"Se a população meditasse, acabaria a violência" (David Lynch)
O cineasta americano David Lynch, diretor de filmes polêmicos como Eraserhead (1977), Veludo Azul (1986), Estrada Perdida (1997) e Império dos Sonhos (2006), esteve no Brasil em 2008 para lançar o seu livro Em águas Profundas, Criatividade e Meditação (Editora Gryphus, tradução de Márcia Frasão) e concedeu essa entrevista a Revista Época onde ele defende a prática da meditação, da qual é adepto desde 1975.
“se a raiz quadrada de um por cento da população de um país meditar, acaba-se a violência”. ( David Lynch)
ÉPOCA - A meditação transcendental pode realmente levar à paz?
David Lynch - Sim. Maharishi sempre dizia: regue a raiz e aproveite os frutos. Você pode imaginar o mundo como uma árvore, com folhas amarelas e galhos envergados. Regar a raiz significa avivar o mais profundo nível da vida, o campo unificado, oceano de consciência. Meditação em grupo é a chave para a paz. E tudo o que precisamos é da raiz quadrada de 1% da população meditando. No Brasil, se 12 mil ou 14 mil meditadores avançados fizessem isso duas vezes por dia, a violência e o estresse iriam acabar. A negatividade se dissipa.
ÉPOCA - Para quem seu livro será útil?
Lynch - Quem trabalha na área de cinema pode pegá-lo para ler e tirar alguma coisa dali. Mas, com mais freqüência, o livro será bom para as pessoas que buscam algo mais, ou que estão enfrentando algum tipo de problema. Elas podem perceber que há algo que pode mudar as coisas para melhor. Com a meditação transcendental, a criatividade flui e as coisas logo ficam muito, muito boas.
ÉPOCA - Gostaria de que seu livro estivesse numa prateleira de auto-ajuda?
Lynch - Poderia estar em auto-ajuda ou em cinema. Quero que esteja em uma livraria, não importa onde.
ÉPOCA - No livro, o senhor fala sobre como a intuição é importante em seu trabalho. Mas acredita na inspiração?
Lynch - Sim. Quando pego uma idéia, ela vem de uma imensa energia de inspiração. É uma emoção. É importante sentir essa energia, tanto quanto escutar e a sentir a idéia.
ÉPOCA - A meditação o ajuda a entrar em contato com seu eu interior?
Lynch - Não é apenas isso. É o nível mais profundo da vida, sem fronteiras, infinito e eterno. O campo unificado, como diz a ciência moderna. A meditação transcendental é apenas a chave que abre as portas para esse campo. É um aprendizado muito específico, mas fácil e supremamente profundo. Uma criança de dez anos pode praticar a meditação transcendental tão bem quanto um homem de 99 anos. Há vários caminhos, e várias formas de meditação. Dizem que todas as estradas levam a Roma. Algumas são estradas de terra, outras de pedra, outras de mão dupla... Mas pode haver uma superestrada para a Roma! Essa é a meditação transcendental.
ÉPOCA - É difícil entender como uma mente tão pacífica pode criar um trabalho tão perturbador.
Lynch - As histórias têm contrastes: tormentos, beleza, felicidade perfeita, sofrimento, toda uma variedade de condições humanas. Minhas histórias refletem o mundo em que vivemos, um mundo negativo. O artista não tem de sofrer para mostrar sofrimento. Não precisa morrer para filmar uma cena de morte. Ele precisa entender o sofrimento. O entendimento cresce quando você transcende. Expandindo a consciência, é possível pegar idéias em níveis profundos. Eu simplesmente me apaixono por certos tipos de idéia. E pela forma como o cinema pode traduzir essas idéias. É maravilhoso. Outra pessoa pode se apaixonar por idéias diferentes. Há tantas idéias por aí borbulhando.
ÉPOCA - Alguns críticos dizem que seus filmes mostram um lado perverso dos Estados Unidos. Qual o futuro do país?
Lynch - Os Estados Unidos saíram dos trilhos. Mas há um grupo de meditadores que busca a paz e está quase chegando à raiz quadrada de 1% da população. Assista ao que vai acontecer: os Estados Unidos vão voltar a ser um ótimo e pacífico país.
ÉPOCA - Quando o país foi pacífico?
Lynch - Provavelmente nunca (risos). Mas talvez tenha havido um tempo com ênfase nas coisas boas. John Fitzgerald Kennedy (presidente dos EUA entre 1961 e 1963) realmente tentou transformar o país para melhor. As histórias ao longo do tempo têm contrastes.
ÉPOCA - No livro Hollywood is Right, o crítico Mark Cousins escreveu que seus filmes tendem a elogiar o isolacionismo. Sobretudo Veludo Azul e Eraserhead. O que acha?
Lynch - É uma bobagem, isso sim. Esses filmes não falam nada sobre os Estados Unidos. Os filmes não refletem todas as pessoas, ou um país inteiro. Eles estão localizados, e isso é importante. A história é sobre uma situação particular, com aqueles personagens em particular, naquela cidade em particular.
ÉPOCA - Por que se recusa a dar sua interpretação de seus filmes?
Lynch - Não quero estragar a experiência de ninguém. O filme é uma coisa completa. Como na meditação, não se deve adicionar nem retirar nada. Você não sai por aí desenterrando autores mortos e perguntando a eles o que eles quiseram dizer com isso ou aquilo. É preciso descobrir por si próprio. Toda interpretação é válida.
ÉPOCA - Nunca fica incomodado com alguma interpretação?
Lynch - Não. É tão lindo. Todos olhamos para o mesmo mundo, mas cada um tem uma visão diferente dele.
ÉPOCA - O senhor escreveu no livro que não tinha idéia do que eram a caixa e a chave azuis que aparecem em Cidade dos Sonhos (2001).
Lynch - Era uma brincadeira, é claro que eu sei o que são (risos). Acho que cada pessoa, lá no fundo, sabe o que são a caixa e a chave.
ÉPOCA - O senhor já disse que não faz testes com os atores, mas que conversa com eles. Como é possível ver se a atuação de alguém é boa numa conversa?
Lynch - É bem fácil. Olho para os olhos deles, para o rosto. E vejo como aquela pessoa vai ficar no meu personagem.
ÉPOCA - O livro critica a forma como os diretores perdem o controle de seus filmes, na indústria cinematográfica. Acha que é livre para criar?
Lynch - Não critico, fico com pena deles. Enfrentei esse problema em Duna (filme de 1984, fracasso de críticas e de bilheteria). É preciso ser livre para criar.
ÉPOCA - A maior parte dos seus filmes foi financiada por europeus. O senhor se sente distante de Hollywood?
Lynch - Sim, bem distante. Mesmo morando lá. Na França, eles têm a melhor postura. Nunca pensariam que um cineasta não poderia ter controle criativo.
ÉPOCA - E como é ser um estrangeiro em Hollywood?
Lynch - É maravilhoso.
ÉPOCA - É difícil conseguir dinheiro para fazer filmes, atualmente?
Lynch - O cinema está mudando tanto! De certa forma, é mais difícil para cineastas estreantes conseguirem dinheiro. Por outro lado, hoje é preciso menos dinheiro, com as câmeras digitais. Então as coisas acabam se equilibrando. Acho que o destino tem um papel muito importante na carreira das pessoas. Se você tem o bom destino, consegue o dinheiro.
ÉPOCA - Os filmes digitais são o futuro do cinema?
Lynch - Com certeza.
ÉPOCA - E a internet? Os estúdios e cineastas estão preparados para ela?
Lynch - Não estão preparados, mas ela está chegando. Não estou preocupado com isso. O que acontece depois de o filme estar terminado está fora do controle do cineasta. A alegria de fazer um filme e sentir que ele está tomando o rumo certo é uma viagem maravilhosa. É melhor aproveitar essa parte. Com a meditação transcendental, você curte muito mais fazer coisas.
ÉPOCA - Mas nunca se preocupa com a maneira como os filmes chegarão ao público?
Lynch - Não, mas sei que será pela internet. Ela é o novo cinema, a nova televisão, a nova livraria, o novo parque de diversões.
ÉPOCA - Império dos Sonhos (2006) é seu filme mais estranho. As pessoas estão com medo do próximo. O que o senhor está fazendo?
Lynch - (Risos) Não precisam ter medo. Tenho pintado, feito músicas e fotografias. Não tenho uma idéia para o próximo filme. Mas estou trabalhando num documentário sobre a turnê em que falei sobre meditação e paz em 15 países.
ÉPOCA - O senhor se diz apaixonado por mistérios. Que mistério o assombra no momento?
Lynch - O mistério da vida.
ÉPOCA - No livro, o senhor soa às vezes como o detetive Dale Cooper, de Twin Peaks (série de sucesso criada por Lynch e exibida entre 1990 e 1991).
Lynch - Talvez a gente tenha características em comum. Há um mistério e ele é um ótimo detetive que quer descobri-lo. Eu gosto de sua atitude positiva.
ÉPOCA - Tem alguma coisa no mundo que o faça sair dessa serenidade?
Lynch - Estou cheio de serenidade, mas ainda não ao máximo. Se uma pessoa fosse completamente iluminada, nada a poderia desviar da serenidade. Esse é o futuro. É nosso direito de nascença, como seres humanos, ter iluminação.
Revista Época, 08/2008.
“se a raiz quadrada de um por cento da população de um país meditar, acaba-se a violência”. ( David Lynch)
ÉPOCA - A meditação transcendental pode realmente levar à paz?
David Lynch - Sim. Maharishi sempre dizia: regue a raiz e aproveite os frutos. Você pode imaginar o mundo como uma árvore, com folhas amarelas e galhos envergados. Regar a raiz significa avivar o mais profundo nível da vida, o campo unificado, oceano de consciência. Meditação em grupo é a chave para a paz. E tudo o que precisamos é da raiz quadrada de 1% da população meditando. No Brasil, se 12 mil ou 14 mil meditadores avançados fizessem isso duas vezes por dia, a violência e o estresse iriam acabar. A negatividade se dissipa.
ÉPOCA - Para quem seu livro será útil?
Lynch - Quem trabalha na área de cinema pode pegá-lo para ler e tirar alguma coisa dali. Mas, com mais freqüência, o livro será bom para as pessoas que buscam algo mais, ou que estão enfrentando algum tipo de problema. Elas podem perceber que há algo que pode mudar as coisas para melhor. Com a meditação transcendental, a criatividade flui e as coisas logo ficam muito, muito boas.
ÉPOCA - Gostaria de que seu livro estivesse numa prateleira de auto-ajuda?
Lynch - Poderia estar em auto-ajuda ou em cinema. Quero que esteja em uma livraria, não importa onde.
ÉPOCA - No livro, o senhor fala sobre como a intuição é importante em seu trabalho. Mas acredita na inspiração?
Lynch - Sim. Quando pego uma idéia, ela vem de uma imensa energia de inspiração. É uma emoção. É importante sentir essa energia, tanto quanto escutar e a sentir a idéia.
ÉPOCA - A meditação o ajuda a entrar em contato com seu eu interior?
Lynch - Não é apenas isso. É o nível mais profundo da vida, sem fronteiras, infinito e eterno. O campo unificado, como diz a ciência moderna. A meditação transcendental é apenas a chave que abre as portas para esse campo. É um aprendizado muito específico, mas fácil e supremamente profundo. Uma criança de dez anos pode praticar a meditação transcendental tão bem quanto um homem de 99 anos. Há vários caminhos, e várias formas de meditação. Dizem que todas as estradas levam a Roma. Algumas são estradas de terra, outras de pedra, outras de mão dupla... Mas pode haver uma superestrada para a Roma! Essa é a meditação transcendental.
ÉPOCA - É difícil entender como uma mente tão pacífica pode criar um trabalho tão perturbador.
Lynch - As histórias têm contrastes: tormentos, beleza, felicidade perfeita, sofrimento, toda uma variedade de condições humanas. Minhas histórias refletem o mundo em que vivemos, um mundo negativo. O artista não tem de sofrer para mostrar sofrimento. Não precisa morrer para filmar uma cena de morte. Ele precisa entender o sofrimento. O entendimento cresce quando você transcende. Expandindo a consciência, é possível pegar idéias em níveis profundos. Eu simplesmente me apaixono por certos tipos de idéia. E pela forma como o cinema pode traduzir essas idéias. É maravilhoso. Outra pessoa pode se apaixonar por idéias diferentes. Há tantas idéias por aí borbulhando.
ÉPOCA - Alguns críticos dizem que seus filmes mostram um lado perverso dos Estados Unidos. Qual o futuro do país?
Lynch - Os Estados Unidos saíram dos trilhos. Mas há um grupo de meditadores que busca a paz e está quase chegando à raiz quadrada de 1% da população. Assista ao que vai acontecer: os Estados Unidos vão voltar a ser um ótimo e pacífico país.
ÉPOCA - Quando o país foi pacífico?
Lynch - Provavelmente nunca (risos). Mas talvez tenha havido um tempo com ênfase nas coisas boas. John Fitzgerald Kennedy (presidente dos EUA entre 1961 e 1963) realmente tentou transformar o país para melhor. As histórias ao longo do tempo têm contrastes.
ÉPOCA - No livro Hollywood is Right, o crítico Mark Cousins escreveu que seus filmes tendem a elogiar o isolacionismo. Sobretudo Veludo Azul e Eraserhead. O que acha?
Lynch - É uma bobagem, isso sim. Esses filmes não falam nada sobre os Estados Unidos. Os filmes não refletem todas as pessoas, ou um país inteiro. Eles estão localizados, e isso é importante. A história é sobre uma situação particular, com aqueles personagens em particular, naquela cidade em particular.
ÉPOCA - Por que se recusa a dar sua interpretação de seus filmes?
Lynch - Não quero estragar a experiência de ninguém. O filme é uma coisa completa. Como na meditação, não se deve adicionar nem retirar nada. Você não sai por aí desenterrando autores mortos e perguntando a eles o que eles quiseram dizer com isso ou aquilo. É preciso descobrir por si próprio. Toda interpretação é válida.
ÉPOCA - Nunca fica incomodado com alguma interpretação?
Lynch - Não. É tão lindo. Todos olhamos para o mesmo mundo, mas cada um tem uma visão diferente dele.
ÉPOCA - O senhor escreveu no livro que não tinha idéia do que eram a caixa e a chave azuis que aparecem em Cidade dos Sonhos (2001).
Lynch - Era uma brincadeira, é claro que eu sei o que são (risos). Acho que cada pessoa, lá no fundo, sabe o que são a caixa e a chave.
ÉPOCA - O senhor já disse que não faz testes com os atores, mas que conversa com eles. Como é possível ver se a atuação de alguém é boa numa conversa?
Lynch - É bem fácil. Olho para os olhos deles, para o rosto. E vejo como aquela pessoa vai ficar no meu personagem.
ÉPOCA - O livro critica a forma como os diretores perdem o controle de seus filmes, na indústria cinematográfica. Acha que é livre para criar?
Lynch - Não critico, fico com pena deles. Enfrentei esse problema em Duna (filme de 1984, fracasso de críticas e de bilheteria). É preciso ser livre para criar.
ÉPOCA - A maior parte dos seus filmes foi financiada por europeus. O senhor se sente distante de Hollywood?
Lynch - Sim, bem distante. Mesmo morando lá. Na França, eles têm a melhor postura. Nunca pensariam que um cineasta não poderia ter controle criativo.
ÉPOCA - E como é ser um estrangeiro em Hollywood?
Lynch - É maravilhoso.
ÉPOCA - É difícil conseguir dinheiro para fazer filmes, atualmente?
Lynch - O cinema está mudando tanto! De certa forma, é mais difícil para cineastas estreantes conseguirem dinheiro. Por outro lado, hoje é preciso menos dinheiro, com as câmeras digitais. Então as coisas acabam se equilibrando. Acho que o destino tem um papel muito importante na carreira das pessoas. Se você tem o bom destino, consegue o dinheiro.
ÉPOCA - Os filmes digitais são o futuro do cinema?
Lynch - Com certeza.
ÉPOCA - E a internet? Os estúdios e cineastas estão preparados para ela?
Lynch - Não estão preparados, mas ela está chegando. Não estou preocupado com isso. O que acontece depois de o filme estar terminado está fora do controle do cineasta. A alegria de fazer um filme e sentir que ele está tomando o rumo certo é uma viagem maravilhosa. É melhor aproveitar essa parte. Com a meditação transcendental, você curte muito mais fazer coisas.
ÉPOCA - Mas nunca se preocupa com a maneira como os filmes chegarão ao público?
Lynch - Não, mas sei que será pela internet. Ela é o novo cinema, a nova televisão, a nova livraria, o novo parque de diversões.
ÉPOCA - Império dos Sonhos (2006) é seu filme mais estranho. As pessoas estão com medo do próximo. O que o senhor está fazendo?
Lynch - (Risos) Não precisam ter medo. Tenho pintado, feito músicas e fotografias. Não tenho uma idéia para o próximo filme. Mas estou trabalhando num documentário sobre a turnê em que falei sobre meditação e paz em 15 países.
ÉPOCA - O senhor se diz apaixonado por mistérios. Que mistério o assombra no momento?
Lynch - O mistério da vida.
ÉPOCA - No livro, o senhor soa às vezes como o detetive Dale Cooper, de Twin Peaks (série de sucesso criada por Lynch e exibida entre 1990 e 1991).
Lynch - Talvez a gente tenha características em comum. Há um mistério e ele é um ótimo detetive que quer descobri-lo. Eu gosto de sua atitude positiva.
ÉPOCA - Tem alguma coisa no mundo que o faça sair dessa serenidade?
Lynch - Estou cheio de serenidade, mas ainda não ao máximo. Se uma pessoa fosse completamente iluminada, nada a poderia desviar da serenidade. Esse é o futuro. É nosso direito de nascença, como seres humanos, ter iluminação.
Revista Época, 08/2008.
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