domingo, 15 de fevereiro de 2015

Sinais dos Tempos



Por Rogério Coelho


A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social(1)

“(...) O terceiro milênio ficará conhecido como a fronteira da oportunidade terrestre para a emancipação espiritual dos Espíritos calcetas.”
François C. Liran

A humanidade é um ser coletivo em quem se operam as mesmas revoluções morais por que passa todo ser individual, com a diferença de que umas se realizam de ano em ano e as outras de século em século... Acompanhe-se a humanidade em suas evoluções através dos tempos e ver-se-á a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia especial.

Sua marcha progressiva se opera de duas maneiras:

Uma gradual, lenta, imperceptível mesmo, se se considerarem as épocas consecutivas, a traduzir-se por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos etc., melhoras essas que só com a continuação se pode perceber, como as mudanças que as correntes d água ocasionam na superfície das pedras.

Outra, por movimentos relativamente bruscos, semelhantes aos de uma grande torrente que, rompendo os diques que a continham, transpõe em alguns anos o espaço que levaria séculos a percorrer... É, então, um cataclismo moral que devora em breves lapsos de tempo as ancilosadas Instituições do passado e ao qual sobrevém uma nova ordem de coisas que pouco a pouco se estabiliza, à medida que se restabelece a calma e que acaba por se tornar “definitiva”. (Mas não por muito tempo, vez que o progresso é uma lei dinâmica da Natureza.)

Àquele que viva bastante para abranger com a vista as duas vertentes da nova fase, parecerá que um mundo novo surgiu das ruínas do antigo. O caráter, os costumes, os usos, tudo está mudado. É que, com efeito, surgiram homens novos, ou melhor, regenerados. As ideias, que a geração extinta levou consigo, cederam lugar a ideias novas que desabrocharam com a geração que se ergue.

Tornada adulta, a humanidade tem novas necessidades, aspirações mais vastas e mais elevadas; compreende o vazio com que foi embalada, a insuficiência de suas Instituições para lhe dar felicidade; já não encontra no estado das coisas as satisfações legítimas a que se sente com direito. Despoja-se, em consequência, das faixas infantis e se lança, impelida por irresistível força, para as margens desconhecidas, em busca de novos horizontes menos cerceantes...

É a um desses períodos de transformação, ou se o preferirem, de crescimento moral, que ora chega a humanidade. Da adolescência chega ao estado viril. O passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; ela já não pode ser conduzida pelos mesmos métodos; não mais se deixa levar por ilusões, nem fantasmagorias; sua razão amadurecida reclama alimentos mais substanciosos... É demasiado efêmero o presente; ela sente que mais amplo é o seu destino e que a vida corpórea é excessivamente restrita para encerrá-lo inteiramente. Por isso, mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de descobrir num ou noutro o mistério da sua existência e de adquirir uma consoladora certeza... E é no momento em que ela se encontra muito apertada na esfera material, em que transbordante se encontra de vida intelectual, em que o sentimento da espiritualidade lhe desabrocha no seio, que homens que se dizem filósofos pretendem encher o vazio com as doutrinas do nadismo e do materialismo!... Singular aberração!

Esses mesmos homens, que intentam impelir a humanidade para frente, paradoxalmente se esforçam por circunscrevê-la no acanhado círculo da matéria, donde ela anseia por escapar-se. Velam-lhe o aspecto da vida infinita e lhe dizem, apontando para o túmulo: “Nec plus ultra”.

Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos terá compreendido que ele abre à humanidade uma estrada nova e lhe desvenda os horizontes do Infinito; inicia-a nos mistérios do Mundo Invisível, mostra-lhe o seu verdadeiro papel na criação; papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual, como no estado corporal. O homem já não caminha às cegas: sabe de onde vem, por que está na Terra e para onde vai. O futuro se lhe revela uma realidade, despojado dos prejuízos da ignorância e da superstição, agora não mais alocado nas inverossímeis utopias empiricamente esboçadas por teóricos detentores de apoucados conhecimentos transcendentais. Já não se trata de uma vaga esperança, mas de uma verdade palpável, tão certa como a sucessão do dia e da noite. Ele sabe que o seu ser não se acha limitado a alguns instantes de uma existência transitória e fugaz; que a vida espiritual não se interrompe por efeito da morte; que já viveu e tornará a viver e que nada se perde do que haja ganho em perfeição. Em suas existências anteriores depara com a razão do que é hoje e reconhece, sem margem a dúvidas, que ele é o artífice do próprio destino, vez que compreende ser hoje o que se fez a si mesmo com seus atos pretéritos, e poderá deduzir o que virá a ser um dia pelo que hodiernamente está realizando ou deixando de realizar. Compreende assim o real sentido das palavras de Jesus registradas em Mateus, (16:27): “a cada um será dado de acordo com as suas obras”.

Que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da imortalidade da Alma! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador do que a lei segundo a qual a vida corpórea e a vida espiritual são apenas dois modos de existência, que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo há e de mais consolador do que a ideia de estarem os mesmos seres a progredir incessantemente: primeiro através das gerações de um mesmo mundo; de mundo em mundo depois, até à perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, então, uma finalidade, porquanto, trabalhando para todos, cada um trabalha para si e reciprocamente, de sorte que nunca se podem considerar infecundos nem o progresso individual, nem o coletivo, vez que de ambos aproveitarão as gerações e as individualidades porvindouras, que outras não virão a ser senão as gerações e as individualidades passadas, em mais alto grau de adiantamento.

A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão assente em base inabalável e essa base é a fé, mas não a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto, anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que toda a gente pode aceitar e aceitará: Deus, a Alma, o futuro, o progresso individual e coletivo indefinito, a perenidade das relações amigáveis entre os seres de todos os povos.

Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; de que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de injusto pode querer; que não dele, porém dos homens, vem o mal, todos se considerarão filhos do mesmo Pai e se estenderão as mãos uns aos outros.

Essa a fé que o Espiritismo faculta e que doravante será o eixo em torno do qual girará o gênero humano, quaisquer que sejam os cultos e as crenças particulares.

Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más. Somente esse progresso pode fazer que entre os homens reine a concórdia, reinem a paz, a fraternidade. Será ele que deitará por terra as barreiras que separam os homens, que fará caiam os preconceitos de casta e se calem os antagonismos de seitas, ensinando aos homens a se considerarem irmãos que têm o dever de se auxiliarem reciprocamente e, não, destinados a viver à custa uns dos outros.

Hoje a humanidade está madura para lançar o olhar a alturas e horizontes nunca dantes divisados, a fim de nutrir-se de ideias mais amplas e compreender o que antes não compreendia.

A geração que desaparece levará consigo seus erros e prejuízos; a geração que surge, retemperada em fonte mais pura, imbuída de ideias mais sãs, imprimirá ao mundo ascensional movimento, no sentido do progresso moral que assinalará a nova fase da evolução humana. Somos, pois, as testemunhas oculares e privilegiadas desse movimento regenerador que ora se opera.

Esta será a marca do Terceiro Milênio: a fronteira entre o Mundo de Provas e Expiações que se esvai lentamente e o Mundo de Regeneração que surge por força da imarcescível Lei do Progresso, porque esta é a vontade de Deus.


(1) KARDEC, Allan. A Gênese. 43. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. XVIII, itens 12 e seguintes.

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