado em GPS Lifetime em 12 de setembro de 2019.

Assista entrevistas com o diretor Clovis Mello sobre o filme:


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