quarta-feira, 20 de março de 2024

A prática da caridade como ação desobsessiva

 


 

Por Sheila da Costa Oliveira*

No contexto religioso de modo geral, há conceitos recorrentes, tais como fé (nossa percepção íntima e direta da Divindade, seja qual for o modo pelo qual a entendamos); caridade (nosso relacionamento com os outros); e, no contexto espírita, obsessão/desobsessão também encontram destaque, por conta do conhecimento diferenciado do mundo espiritual e da prática mediúnica. Considerando isso, é possível então abordar a prática da caridade como forma de enfrentar e solucionar a obsessão, tão comum em planetas de expiação e prova?

No livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, vemos a caridade como virtude teologal que conduz ao amor a Deus e ao semelhante; ato pelo qual se beneficia o próximo, especialmente os desprotegidos; irmã da fé e da esperança e um dos elementos da Lei de Justiça, Amor e Caridade, explicada em “O Livro dos Espíritos”.

Já a obsessão é objeto de estudo em dezenas de obras, um dos núcleos mais fortes do trabalho doutrinário e um dos principais motivos de procura das instituições espíritas, por parte de quem vivencia situações desse tipo. A obsessão constitui processo de influenciação negativa de um espírito sobre outro, no qual a vontade do influenciado vai sendo gradativamente minada pelo influenciador, e pode ser graduada em: obsessão simples (o obsessor afeta o comportamento mental, emocional e social do obsidiado, mas de forma leve); fascinação (o obsessor controla mente e pensamento do obsidiado); subjugação ou possessão (o obsidiado perde o controle de mente e corpo, ficando à mercê da força obsessiva).

Motivo de muito sofrimento, a obsessão tem raízes profundas em outras encarnações, nas quais respeito e amor foram esquecidos, criando feridas emocionais profundas que despertam mágoa, ressentimento, ódio e vingança. Para resolver esses traumas, gravados no períspirito, em situações nas quais quem provocou o sofrimento costuma ser a vítima atual, obsidiada, e a vítima anterior habitualmente exerce agora o papel de algoz, a desobsessão precisa ser feita, para propiciar a libertação de mentes e corações, permitindo que os envolvidos no processo sigam em paz seus caminhos.

Então, nesse contexto, como a caridade, a obsessão e a desobsessão se conectam?

Sendo a caridade uma virtude, a sua prática melhora seus adeptos, pois o bem que se faz é parte indispensável da estrada para a libertação de nossos males.

Exercer a caridade como prática cotidiana, especialmente em seus aspectos mais amplos, morais, espirituais, eleva nossa vibração, torna-nos humildes, empáticos, gratos, respeitosos. Dessa forma, é muito mais difícil cair nas malhas da obsessão e, quando obsidiados, é muito mais fácil sair dela.

No entanto, atentemos com cuidado para algo importante: se a caridade for buscada apenas como meio de se livrar de um obsessor, perde suas características pois o interesse próprio é que a motiva, e assim não renderá os frutos desejados, já que se trata de barganha. Para tornar-se realmente a virtude enaltecida em verso e prosa, precisa de sinceridade, autenticidade, ser parte do nosso indispensável processo de autotransformação.

Na trilogia de Yvonne Pereira – “Nas voragens do pecado”, “O cavaleiro de Numiers” e “O drama da Bretanha” –, há um claro exemplo que nos traz aprendizado. Perseguida por um obsessor secular, por conta de traições sucessivas contra um filho muito amado dessa entidade, a personagem Andrea consegue uma pausa de 3 anos em seus sofrimentos obsessivos, graças ao pedido de seu irmão Vítor, espírito superior ao qual o obsessor nada pôde recusar. Nesse intervalo de tempo, Vítor trabalharia com a irmã, alma comprometida por séculos, fazendo-a ascender espiritualmente, para que pudesse ser liberta da obsessão. No entanto, apesar de todo o esforço fraterno, ela não se interessa pelas atividades edificantes, é avessa à disciplina e cumpre os trabalhos voluntários junto aos necessitados apenas como obrigação. Ao final desse tempo, o obsessor retorna com toda a fúria, pois nada havia mudado na psique de sua vítima.

Outro ponto importante a considerar é o fato de que a prática da caridade não impede a aproximação nem a influência negativa da espiritualidade inferior. Seu papel é o de modificar nosso estado de consciência e, portanto, nosso padrão eletromagnético, tornando-nos menos vulneráveis a esses eventos, que acometem a todos, na categoria de mundo em que nos encontramos, ajudando-nos a ultrapassá-los com menos desgaste.

Dessa forma, caridade sim, e sempre, de todas as formas e em qualquer tempo, para que nossa estrada ascensional seja mais suave e, nossa convivência, mais feliz.

*Educadora, palestrante espírita – Federação Espírita Brasileira - Brasília/DF

 

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