sexta-feira, 27 de março de 2015

As Penas Futuras Segundo o Espiritismo (Parte II)



Código Penal da Vida Futura


Nem todas as faltas acarretam um prejuízo direto e efetivo. Nesses casos, a reparação se realiza fazendo-se o que se deixou de fazer, cumprindo-se os deveres que foram negligenciados ou desprezados, as missões em que se tenha falido, praticando-se o bem reparador do mal que se fez. Isso quer dizer, sendo humilde quando se foi orgulhoso, bondoso quando se foi duro, caridoso quando se foi egoísta, benevolente quando se foi maldoso, trabalhador quando se foi preguiçoso, útil quando se foi inútil, temperante quando se foi dissoluto, bom exemplo quando se foi mau e assim por diante. É dessa maneira que o Espírito progride, tornando proveitoso o seu passado. *(30)

18º) Os Espíritos imperfeitos são afastados dos mundos felizes porque perturbariam a sua harmonia. Permanecem nos mundos inferiores onde expiam as suas faltas pelas tribulações da vida e se libertam das suas imperfeições, até merecerem encarnar-se em mundos moral e fisicamente mais adiantados.

Se podemos conceber um lugar de castigo determinado é precisamente nos mundos de expiação, pois é ao redor desses mundos que pululam os Espíritos imperfeitos desencarnados, esperando uma nova existência que, permitindo-lhes a reparação do mal que fizeram, os ajudará a progredir.

19º) Como o Espírito conserva sempre o seu livre-arbítrio, melhora às vezes de maneira lenta e sua obstinação no mal é bastante tenaz. Pode persistir nessa situação durante anos e séculos, mas chega sempre o momento em que a sua teimosia em desafiar a justiça de Deus se abate diante do sofrimento, e então, malgrado a sua fanfarronice, ele reconhece o poder superior que o domina. Desde o momento em que manifesta as primeiras luzes do arrependimento, Deus o faz entrever a esperança.

Nenhum Espírito está na condição de nunca se melhorar. Se assim fosse ele estaria fatalmente destinado a uma eterna situação de inferioridade e escaparia à lei da evolução que rege providencialmente todas as criaturas.

20º) Sejam quais forem a inferioridade e a perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. Todos têm o seu anjo da guarda que vela por eles, vigia as expansões da sua alma e se esforça para despertar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e de reparar numa nova existência o mal que tenham feito. Não obstante, o guia ou protetor age na maioria das vezes de maneira oculta, sem exercer nenhuma pressão. O Espírito deve melhorar-se pela força de sua própria vontade e não por força de qualquer constrangimento. Deve agir bem ou mal em virtude de seu livre-arbítrio, sem ser fatalmente empurrado num sentido ou noutro. Se fizer o mal, sofrerá as suas consequências enquanto permanecer no mau caminho. Desde que dê um passo em direção ao bem sentirá imediatamente os seus resultados.

Observação: Seria errôneo acreditar que, em virtude da lei do progresso, a certeza de chegar cedo ou tarde à perfeição e à felicidade pode ser um encorajamento a permanecer no mal, esperando arrepender-se mais tarde. Primeiro, o Espírito inferior não vê a possibilidade de um fim para a sua situação; segundo, sendo ele o artífice da sua própria desgraça, acaba por compreender que dele depende fazê-la cessar e que quanto mais persistir no mal mais longa será a sua infelicidade, pois o seu sofrimento durará sempre se ele próprio não lhe puser um termo. Esse seria, de sua parte, um cálculo errado, com o qual se enganaria a si mesmo. Se, pelo contrário, segundo o dogma das penas irremissíveis, toda esperança lhe fosse negada, ele não teria nenhum interesse em retornar ao bem, pois isso não lhe daria nenhum proveito.

Perante esta lei cai igualmente a objeção referente à presciência. Deus, ao criar uma alma sabe realmente se em virtude do seu livre-arbítrio ela tomará o bom ou o mau caminho; sabe que ela será punida se praticar o mal; mas sabe também que esse castigo temporário é um meio de a levar a compreender o seu erro e de a fazer entrar no bom caminho, ao qual cedo ou tarde chegará. Segundo a doutrina das penas eternas, Deus sabe que a alma falirá, e assim ela já está previamente condenada às torturas sem fim.

21º) Cada um só é responsável pelas suas próprias faltas. Ninguém sofre penalidades pelas faltas alheias, a menos que para isso tenha dado algum motivo, seja provocando-as pelo seu exemplo, seja deixando de impedi-Ias quando podia fazê-lo.

É assim, por exemplo, que o suicida é sempre punido, mas aquele que, por sua dureza de coração, leva um indivíduo ao desespero e daí ao suicídio, sofre uma pena ainda maior.

22º) Embora a diversidade de punições seja infinita, existem as que são inerentes à inferioridade dos Espíritos e cujas consequências, salvo algumas nuanças, são mais ou menos idênticas.

A punição mais comum, entre os que são sobretudo apegados à vida material e negligenciam o progresso espiritual, consiste na lentidão com que se processa a separação da alma e do corpo, e portanto nas angústias que acompanham a morte e o despertar na outra vida, na duração das perturbações que podem então durar desde meses até anos. Entre os que, pelo contrário, tendo uma consciência pura, identificam-se durante a vida corpórea com a vida espiritual e libertam-se das coisas materiais, a separação é rápida, sem dificuldades, e o despertar aprazível, sendo a perturbação quase inexistente.

23º) Um fenômeno muito frequente entre os Espíritos de um certo grau de inferioridade moral consiste em se acreditarem ainda vivos após a morte, e essa ilusão pode se prolongar durante anos, através dos quais eles experimentam todas as necessidades, todos os tormentos e todas as perplexidades da vida. *(31)

24º) Para o criminoso, a visão incessante de suas vítimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel.

25º) Alguns Espíritos são mergulhados em trevas espessas. Outros são postos num isolamento absoluto, no espaço, atormentados pelo fato de não saberem qual a sua condição e o seu destino. Os maiores culpados sofrem torturas que são tanto mais pungentes quanto ignoram o seu fim. Muitos ficam privados de verem os seus seres queridos. Todos, em geral, passam por sofrimentos cuja intensidade é relativa aos males que praticaram, às dores e necessidades que fizeram os outros sofrer, até que o arrependimento e o desejo de reparação, venham trazer-lhes um abrandamento ao fazê-los entrever a possibilidade de dar, por si mesmos, um fim a essa situação.

26º) É um suplício para o orgulhoso ver acima dele, gloriosos e radiantes de alegria, os que ele havia desprezado na Terra, ao mesmo tempo que ele é relegado aos últimos lugares. Para o hipócrita, ver-se trespassado pela luz que revela os seus mais secretos pensamentos, que todos podem ler, não havendo para ele nenhum meio de se esconder ou se disfarçar. Para o sensual é um suplício passar por todas as tentações, todos os desejos, sem poder satisfazê-los. Para o avarento, ver o seu ouro desperdiçado e não poder retê-lo. Para o egoísta, ser abandonado por todos e sofrer tudo aquilo que os outros sofreram dele: terá sede e ninguém lhe dará de beber; terá fome e ninguém lhe dará de comer; nem uma só mão amiga virá apertar a sua, nenhuma voz compassiva virá consolá-lo, pois ele só pensou em si durante a vida e ninguém agora pensa nele nem o lamenta após a sua morte.

27º) O meio de evitar ou atenuar as consequências de suas faltas na vida futura é desfazer-se o mais possível dos seus defeitos na vida presente, reparar aqui mesmo o mal para não ter de repará-lo mais tarde e de maneira mais terrível. Quanto mais demorarmos a deixar os nossos defeitos, mais as suas consequências se tornarão penosas e mais rigorosas será a reparação que tivermos de fazer.

28º) A situação do Espírito, desde a sua entrada na vida espiritual, é aquela que ele mesmo se preparou durante a sua vida corporal. Mais tarde, outra encarnação lhe é concedida para expiar e reparar a anterior, passando por novas provas. Mas ele a aproveitará em maior ou menor grau, segundo o seu livre-arbítrio. Se não a aproveitar, terá um trabalho a recomeçar, e cada vez em condições mais penosas. Dessa maneira, aquele que muito sofre na Terra pode dizer que tem muito a expiar. Os que gozam de uma felicidade aparente, malgrado os seus vícios e sua inutilidade, pagarão caro numa existência posterior. Foi nesse sentido que Jesus disse: Bem aventurados os aflitos porque serão consolados. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. V.)

29º) A misericórdia de Deus é sem dúvida infinita, mas não é cega. O culpado que ela perdoou não está dispensado de satisfazer a justiça, passando pelas consequências de suas faltas. Por misericórdia infinita é necessário entender que Deus não é inexorável, deixando sempre aberta ao culpado a porta de retorno ao bem.

30º) As penas sendo temporárias e subordinadas ao arrependimento e à reparação, que dependem da livre vontade do homem, acontece o mesmo com os castigos e os remédios que devem ajudar a curar as feridas do mal. Os Espíritos em punição não se encontram na situação dos antigos condenados às galeras, mas como os doentes no hospital. Sofrem a doença que frequentemente decorre de suas próprias faltas e passam por meios dolorosos de cura de que necessitam, mas têm a esperança de ser curados e se curam tanto mais rapidamente, quanto observarem com exatidão as prescrições do médico que solicitamente vela por eles. Se eles prolongam os sofrimentos por sua própria culpa, o médico nada tem com isso. 

31º) As penas que o Espírito sofre na vida espiritual juntam-se às da vida corporal, que são a consequência das imperfeições do homem, de suas paixões, do mau emprego de suas faculdades, e a expiação de suas faltas presentes e passadas. É na vida corporal que o Espírito repara o mal de suas existências anteriores, que põe em prática as resoluções tomadas na vida espiritual. É assim que se explicam as misérias e as dificuldades que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser, mas na verdade são justas desde que foram determinadas no passado e servem para o nosso adiantamento.* (32)

32º) Deus, pergunta-se, não demonstraria maior amor por suas criaturas se as criasse infalíveis e portanto isentas das vicissitudes decorrentes da imperfeição? Seria necessário, para isso, que ele criasse seres perfeitos, nada tendo a conquistar, nem em conhecimentos e nem em moralidade. Não há dúvida que o podia fazer, mas se não o fez é porque, na sua sabedoria quis que o progresso fosse uma lei geral. Os homens são imperfeitos e, como tal, sujeitos às vicissitudes mais ou menos penosas. Esse é um fato que temos de aceitar, desde que existe. Mas inferir disso que Deus não é bom nem justo seria uma rebeldia.

Haveria injustiça se ele tivesse criado seres privilegiados, mais favorecidos que os outros, gozando sem esforço da felicidade que os outros só atingem penosamente ou jamais poderiam atingir. A justiça de Deus brilha precisamente na igualdade absoluta que rege a criação de todos os Espíritos. Todos têm o mesmo ponto de partida; não há nenhum que seja, na sua formação, mais bem dotado que os outros; nenhum cuja marcha ascensional seja facilitada por exceção; os que chegam ao alvo passaram, como os outros, pela fieira das provas e da inferioridade.

Admitindo-se isso, o que haveria de mais justo do que essa liberdade de ação dada a cada um? A via da felicidade está aberta a todos, o objetivo de todos é o mesmo, as condições para atingi-lo são as mesmas para todos e a lei gravada em todas as consciências foi ensinada a todos. Deus fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favoritismo para que cada um tenha o seu mérito. Todos são livres de trabalhar ou de nada fazer para o seu adiantamento. Aquele que trabalha bastante e com rapidez é recompensado mais cedo, mas aquele que se desvia do caminho ou perde o seu tempo, retarda a sua chegada e só pode lamentar de si mesmo. O bem e o mal são facultativos e dependem da vontade de cada um. O homem, por ser livre, não é fatalmente levado, nem para um, nem para o outro.

33º) Apesar da diversidade de gêneros e graus de sofrimento dos Espíritos imperfeitos, o código penal da vida futura pode se resumir nestes três princípios: 

1º) O sofrimento é inerente à imperfeição.

2º) Toda imperfeição, e toda a falta que dela decorre, trazem o seu próprio castigo nas suas consequências naturais e inevitáveis, como a doença decorre dos excessos, o tédio da ociosidade, sem que haja necessidade de uma condenação especial para cada falta e cada indivíduo.

3º) Todo homem podendo corrigir as suas imperfeições pela sua própria vontade, pode poupar-se os males que delas decorrem e assegurar a sua felicidade futura. 

Essa é a lei da justiça divina: a cada um segundo as suas obras, tanto no céu como na Terra. *(33)

*(30) A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa justiça que se pode considerar como a verdadeira lei de reabilitação moral dos Espíritos. É esta uma doutrina que nenhuma religião proclamou ainda. Entretanto algumas pessoas a repelem, por acharem que seria mais cômodo poder apagar as suas faltas simplesmente pelo arrependimento, que só depende de algumas palavras, com a ajuda de certas fórmulas. Convictas de que assim estarão livres, verão mais tarde que isso não foi suficiente. Poderíamos perguntar-lhes se esse princípio não está consagrado na lei humana e se a justiça de Deus pode ser inferior à dos homens. Se elas ficariam satisfeitas quando um indivíduo que as tivesse arruinado por abuso de confiança, se limitasse a dizer-lhes que se lamentariam disso infinitamente. Por que, pois, querem elas recuar ante uma obrigação que toda criatura honesta deveria cumprir na medida de suas forças? Quando essa perspectiva da reparação for introduzida na crença popular se transformará num freio bem mais poderoso que o do inferno e das penas eternas pois ela se refere à vida atual e faz compreender a razão das penas por que o homem está passando. (Nota de Kardec)

*(31) As necessidades, os tormentos e as perplexidades da vida experimentados nas condições de uma existência fictícia, em que o perispírito falsamente representa o corpo material, constituem uma situação bastante dolorosa para o Espírito. Foi dela que certamente se originou o dogma do Inferno material, com o corpo material mas invulnerável, a sofrer sem se destruir.

*(32) Ver o capítulo VI, Purgatório, números 3 e seguintes. Ver também o capítulo XX, Exemplos de expiações terrenas. — No O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, Bem-aventurados os aflitos. (Nota de Kardec).

*(33) Algumas pessoas argumentam que as imperfeições vêm de Deus, que nos criou imperfeitos. O princípio da evolução nos mostra que há vários graus de perfeição. Deus nos criou em potência, como sementes que têm em si mesmas todas as potencialidades futuras. Assim, criou-nos perfeitos. Cabe-nos, porém, atualizar, ou seja, desenvolver as nossas potencialidades a fim de atingirmos a perfeição em ato, como seres espirituais. Esse desenvolvimento depende de nós, do nosso livre-arbítrio, sem o qual não teríamos responsabilidade. E sem responsabilidade não seríamos perfeitos como seres espirituais. Veja-se o símbolo bíblico: Adão e Eva eram perfeitos na sua ingenuidade, mas ao desenvolver a razão passaram a agir por si mesmos e erraram. Os erros, porém, serão corrigidos na busca da perfeição.


Do livro O Céu e o Inferno, de Allan Kardec Cap.VII.

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