segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A Filosofia de Jesus


O Espiritismo tem na pessoa de Jesus o ideal e exemplo de desenvolvimento máximo do Espírito. As demais denominações cristãs o têm como Deus-Filho, pessoa da Trindade Divina. Os estudiosos dedicados a uma análise histórico-crítica do Novo Testamento, nem sempre movidos por compromissos de fé, tomam-no por seu papel social, não ignorando, porém, os seus dotes e capacidades singulares. Islâmicos consideram-no um dos mais importantes profetas; budistas e hinduístas diversos já se pronunciaram sobre Ele como um grande iluminado, guru e mesmo um ser divino. Qualquer que seja a perspectiva adotada, seria preciso desconsiderar completamente o relato dos Evangelhos para desprezar ou mesmo reduzir ao plano de pensador comum a figura de Jesus. Faz sentido, portanto, supor que um ser tão universalmente admirado e respeitado pelo seu ensino, a ponto de influenciar sobremaneira a cultura ocidental, com reflexos sobre outras, tenha uma filosofia própria.

Tratar da filosofia de Jesus, no entanto, continua a ser um trabalho extremamente ingrato, porque paradoxalmente este complexo e inesgotável pensador é tido pela maior parte da tradição filosófica como revelador religioso apenas, ao qual não se aplicariam as categorias do discurso filosófico. Ainda que esta conclusão absurda tenha sido contestada por inúmeros nomes ilustres, a concepção vulgar, incluindo a cultura acadêmica, repete os papéis estereotipados atribuídos pelos teólogos mais ortodoxos, sejam os católicos ou protestantes, de Cristo e dos apóstolos em seus papéis dogmáticos.

Estranhamente, o pensador que orienta toda a ética, metafísica e psicologia do Ocidente, especialmente querido pelos racionalistas de todos os tempos, teve a sua profundidade filosófica pervertida pelas disputas clericais iniciadas pouco após a sua morte. E com isso não quero me referir aos pontos em que evidentemente Jesus possui ascendência absoluta sobre o pensamento humano, tais como a questão da imortalidade, da ética, da dignidade humana, da Teologia, do autoconhecimento etc. Prefiro levantar um dos problemas mais graves da Metafísica e da Ontologia, em que suas ideias tão frutíferas continuam a oferecer ilimitados contributos, sem que sejam ainda reconhecidas.

Um daqueles pontos nos quais a razão parece estar em conflito consigo mesma, para reproduzir a feliz expressão de Kant, é o conflito entre livre-arbítrio e determinismo. Questão que deve a sua formatação moderna, senão a sua essência, aos problemas e soluções levantados pelo pensamento de Jesus. Em nenhum outro pensador os dois elementos se achavam tão presentes, tão harmoniosamente unificados, de modo que se qualquer outra influência tivesse sido determinante nesta questão, a filosofia deveria ter pendido para um dos dois. Se estoicos ou epicuristas tivessem prevalecido na orientação da tradição europeia, tenderíamos para o determinismo.

Se o platonismo ou o aristotelismo tivessem prevalecido, seríamos excessivamente confiantes no nosso poder. A síntese de Jesus equilibrou de tal modo esta questão que o conflito passou a ser insolúvel ou marcado pela igualdade complementar das duas forças, correspondendo esta última variante ao que se produziu de mais elevado na Filosofia e Teologia humanas.

A defesa que Jesus faz do livre-arbítrio transcende todas as categorias segundo as quais se havia julgado o poder do homem, elevando-o às alturas da divindade, fazendo dele até então visto como animal ou, na melhor das hipóteses, cidadão, o herdeiro do Deus único e absoluto. É tão grande a liberdade, na concepção de Jesus, que a fé do homem pode transportar montanhas, e todas as forças de sua alma estão sob o seu controle.

A fé, aliás, é exaltada sem qualquer restrição, pois “tudo o que for pedido com fé, será obtido”, e o rabi galileu atribuía as curas e milagres à fé dos requerentes, lembrando-lhes que “fora feito segundo a sua fé”. Em nenhum momento Jesus diz aos discípulos que eles são incapazes de repetir os seus feitos por ausência de talento ou habilidade, mas garante-lhes, ao contrário, que nada lhes é impossível e os repreende sempre por não terem a fé suficiente para tal ensejo.

Quanto ao patrimônio íntimo, Jesus inovava colocando todos os sentimentos e pensamentos sob a tutela da consciência. Enquanto a ética lidava até então com atos, Jesus ressalta a liberdade de consciência, estendendo a nossa responsabilidade aos “pecados cometidos em pensamento”. Recomendando a vigilância, estava Ele afirmando a necessidade de regrar as emoções e ideias. Transformando o amor em mandamento, contrariou completamente a ideia de um amor passional ou fruto de inclinação, gosto, tendência, e lançou as bases ainda incompreendidas da reforma emocional. Ao ensinar o amor a Deus e ao próximo, como mandamento maior, assegura-nos de que qualquer pessoa tem o governo de seus sentimentos, sendo responsável pela amargura, aridez ou floração interior. Pregou a verdade que liberta e afirmou que os homens andavam até então como escravos de seus pecados, estando libertos a partir daquele momento pela revelação de que o Espírito é senhor de seu destino, a par de todos os hábitos, costumes, instintos, atavismos e compromissos sociais.

Ao mesmo tempo e sem diminuir em nada esta prerrogativa de liberdade, Jesus apresentou uma visão da Providência tão absoluta, onipotente e imanente a todos os fenômenos da Criação que mesmo os judeus se espantavam com a sua convicção de que todas as coisas são determinadas por Deus. Recomendou a resignação incondicional às agruras da vida e às provações enviadas pela divindade. Apontou Deus como o Pai e Senhor da vida, em cujas mãos devemos nos depositar com desassombro, sem preocuparmo-nos com o dia de amanhã. Reuniu no sublime Sermão da Montanha as condições da iluminação com destaque para a entrega, abnegação e confiança na direção que Deus oferece ao mundo, dando a entender que o futuro está em suas mãos. Orou sempre a Deus para que tudo transcorresse conforme a sua vontade. Baseou a própria grandeza na destruição da vontade pessoal e na submissão à vontade do Pai, apresentando-se assim como revelação máxima de Deus, na exata medida em que não reconhecia ser nada fora dele.

Essa doutrina de implicações oceânicas gera, há dois mil anos, um estarrecimento da razão. Os que a aceitaram de modo humilde encontraram nela a serenidade e a consolação do determinismo divino e a responsabilidade e grandeza da liberdade individual. Os muitos que tentaram entendê-la reduziram-na às próprias limitações e enfatizaram os polos correspondentes às suas preferências.

Santo Agostinho concentrou-se na ideia de Deus, depositando nele, causa de tudo, a decisão sobre a salvação humana, e deixando ao livre-arbítrio apenas a decisão entre aceitar ou não a eleição. Pelágio, enfocando a divindade e responsabilidade do indivíduo, colocou nas mãos do homem a salvação ou queda, confrontando a ideia de Agostinho sobre a eleição pela graça de Deus e estabelecendo a necessidade de obras para a elevação do Espírito. Graças ao poder político do bispo de Hipona, Pelágio foi fortemente perseguido e julgado como herege, pesando sobre os ombros do santo africano a responsabilidade pelo desequilíbrio filosófico e doutrinário do Cristianismo.

Lutero e Erasmo, o reformista protestante e o católico, respectivamente, repetiram a mesma disputa mais de mil anos depois, dando sinais de que a Humanidade pouco evoluiu na interpretação da filosofia de Jesus. Enquanto Lutero condenou o livre-arbítrio em seu livro De servo arbítrio (Sobre o arbítrio escravo), Erasmo o exaltou em seu livro-resposta De libero arbítrio (Sobre o livre-arbítrio). Lutero acreditava que a única coisa em poder do homem é a sua entrega à fé. Se o fizesse, o homem converter-se-ia por força do poder de Cristo, e a fé revelada o transformaria. As boas obras seriam mera consequência dessa conversão. Erasmo, racionalista e liberal, rebatia que havia muitas interpretações conflitantes sobre as Escrituras, e que era impossível distinguir com certeza a fé correta da equivocada, a aparente da sincera, e que por isso a razão deveria fiscalizar a fé, e o homem deveria manter o seu livre-arbítrio e juízo crítico, embora aceitando a orientação das Escrituras. Erasmo também enxergava passagens em que Jesus sugere o livre-arbítrio, e por isso concluía que, na dúvida, o homem deveria agir como se a salvação dependesse de suas obras, esforçando-se por si mesmo como se não estivesse salvo, ao invés de entregar-se à ideia dogmática de estar garantido pela fé.

Ainda outras vezes a história da Teologia e da Filosofia polarizou-se numa dicotomia do pensamento de Jesus, em detrimento da completude magnífica que a sua síntese harmônica oferecia. Mas conquanto essas diástoles do pensamento tenham provocado contendas, foi também importante para o exercício do raciocínio que essas divisões didáticas e simplificadoras da dialética cristã ocorressem. Se ao menos conseguirmos aprender com este processo de evolução histórica, poderemos evitar a continuidade dessa cisão, e reconstituir a metafísica de Jesus em sua potência integradora original, onde livre-arbítrio e Providência implicam-se mutuamente, ao invés de se contradizerem.

Humberto Schubert Coelho

sábado, 17 de outubro de 2015

Conduta e Enfermidade


Que nosso viver é uma consequência do que pensamos, dizemos e fazemos, não poderá padecer dúvida alguma, tal a profundidade da lógica que essa afirmação concentra em si mesma. O pensamento é poderosa força que escapa aos meios de percepção normais como aos recursos de avaliação da Ciência terrena; entretanto, para os que se dedicam ao estudo sério, não somente das forças psíquicas, como da alma em geral, esse poder é notório e concentra em si as razões de muitos efeitos aparentemente atribuídos a causas puramente físicas, quando em realidade têm nele a sua origem.

Cada criatura possui um estado vibratório que lhe é peculiar, definido por uma frequência representada pelo somatório de todas as vibrações particulares, cada qual resultante de um de seus atributos: quer sejam eles virtudes ou defeitos. Será óbvio concluir que se atribuirmos às virtudes valor positivo na economia do ser, resultará para os defeitos o valor negativo.

Vivemos permanentemente imersos num campo vibratório global, resultante dos pensamentos de todas as criaturas existentes, encarnadas ou desencarnadas. Ele é o universo mental que nos envolve e de cuja influência não nos poderemos eximir, malgrado nosso. Emitimos continuamente energias mentais e, por nossa vez, as recebemos dos semelhantes. Evidentemente, a força potencial de cada energia mental emitida dependerá de uma série muito vasta de fatores, que restringem ou ampliam seu poder ativo.

Quando Jesus afirmou “sois deuses” (João, 10:34) referia-se ao poder criador do pensamento de que a grande maioria dos homens sequer suspeita e, muito menos, sabe aplicar conscientemente. Com ele poderemos atrair o bem e o mal, a ventura ou o infortúnio, a enfermidade ou a saúde, criando forças de atração ou repulsão que nos atingirão a estrutura sensível do perispírito, que comanda as atividades do corpo físico, segundo a vontade do Espírito, sede do pensamento e senhor de todo o conjunto.

Segundo nos informam Emmanuel e André Luiz por meio da farta literatura, trazida à luz pela insuspeita mediunidade do nosso querido Chico Xavier, as enfermidades vêm de dentro para fora; do espírito para a matéria. Quem enferma é o Espírito. O corpo material apenas exterioriza seu estado de desequilíbrio. No processo das expiações como a paraplegia, o mongolismo, a cegueira e outras mais, é o Espírito quem traz os ascendentes necessários ao resgate, cuja origem reside, inevitavelmente, no mau uso feito da liberdade outorgada pela Divina Sabedoria, quando a criatura aplicou, em desacordo com o respeito devido aos direitos alheios, suas energias mentais, criando com isso o determinismo indispensável da reparação. Então, ele próprio causou a mutilação com que se apresentará seu corpo físico, conhecendo, desse modo, todo o sofrimento causado à sua vítima.

É curioso notar que, quando se espalha uma epidemia, enquanto uns são atingidos por sua ação danosa, outros se conservam ilesos. Devemos compreender que nosso estado vibratório poderá sintonizar-se ou não com determinada frequência. Quando a sintonia se estabelece, atraímos para nós a energia congênere, mas se não há sintonia, a energia é repelida. São infinitamente variáveis os estados mentais com que atraímos enfermidades; desde o desequilíbrio da intemperança, até a invigilância com relação às chagas morais com que levamos infortúnios e aflições aos semelhantes, as quais invariavelmente têm origem no nosso pensamento, pois o ódio, a intolerância, a vingança, a desonestidade, a crítica, o despeito, a inveja e outros males dessa mesma ordem, produzem energias altamente venenosas que são absorvidas por nossa natureza espiritual, transformando-se em enfermidade. Foi o divino Mestre quem nos ofereceu a medicação preventiva para nos precatarmos de tais efeitos enfermiços, sentenciando:

“E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira fazei-lhes vós também”. (Lucas, 6:31.)


Mauro Paiva Fonseca

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Reflexões sobre o Amor


O amor seria um atributo do ser espiritualizado?

Não exclusivamente.

O amor existe em todos os seres, porém se expressa de forma primitiva nas almas simples e ignorantes e, gradativamente, se manifesta de maneira mais elevada à medida que o ser evolui.

Então, não seria inadequada a designação “amor” nas expressões mais primitivas deste sentimento?

O único amor pleno e perfeito é aquele emanado de Deus, ou seja, o amor divino. Todas as suas manifestações no Espírito, mesmo nos mais evoluídos, embora nos pareçam sublimes, pela nossa limitada percepção, são expressões que jamais se igualarão ao sentimento que irradia da Divindade.

Há quem ame um ente querido de forma dominadora e egoística, que mais parece uma antítese do amor. Poder-se-ia dizer que não existe amor nesta ligação?

O egoísmo é o amor centrado em si próprio. É a maneira rudimentar e psiquicamente infantil com que essa pessoa exterioriza o amor. À proporção que galgar novos degraus na escada do progresso espiritual, o que poderá levar séculos, ela passará a manifestar o amor de forma mais equilibrada.

O amor seria uma peculiaridade exclusiva dos Espíritos como seres humanizados?

Deus é Amor, e, sendo onipresente, este atributo divino está dentro de cada um dos seres do universo. Há, portanto, amor em todos os seres, sejam átomos, minerais, vegetais, animais ou humanos.

Como se pode conceber amor em corpos simples como minerais, por exemplo?

Através das atrações magnéticas profundas, forças que mantêm as partículas unidas.

Como perceber o amor sincero?

Para cada ser, de acordo com sua evolução, há uma verdade relativa. Só se pode dar o que se tem. Seria, também, um amor sincero aquele expresso conforme a limitação do ser; um amor primitivo em seres espiritualmente simples e ignorantes, e pleno de luz em seres angelicais.

Como compreender o amor na dinâmica das energias?

Um sentimento de amor se caracteriza por ondas de alta frequência, uma vibração de ondas curtas, de aspecto luminoso, brilhante e, não raro, uma emanação perfumada.

Como se processa, no mundo espiritual, o amor?

Depende do estágio evolutivo da esfera espiritual. Somos Espíritos, e ao retornarmos, por algum tempo, ao mundo extrafísico, ainda expressaremos os sentimentos e emoções como no mundo físico. O horizonte, no entanto, é sempre de utilização progressiva.

Poder-se-ia dizer que o amor, sendo um sentimento que se expressa conforme o nível de cada ser, se apresentaria como algo nocivo?

Existem as patologias diversas de um amor enfermo, por exemplo: o egoísmo, que se traduz como amor ao próprio “eu”, é a doença básica do amor, da qual se derivam outras patologias; a calúnia é a loucura nefasta do amor e a ambição, um amor em destempero e desvairado.

Como inserir a fraternidade e a autodoação como formas de manifestação do amor?

A fraternidade é uma exteriorização do amor, que se espraia além dos mais próximos, expandindo-se a círculos mais amplos.

Autodoação é a manifestação de amor daquele que já encontrou Deus dentro de si. Aquele que doa a si próprio, oferecendo seus valores, conhecimentos e afeto ao próximo, fazendo-o com naturalidade e felicidade, é um ser que exerce a autodoação.

Como definir o amor verdadeiro e puro?

O amor é a força que preside a ordem do universo, a energia que une tudo a todos, o ideal que liberta e eleva o ser, o impulso nobre pelo progresso e engrandecimento da humanidade.


Ricardo Di Bernardi

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Ser Espírita


A advertência do Mestre, também registrada por Marcos (13:13) e Lucas (21:19), para aqueles que tentam conservar a ligação com a paz divina, mesmo em meio a todas as perturbações humanas, esquecendo o mal para construir o bem, louvou a persistência, demonstrando que seria árdua a tarefa dos que procuram se enobrecer no caminho espiritual. O esforço que nos cabe na obra de aperfeiçoamento individual é imenso e é preciso cultivar a verdadeira tenacidade para que não venhamos a cometer nenhum ato que possa prejudicar a própria transformação. Allan Kardec, ao falar dos adeptos do Espiritismo, afirma:

[...] O verdadeiro espírita jamais deixará de fazer o bem. Lenir corações aflitos; consolar, acalmar desesperos, operar reformas morais, essa a sua missão. É nisso também que encontrará satisfação real. O Espiritismo anda no ar; difunde-se pela força mesma das coisas, porque torna felizes os que o professam. [...]1

No entanto, de que vale admitir a existência dos Espíritos, se a crença que possuímos não nos torna melhores, mais piedosos e indulgentes para com os nossos semelhantes, mais humildes e pacientes nas adversidades? Os que apenas divulgam a Doutrina, sem mostrar a própria exemplificação, arcam com profundas responsabilidades por permanecerem indiferentes à compreensão dos elevados versículos cristãos que a fundamentam, sem encontrar Jesus no santuário interior. Emmanuel, ao avaliar as condições dos espíritas, declara que Kardec, com muita propriedade, afirmou que os Espíritos superiores se ligam, principalmente, aos que procuram instruir-se:

E quem busca instruir-se escolhe o caminho do esforço máximo.
Todo educandário é instituto de disciplina.
Entretanto, aqui e ali, aparecem alunos viciados em recreio e preguiça, suborno e cola.
Estes, contudo, podem obter as mais brilhantes situações no jogo das aparências, mas nunca o respeito e a confiança dos professores dignos do título que conquistaram.
Na Doutrina Espírita, escola maternal de nossas almas, [...] surgem aprendizes de todas as condições.2

Muitos adeptos que mantêm certos cuidados no estudo dos princípios da Doutrina Espírita não lhes apreendem o alcance moral, ou, se os assimilam, não os aplicam a si mesmos. Essa dificuldade é destacada por Kardec em O evangelho segundo o espiritismo, capítulo XVII, ao concluir que não poderia ser falta de clareza dos ensinos promovidos pelos Espíritos superiores, pois seus princípios não contêm “alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas interpretações”.3 Da mesma forma, esclarece que não é necessária uma inteligência notável para compreender os aspectos teóricos do Espiritismo e sua consequente prática, que pode ser entendido por inteligências comuns, em seus mais delicados matizes.

Seriam os laços da matéria, que nos prendem em demasia às coisas da Terra, os responsáveis por não conseguirmos ter uma visão mais clara das necessidades espirituais, sem romper facilmente com certos hábitos e pendores prejudiciais? Afirma Kardec, sobre os que assim agem:

[...] Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz, insuficiente a guiá-los e a lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações. [...]3

É imprescindível, pois, conquistar a nossa reforma íntima, combatendo o domínio das más inclinações que porventura ainda nos dirijam os passos, sobretudo no trato para com aqueles que nos cercam, testemunhas a nos observar os ganhos e as perdas que venhamos a conquistar, não recuando ante a obrigação de nos melhorarmos moralmente.

A saudosa médium Yvonne A. Pereira, em uma de suas obras, convida-nos a refletir sobre a importância dos estudos doutrinários para maior compreensão dos problemas a serem enfrentados por aqueles que elegeram a Doutrina Espírita e o Evangelho, como condutores fulgurantes a nortear suas vidas:

[...] O estudo eficiente do Espiritismo esclarece de tal forma os aspectos gerais da vida, como a situação dos espíritas, que, a ele nos dedicando devidamente, não mais surpresas nem vacilações nos chocarão em qualquer setor. Seremos então espíritas preparados para os entrechoques das múltiplas facetas da existência... e saberemos que o Espiritismo e o próprio Evangelho exigem que, para servi-los, sejamos realmente fortes, capazes de enfrentar quaisquer situações difíceis, seja no ardor das próprias provações, nas lutas do trabalho em geral ou diante das fraquezas e imperfeições dos irmãos em crença.4

A autora destaca ainda em sua análise que, na prática do Evangelho, “deveremos, acima de tudo, ser vigorosos de ânimo, corajosos a toda prova”,4 e qualifica os primeiros cristãos de “espíritos fortes por excelência, idealistas audazes, práticos e não místicos”,4 porque a tarefa a realizar, no caminho a seguir com Jesus, é grandiosa demais!

Guardando as devidas proporções, é fácil estabelecermos relações existentes entre os discípulos da primeira hora e nós, trabalhadores de boa vontade, mas da última hora. Fomos convocados ao trabalho de amor pelo Mestre e por seus prepostos. Entre eles, o Espírito Erasto, anjo da guarda do médium, a conclamar que deveremos nos tornar verdadeiros adeptos do Espiritismo, conforme tenhamos cumprido as nossas tarefas e suportado com perseverança as provas terrestres:

Ide, pois, e levai a palavra divina: aos grandes que a desprezarão, aos eruditos que exigirão provas, aos pequenos e simples que a aceitarão; porque, principalmente entre os mártires do trabalho, desta provação terrena, encontrareis fervor e fé. [...] Arme-se a vossa falange de decisão e coragem! Mãos à obra! o arado está pronto; a terra espera; arai!5

Os grandes missionários do Espiritismo persistiram na bravura valorosa pelo modo como enfrentaram os sofrimentos e as injustiças de que foram alvos na sua última encarnação. Geralmente, sacrificavam a si mesmos, amparando com sinceridade aqueles que os magoavam. Esqueciam o mal para construir o bem, cooperando espiritualmente na utilização da ação benfazeja e da oração salutar em benefício dos que os perseguiam e caluniavam. Esqueciam os próprios interesses para servirem em favor de todos. Conservavam a fé na divina Providência, aguardando dos desígnios do Alto a solução para os difíceis problemas que os atingiam. Na realidade, bendiziam as expiações e as provas, que se tornavam recursos de aperfeiçoamento, no melhor aproveitamento das experiências terrenas.

Eméritos espíritas, seareiros incansáveis, souberam compreender, antes de tudo, o sentido imenso da sagrada oportunidade que receberam. Quem eram eles? Não importa. Tornaram-se espíritas conscientes ao desenvolverem inauditos esforços para conquistar o verdadeiro amor junto aos semelhantes, lutando, continuamente, para aplacar as suas próprias fraquezas morais. Gostaríamos de seguir os seus passos, de copiar os seus exemplos, tomando Jesus como o tipo mais perfeito a nos servir de guia e modelo.6

Perseverar, pois, deve ser a meta dos espíritas sinceros. A felicidade que experimentarão, vendo a Doutrina se propagar, os fará deixar de lado as questões de somenos importância, para só se ocuparem com as essenciais. Conforme as palavras de Erasto, há muito por fazer no campo a ser semeado em prol das populações atentas que aguardam mensagens de consolação, fraternidade, esperança e paz:

[...] Ó verdadeiros adeptos do Espiritismo!... sois os escolhidos de Deus! [...] Convosco estão os Espíritos elevados. Certamente falareis a criaturas que não quererão escutar a voz de Deus, porque essa voz as exorta incessantemente à abnegação. [...] Faz-se mister regueis com os vossos suores o terreno onde tendes de semear, porquanto ele não frutificará e não produzirá senão sob os reiterados golpes da enxada e da charrua evangélicas. Ide e pregai!7


Clara Lila Gonzalez de Araújo


Referências:

1 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 80. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. pt. 1, cap. 3, it. 30.
2 XAVIER, Francisco C. Seara dos médiuns. Pelo Espírito Emmanuel. 20. ed. 2. reimp. Brasília: FEB, 2013. cap. 37, Dever espírita.
3 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 17, Os bons espíritas, it. 4.
4 PEREIRA, Yvonne A. À luz do consolador. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. cap. A grande doutrina dos fortes, p. 42 e 43, respectivamente.
5 KARDEC. Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 20, Missão dos espíritas, it. 4.
6 ______. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 92. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. q. 625.
7 ______. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 20, Missão dos espíritas, it. 4.

domingo, 11 de outubro de 2015

O Esde na edificação de um Mundo melhor


De que vale ao homem uma crença cega e dogmática, diante das novas e cada vez mais surpreendentes revoluções tecnológicas e científicas, que impelem os cientistas, filósofos e religiosos à constante necessidade de revisão de seus paradigmas? De que vale uma esperança vaga ou fundada em preceitos equivocados com relação ao futuro do Espírito, nessa hora extrema em que transitamos inexoravelmente para outra realidade – a de um mundo em regeneração – que mal começa a ser vislumbrada por alguns, mas que permanece incompreendida ou desconsiderada pela maioria, ávida de novidades, mas tardia em mover-se no sentido do progresso espiritual?

O estudo e a assimilação do manancial de conhecimentos legado pela Doutrina Espírita à Humanidade é, indubitavelmente, um instrumento extraordinário para a edificação de um mundo melhor, porque, além de permitir a filtragem e a releitura da realidade ostensiva até então conhecida, oferece elementos preciosos para a reconstrução do novo homem, a partir do conhecimento de sua origem, de seu destino e de sua missão na Terra.

Diversos são os canais e os meios de acesso ao conhecimento espírita. Porém, qual deles nos permite absorver esse conhecimento, de forma segura, continuada e com oportunidade de intercâmbio de ideias e experiências, senão em grupos de estudos oferecidos pelo Centro Espírita, célula básica do Movimento Espírita?

Com efeito, o Centro Espírita, que tem por missão acolher, consolar, esclarecer e orientar as criaturas, à luz do Espiritismo e do Evangelho de Jesus, encontra, nos grupos de estudos e especialmente no Esde, uma notável ferramenta de auxílio ao cumprimento de sua vocação, visto que tais núcleos de estudos, por meio de recursos apropriados, facilitam a vivência do aprendizado do Espiritismo, preparando a pessoa para sua integração, de maneira extensiva, no núcleo social em que se insere, de forma espontânea, consciente e produtiva.

Com ampla visão do futuro, Kardec já alertava sobre a necessidade da criação de semelhantes espaços de aprendizagem, nos moldes de um “curso regular de Espiritismo”,1 com metodologia apropriada, visando a realizar um estudo sério e continuado da Doutrina Espírita, judiciosamente por ele chamada de “a Ciência do Infinito”,2 cujos ensinos – naturais antídotos do materialismo – não se improvisam e não se adquirem em apenas algumas horas, sem método e sem perseverança.

O Codificador designa a Ciência Espírita como o “elemento de progresso, porque estimula o Espírito”,3 considerando que [...] somente ela pode dar ao homem coragem nas suas provas, porque lhe fornece a razão de ser dessas provas, perseverança na luta contra o mal, porque lhe assina um objetivo [...].3 Eis a razão pela qual é tão importante “formar essa crença no espírito das massas”.3 Em vista disso, a implantação de um curso revestido de tais características exercerá “capital influência sobre o futuro do Espiritismo e sobre suas consequências”.1

Complementando essa orientação, o Codificador enfatiza que não basta cuidarmos somente do nosso adiantamento individual. Necessário se faz, também, levarmos às criaturas, sedentas de esclarecimentos e consolações, a eficiente divulgação da mensagem espírita, oferecendo-lhes o lenitivo dos seus postulados. Sob esse aspecto, cabe aos que se encontram na dianteira a condução dos retardatários ao mesmo desiderato, oferecendo-lhes possibilidades de estudar e aprofundar o conhecimento dos princípios espíritas, enraizados na revelação da Boa Nova.

Mas, como o progresso intelectual pode fomentar o progresso moral? A esse respeito, os Espíritos esclarecem:

Fazendo que se compreenda o bem e o mal; o homem, então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.4

Desse modo, a Instituição Espírita pode oferecer aos que a buscam, por meio de diferentes reuniões de estudo e, em particular, pelos grupos do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita (Esde), o acolhimento e envolvimento fraternos, o esclarecimento sobre o que somos, o porquê dos sofrimentos, o destino que nos aguarda e o consolo pela convicção de que somos todos irmãos, de que a vida continua e que todos estamos destinados à felicidade. Além disso, precisa apoiar essas pessoas em seu processo de autoconhecimento, de reforma interior, ensejando-lhes o desenvolvimento de seus potenciais positivos, de condições para atuar de maneira consciente, segura e amorosa na sociedade à qual pertencem. Para isso, é necessário atuar em conformidade com os princípios doutrinários, com simplicidade e humildade, sem elitismos de academia.

O estudo disciplinado e perseverante é solo seguro para edificar o progresso. É a base sólida, sem a qual nenhuma convicção se sustenta. Mas, apenas estudar não é suficiente, é preciso o contato com o outro, necessária se faz a vivência diária dos ensinamentos cristãos para evoluir. De que adiantaria o conhecimento sem o amor, que é construído no dia a dia, com a prática da tolerância, da aceitação do outro, da compreensão dos problemas de cada um e que transforma o ser?

Ao utilizar como técnica principal a interação dentro do grupo, o Esde propicia a convivência, o intercâmbio de ideias, a troca de experiências e o aprimoramento dos relacionamentos interpessoais, à feição de verdadeiro laboratório da prática do Espiritismo, ao mesmo tempo em que oferece o esclarecimento que ampara e consola. Todo aquele que frequenta ou atua como facilitador de um grupo de Esde tem a oportunidade de modificar-se e inspirar mudanças ao seu redor, ainda que vagarosa e gradualmente, mas sempre com segurança e qualidade, sem rituais nem fanatismos, porquanto haure o conhecimento dentro de suas possibilidades intelecto-morais, com ampla liberdade de consciência.

Para o espírita, integrar o Centro Espírita e o grupo social do qual faz parte é tarefa atual e urgente. O programa do Esde, adequado às particularidades e necessidades da coletividade onde está inserido, desenvolve o conhecimento, modifica os envolvidos, auxilia a integração e, consequentemente, impulsiona a evolução da sociedade.

Conhecer e conhecer-se, esclarecer e esclarecer-se é o grande propósito, enquanto caminhamos da vida finita rumo ao infinito. Somos hoje melhores do que fomos ontem e seremos melhores do que somos agora. O espírita, esclarecido pelo estudo sério a que se dedica, torna-se mais apto a compreender e a enfrentar as demandas do cotidiano. Pelo exemplo do trabalho no bem, da atitude serena e fraterna, do pensamento amoroso, do sentimento de humildade, externados por aqueles que estudam e compreendem a Doutrina Espírita – sem olvidar o seu cará- ter universalista, racional, fraterno e perene – será possível atuar na sociedade e fazê-la progredir.

A propósito, a mensagem do venerando Bezerra de Menezes permanece atual como nunca:

A Codificação Espírita é o alfabeto da Nova Era sobre o qual se erguerá o Templo da Paz, quando a mensagem da Terceira Revelação atingir todas as criaturas do Orbe, realizando o fanal da imensa revolução social que modificará as estruturas da Terra.5

Com esta afirmação, temos o roteiro seguro que indica o caminho para a necessidade e a importância do estudo das obras básicas do Espiritismo, das mais diferentes formas, seja nas palestras públicas, em reuniões específicas para examinar cada um dos livros, seja pela sistematização oferecida pelo Esde, a fim de seguirmos uma mesma direção, sem desvios e sem demora.

Por tudo que se viu, a Campanha do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita é um programa permanente sob a inspiração do Cristo, “de suma importância para a felicidade futura de cada um de nós”,6 cujo êxito auxiliará na edificação de um mundo melhor, pois tem como objetivo final a transformação efetiva do homem e do meio. Por isso, nunca foi tão importante conclamar os dirigentes dos centros espíritas de todo o país a apoiar a implantação e o aprimoramento constante do Esde, incentivando os participantes, facilitadores, coordenadores, enfim, todos os envolvidos no processo, a atender ao chamado amoroso do Mestre, que recomenda: “Ide por todo o mundo e pregai a toda criatura”. (Marcos, 16:15.)


Fonte: O Reformador. ano 131. março 2013

Referências:

1 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 40. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Projeto-1868, it. Ensino espírita, p. 376.
2 ______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Introdução, it. 13.
3 ______. Obras póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 40. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Credo espírita, Preâmbulo, p. 425.
4 ______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. q. 780a.
5 REFORMADOR. Ano 109, n. 1.945, p. 23(115), abr. 1991.
6 TORCHI, Christiano. Espiritismo passo a passo com Kardec. 3. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. cap. 6, p. 282

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Lei de Reprodução


Ao tratar das Leis Morais, em O Livro dos Espíritos, Kardec inicia o estudo da Lei da Reprodução (questões 686 a 694), indagando dos Espíritos superiores sobre a “População do globo”, “Sucessão e aperfeiçoamento das raças” e “Obstáculos à reprodução”.

A reprodução é uma Lei Natural imprescindível. Destinando-se à perpetuação das espécies, sem ela o mundo corporal não se sustentaria. Se do ponto de vista biológico, o objetivo da reprodução é a procriação de novos indivíduos, do ponto de vista espiritual, a reprodução é a Lei Moral que viabiliza a reencarnação dos seres, para que estes progridam. Por isso, em regra, a encarnação é uma condição “inerente à inferioridade do Espírito”. A reprodução aplica-se apenas aos seres encarnados, porque “os Espíritos [princípio inteligente] não têm sexo [e] não se reproduzem”. A esse respeito, nunca é demais recordar as lições inesquecíveis do Codificador, Allan Kardec (1804-1869), inspiradas nos ensinos dos Espíritos superiores:

A verdadeira vida, tanto do animal como do homem, não está no invólucro corporal, do mesmo modo que não está no vestuário. Está no princípio inteligente que preexiste e sobrevive ao corpo. Esse princípio necessita do corpo, para se desenvolver pelo trabalho que lhe cumpre realizar sobre a matéria bruta. O corpo se consome nesse trabalho, mas o Espírito não se gasta; ao contrário, sai dele cada vez mais forte, mais lúcido e mais apto. [...]

O fluxo migratório entre os dois mundos – o espiritual e o físico – é constante. Diariamente, ocorrem a desencarnação e a reencarnação de milhares de criaturas. A questão demográfica tem sido colocada na pauta de muitas organizações internacionais, pois existe a preocupação, que é antiga, de que o excesso de população da Terra poderia trazer um colapso ecológico-social, em virtude da saturação do meio ambiente. Entretanto, Deus, em sua suprema sabedoria, nunca desguarneceu a Humanidade dos recursos necessários para vencer os seus desafios.

Thomas Malthus, economista britânico (1766-1834), baseando- -se em cálculos matemáticos, previu um futuro aterrador para a Humanidade, pois, segundo seus ensaios, publicados em 1798, dentro dos 100 anos seguintes (até 1898, portanto), se exauririam os recursos de subsistência aos habitantes do Planeta, visto que a população estaria aumentando numa proporção muito maior do que a produção dos alimentos.

Felizmente, por uma série de fatores, entre os quais as inovações tecnológicas aplicadas na produção agrícola e industrial, não se consumou a catástrofe prevista, pelo menos dentro do período anunciado pelo economista, e há motivos para se acreditar que também não ocorrerá no futuro, uma vez que o surgimento e a evolução dos seres vivos obedecem a um Planejamento Superior, como se infere da Providência, que é “a solicitude de Deus para com as suas criaturas”, a qual atua por meio das “leis gerais do Universo”. A propósito, Michael Behe, professor-adjunto de Bioquímica da Universidade de Lehigh, Pensilvânia, EUA, levantou a hipótese da existência de um “Planejamento Inteligente” na evolução dos seres vivos, deduzida a partir da análise de dados científicos, que encontra ressonância no ensino dos Espíritos superiores.

Admitindo, como admitimos, a existência de uma Providência Divina perfeita em seus princípios, parece lógico a nós outros que o desenvolvimento das coisas ocorre dentro desse Plano Diretor Maior, traçado com antecedência de bilhões de anos, que escapam às nossas acanhadas noções de tempo, em que estão previstas todas as variáveis decorrentes da geração e reprodução dos seres vivos e de sua própria imortalidade, tais como o aumento de população, a produção de alimentos, as guerras, as agressões à Natureza, enfim, todos os fatores oriundos do uso devido ou indevido do livre-arbítrio, tudo conspirando a favor da emancipação do Espírito imortal.

Isso não quer dizer que a Humanidade esteja indene dos erros cometidos, uma vez que a dor é a mestra do aprendizado a infundir responsabilidade por seus atos, com escopo educacional e reeducacional.

As leis divinas são sábias e perfeitas, uma vez que, provendo os Espíritos de faculdades cocriadoras, possuem mecanismos para encaminhar a solução natural desses problemas por meio dos próprios seres inteligentes, sob o crivo da lei de causa e efeito. De fato, as conquistas científicas têm oferecido meios de se controlar, responsavelmente, a natalidade e aumentar a produtividade dos alimentos. Se há miséria e agressões ao meio ambiente, elas se devem mais ao egoísmo humano do que ao crescimento populacional ou à falta de recursos financeiros e tecnológicos.

Os habitantes atuais da Terra não formam uma criação nova, mas, antes, são os mesmos Espíritos, descendentes aperfeiçoados das raças primitivas, que substituíram a força bruta pela utilização do intelecto. Se a população do Globo tem aumentado, é porque a quantidade de habitantes do mundo espiritual é muito superior à de encarnados, e a evolução moral e intelectual dos Espíritos, em obediência ao Planejamento Divino, permite que haja o aumento gradual e tolerável do fluxo de reencarnações. Acresça-se que a jornada evolutiva do Espírito não se dá apenas na Terra, mas também em outros planetas e que há um intercâmbio incessante entre os mundos, de modo que, enquanto uns estão imigrando para o nosso orbe, outros estão emigrando para mundos diferentes, conforme tenham estacionado ou ascendido em seu progresso.

Os Espíritos superiores esclarecem que os avanços científicos não são contrários à Lei Natural, entre eles o aperfeiçoamento das raças animais e dos vegetais, porquanto “tudo se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve para atingir os seus propósitos”, pois, “sendo a perfeição o objetivo para o qual tende a Natureza, favorecer essa perfeição é corresponder aos desígnios de Deus”.

Desde que respeite o semelhante e não abuse do poder que tem sobre os demais seres vivos, é lícito ao homem regular a reprodução de acordo com as necessidades e os princípios éticos, caso em que estará utilizando a inteligência como um contrapeso instituído por Deus para restabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza. Quando entrava a reprodução, desnecessariamente ou com vistas apenas à satisfação da sensualidade, o homem, demonstrando a predominância de sua natureza animal, adia as nobres realizações da alma, acumulando sofrimentos para o futuro.

Enfim, a reprodução desponta como Lei Moral que possibilita a reencarnação do Espírito, o qual utiliza o corpo físico como veículo da própria evolução intelecto-moral. Daí se compreende a razão pela qual os Espíritos superiores ensinaram que estamos todos de passagem e que tanto o nascimento como a morte são apenas estágios de transformação, confirmando a premissa de que “o corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, porque o Espírito já existia antes da formação do corpo”.

À medida que o Espírito progride, este necessita de corpos mais aprimorados para continuar ampliando suas faculdades. É por isso que, tendo como intermediário o perispírito e sofrendo a influência do ser pensante, os corpos vão se tornando, à medida que o tempo passa, mais aptos às novas aquisições do princípio inteligente que, na verdade, é o responsável, pelo aperfeiçoamento das espécies.

Quanto mais cresce em conhecimento, mais o Espírito, encarnado ou desencarnado, se torna responsável pelas suas escolhas, sendo, por isso, o artífice de seu próprio futuro, que acontece dentro das balizas do Planejamento Divino para a felicidade de todos, sem esquecimento dos mínimos detalhes.

Se desejamos alcançar maior qualidade de vida, em todos os aspectos, devemos buscar conhecer mais a nossa própria natureza espiritual, o que nos propiciará melhor compreensão das Leis Morais que nos regem, para que possamos, vivendo de acordo com suas diretrizes, construir um mundo feliz para todos.


Christiano Torchi

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Religiões


"Para mim, as diferentes religiões são lindas flores, provenientes do mesmo jardim. Ou são ramos da mesma árvore majestosa. Portanto, são todas verdadeiras".

A frase que você acabou de ler foi dita por uma das mais importantes personalidades do século vinte: o Mahatma Gandhi.

Veja quanta sabedoria nas palavras do homem que liderou a independência da Índia sem jamais recorrer à violência!

Nos tempos atuais, são raros os que realmente têm uma posição como a de Gandhi, que manifestava um profundo respeito pela opção religiosa dos outros.

Muitas pessoas acreditam que sua religião é superior às demais. Acreditam firmemente que somente elas estão salvas, enquanto todos os demais estão condenados.

Pouquíssimas pensam na essência da mensagem que abraçam, já que estão muito preocupadas em converter almas que consideram perdidas.

E, no entanto, Deus é Pai da Humanidade inteira. Todos nós temos a felicidade de trazer, em nossa consciência, o Sol da Lei Divina. Ninguém está desamparado.

De onde vem, então, essa atitude preconceituosa, exclusivista, que nos afasta de nossos irmãos?

Vem de nosso pensamento limitado e ainda egoísta. Quase sempre o homem acredita que tem razão.

Imagina que suas opiniões, crenças e opções são as melhores. Você já notou que a maior parte das pessoas acha que tem muito a ensinar aos outros?

É que, em geral, as pessoas quase não se dispõem a ouvir o outro: falam sem parar, dão opiniões sobre tudo, impõem sua opinião.

São almas por vezes muito alegres, expansivas, que adoram brincar. Chamam a atenção pela vivacidade, pelos modos espalhafatosos, pelas risadas contagiantes e pelas conversas em voz alta.

Mas são raras as vezes em que param para escutar o que o outro tem a dizer.

São como crianças um tanto egoístas, para quem o Mundo está centrado em si ou na satisfação de seus interesses.

É uma atitude muito semelhante a que temos quando acreditamos que o outro está errado, simplesmente por ser de uma religião diferente. É que não conseguimos parar de pensar em nossas próprias escolhas.

Não estudamos a religião alheia, não nos informamos sobre o que aquela religião ensina, que benefícios traz, quanta consolação espalha.

Se estivéssemos envolvidos pelo sentimento de amor incondicional pelo próximo, seríamos mais complacentes e mais atentos às necessidades do outro.

E então veríamos que, na maioria dos casos, as pessoas estão muito felizes com sua opção religiosa.

A nossa religião é a melhor? Sim, é a melhor. Mas é a melhor para nós.

É óbvio que gostamos de compartilhar o que nos faz bem. Ofertar aos outros a nossa experiência positiva é uma atitude louvável e natural.

Mas esse gesto de generosidade pode se tornar inconveniente quando exageramos.

Uma coisa é ofertar algo com espírito fraternal, visando o bem. Mas diferente quando desejamos impor aos demais a nossa convicção particular.

Se o outro pensa diferente, respeite-o! Ele tem todo o direito de fazer escolhas. Quem de nós lhe conhece a alma? Ou a bagagem espiritual, moral e intelectual que carrega?

Deus nos deu nosso livre arbítrio e o respeita. Por que não imitá-Lo?

Enquanto não soubermos amar profundamente o próximo, respeitando-lhe as escolhas, não teremos a atitude de amor ensinada por todas as religiões e pelos grandes Mestres da Humanidade.


Texto da Redação do Momento Espírita.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Missão do Espiritismo


“Seu fim é o melhoramento moral da Humanidade (...).” 1



O Espiritismo é chave de luz para os ensinamentos do Cristo, porque nos conduz à compreensão e à vivência de Suas lições sublimes.

Ensina-nos a sintonizar a vontade de Deus para nossas vidas.

Liberta nossas consciências, porque nos esclarece, transforma e redime.

Consola-nos, nas tribulações da vida.

Faculta-nos, entre outras cousas:

– Amar a Deus e ao próximo, transformando-nos, a pouco e pouco, moralmente;

– Conquistar equilíbrio emocional, ao disciplinar nossos impulsos e reações – a agir, após reflexões e não a reagir, impulsiva e danosamente;

– Saber que não basta ter uma religião, orar e pedir, sem nada oferecer de nossa parte, mas que devemos vivenciar os ensinamentos do Evangelho;

– Sofrer provas com resignação, por nos dar a conhecer suas causas e, mesmo em meio a essas provas, a agir na construção do bem comum. A realizar, enfim, a transformação moral que nos leve à prática do bem, consciente, deliberadamente;

– Esclarecer-nos quanto ao futuro espiritual, revelando a inexistência de Céu e Inferno, no sentido tradicionalmente considerado;

– Desenvolver a fé no futuro;

– Que não existem ‘demônios’ destinados ao sofrimento ‘eterno’, porque “O Bom Pastor permanece vigilante. Prometeu que das ovelhas que o Pai lhe confiou nenhuma se perderá”. 2

*

Para a Doutrina Espírita, não existe o sobrenatural: tudo é obra de Deus. Aquilo que os homens consideram sobrenatural é apenas desconhecido, eis que:

“(...) ele vem revelar outras leis desconhecidas, as que regem as relações do mundo corpóreo com o mundo espiritual, leis que, tanto quanto aquelas outras da Ciência, são Leis da Natureza”. 3

As mudanças que operam naqueles que buscam conhecê-lo e compreendê-lo sinceramente, levam-nos a valorizar a real missão do Espiritismo, que é a de reviver o Cristianismo primitivo, com a pureza dos ensinos de Jesus, para construir o Reino dos céus na Terra e em nossos corações, eis que o Mestre nos afirma: “(...) o reino de Deus está dentro de vós” – Lc, 17:21.

E para melhor compreender o significado do Cristianismo, tal como nos revelou o Divino Mestre, meditemos nas palavras do nobre mentor Emmanuel4:


“Dificilmente, à distância de séculos, poderá alguém perceber, com exatidão, a sublimidade do Cristianismo primitivo. (...)”

“Os cristãos eram conhecidos pela capacidade de sacrifício pessoal, a bem de todos, pela boa vontade, pela humildade sincera, pela cooperação fraternal e pela diligência que empregavam no aperfeiçoamento de si mesmos. (...)”

“Os serviços de amparo e educação à infância, de conforto aos velhinhos abandonados, de sustentação dos enfermos, de cura dos loucos distribuíam-se em departamentos especiais (...)”

Realizar a transformação moral da criatura humana, para conduzir o homem à prática do bem, é, afinal, a missão essencial do Espiritismo, eis que sugere esforços nesse sentido:

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”. 5

“(...) o Espiritismo é a alavanca de que Deus se utiliza para fazer que a Humanidade avance.” 6

“O Espiritismo vem realizar, na época prevista, as promessas do Cristo.” 7

Destaca, pois, a importância do progresso moral – progresso efetivo, que realmente interessa aos Espíritos imortais que somos todos nós.

A vivência dos ensinos dessa Doutrina de luz acelera, pois, nossa evolução, que passa a ser buscada de forma deliberada, consciente, evitando tropeços e recaídas no mal, eis que, bem compreendidos e aplicados, levam-nos às transformações constantes, rumo à perfeição, e a assumir as rédeas de nosso destino.

Libertam-nos de incontáveis sofrimentos, nas múltiplas encarnações por que todos passaremos. Esses sofrimentos nos advêm da transgressão das Leis Divinas, fruto justamente de nossa ignorância a respeito delas!

“O Espiritismo é, acima de tudo, o processo libertador das consciências, a fim de que a visão do homem alcance horizontes mais altos.” 8


Gebaldo José de Sousa


Referências:

1. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Ed. 1. Brasília: FEB, 2.009. Segunda Parte, Cap. XXVII, it. 303, p. 519.
2. XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1985. cap. 2, p. 20.
3. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2013. Cap. XXI, it. 7, p 268.
4. XAVIER, Francisco C. Ave, Cristo! Pelo Espírito Emmanuel. 20. ed. FEB, p. 73 e 74.
5. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2013. Cap. XVII, it. 4, p 229.
6. _____._____. Cap. I, it. 9, p. 42.
7. _____._____. cap. XXIII, it. 17, p. 289.
8. XAVIER, Francisco C. Roteiro. Pelo Espírito Emmanuel. 4. ed. FEB: Rio de Janeiro, 1978, p. 159.

sábado, 3 de outubro de 2015

O Esforço Próprio



“A pessoa que se habitua a ser invariavelmente servida em todas as situações não sabe agir sozinha em situação alguma.” (Emmanuel, em “Fonte Viva”, item 82, psicografia de Francisco C. Xavier.)


Sem qualquer sombra de dúvida, a nossa felicidade não depende de ninguém, pois que podemos, perfeitamente, encontrar a serenidade que desejamos a partir da paz interior que com esforço adquirimos.

Enquanto a criatura humana depositar seus sonhos de ventura na dependência do que fazem as outras pessoas, por certo, terá imensa dificuldade em viver a plenitude de suas realizações.

Precisamos, com urgência, entender que o progresso, em todos os aspectos, que precisamos fazer, depende única e exclusivamente dos nossos esforços, pois que sendo filhos de Deus, temos todas as oportunidades e condições de crescimento interior, uma vez que os verdadeiros e definitivos valores são aqueles que dizem respeito à eternidade.

Hoje, mais do que em qualquer época da humanidade, sabemos que somos compostos de duas naturezas; a física e a espiritual. Tudo o que se relaciona com a matéria é efêmero, passageiro, momentâneo, pois que ninguém consegue segurar definitivamente a juventude, a saúde, a beleza, a força física; em verdade tudo passa. Já espiritualmente a configuração é outra, pois que as conquistas do Espírito são inalteráveis: a bondade, o amor, a paciência, a tolerância, a solidariedade, o amor e tanto mais.

Assim sendo, para viver bem e em paz não precisamos que os outros vivam da mesma forma. Basta que montemos a nossa existência na plena convicção de que tudo depende do nosso esforço próprio e nada nos abalará os firmes propósitos de serenidade interior.

Importa, sim, que vivamos em consonância com os preceitos cristãos; isso, obviamente, é inadiável e imprescindível. Qualquer outra direção que tomemos, por mais promissora e atraente que seja, mais cedo ou mais tarde se apresentará como ilusão, fantasia e decepção.

Não estamos impedidos de desfrutar o conforto que o mundo físico nos proporciona, desde que fixemos o ideal em conquistar os valores que de forma absoluta incorporarão ao nosso patrimônio espiritual, pois que, fora da matéria, despidos do corpo, continuaremos a viver, carregando conosco os mesmos sonhos de paz e as mesmas buscas pela felicidade definitiva.

Então, deixemos que as pessoas vivam como queiram, sejam elas pais, filhos, irmãos, cônjuges etc. Ajudemos quando possível, caso trilhem por caminhos perniciosos ou confusos, mas sigamos o nosso roteiro, baseados nas lições imorredouras do Cristo, esse Mestre notável que nos colocou às mãos valioso manancial de grandes e belas informações.

Portanto, apontemos nossas forças na correção dos nossos defeitos, concentrando todo o interesse em corrigi-los, substituindo-os por conquistas íntimas que permanecerão sempre conosco.

Aprendamos a servir, a repartir, a renunciar, a silenciar, a trabalhar sempre mais, a ouvir muito, falar menos, a esperar mais um pouco, a não julgar a ninguém, a não criticar, a não querer que as pessoas sejam como queremos ou imaginamos, enfim, a amar mais, muito mais... desinteressadamente.

Quando conseguirmos agir assim, ninguém poderá impedir a nossa felicidade.


Waldenir Aparecido Cuin

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Especial do Mês


Um mês especialmente dedicado a postagens de textos e estudos doutrinários com abordagens de temas variados elaborados sob a ótica de conceituados autores espíritas.
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