Talvez estejamos ficando melhores porque estamos ficando mais inteligentes, conclui o neurocientista Steven Pinker, professor da Universidade Harvard (EUA), após exaustiva pesquisa sobre a impressionante queda da violência humana nos últimos séculos.
A pesquisa do professor Pinker redundou em uma obra de mais de mil páginas intitulada Os anjos bons da nossa natureza, que, contrapondo-se ao senso comum, mostra que a violência em quase todas as escalas – na família, nos bairros, entre tribos e outras facções armadas e entre nações e Estados importantes – vem sofrendo evidente redução. O século XX não foi um mergulho permanente na perversidade. Ao contrário, a tendência moral duradoura deste século foi um humanismo avesso à violência que se iniciou nos século XVII e XVIII (“das Luzes”). Apesar das duas grandes guerras, as grandes potências mundiais não lutam entre si desde 1945. Um período de paz tão longo entre os Estados mais poderosos não tem precedentes.
Tal constatação não é resultado de uma opinião pessoal, mas de dados estatísticos indiscutíveis. O autor confessa seu assombro diante dos dados: viver na civilização reduz em cinco vezes as chances de uma pessoa ser vítima de violência. O lugar mais seguro na história humana, a Europa Ocidental, desde a virada do século XXI, vem tendo uma taxa de homicídios de um por 100 mil. No século XIV tal taxa era da ordem de 110 homicídios por 100 mil habitantes. A estarrecedora parcela de 26% dos homens aristocratas morria por violência nos séculos XIV e XV. A taxa caiu para a casa de um dígito na virada do século XVIII, e hoje, obviamente, está quase zerada. A Inglaterra do século XX era 95% menos violenta do que do século XIV. Uma cultura da honra – a prontidão para vingar-se – deu lugar a uma cultura da dignidade – a prontidão para controlar as emoções.
No decorrer de pouco mais de um século, práticas cruéis que por milênios haviam sido parte da civilização foram subitamente abolidas, como a execução de bruxos, a tortura oficial de prisioneiros e a perseguição a hereges e estrangeiros. As revoluções por direitos nas últimas décadas mudaram, de forma radical, a forma de ver e se conduzir diante das mulheres e crianças, dos negros, dos animais e dos homossexuais. O fim de grande parte das ditaduras militares ou civis acompanhou essas revoluções liberais. Do mesmo modo que fumar em escritórios e salas de aula passou de coisa comum a proibida e depois a impensável, práticas como a escravidão e o enforcamento público tornam-se tão inimagináveis que nem sequer são assuntos de debate.
O que mudou no ambiente das pessoas que poderia ter desencadeado tal revolução humanitária? Ao analisar as causas do fenômeno, o autor acredita que a mais abrangente mudança nas sensibilidades comuns deixada por essa revolução é a reação ao sofrimento de outros seres vivos. As pessoas de hoje estão longe de ser moralmente imaculadas, mas a maioria não tem vontade alguma de ver um cão e muito menos uma pessoa, morrer queimado.
E o que teria levado a isso? Steven Pinker relaciona várias causas, mas chama a nossa atenção para uma delas: o aumento na produção de livros, o hábito da leitura, o esclarecimento e o incremento das informações, além de um notável aprimoramento do raciocínio abstrato, verificado nos testes de QI, realizados nas últimas décadas.
Afirma o autor citado que a expansão da mente, decorrente de boas leituras deve ter adicionado uma dose de humanitarismo às emoções e crenças das pessoas. Ler é uma tecnologia para mudança de perspectiva. Quando nós temos na cabeça os pensamentos de outra pessoa, observamos o mundo do ponto de vista dessa pessoa, o que nos seduz a pensar e sentir como pessoas muito diferentes de nós mesmos. Revisitem o que deu errado no mundo Islâmico, opina o professor Pinker, pode ter sido a rejeição à imprensa escrita e a resistência à importação de livros e ideias neles contidos.
A difusão de boas ideias resulta em reformas que reduzem a violência por vários caminhos. O mais óbvio é o desmascaramento da ignorância e da superstição. Cita Voltaire quando afirma que aqueles que conseguem fazer você acreditar em absurdos podem fazer você cometer atrocidades. Outro caminho é um incremento dos convites à adoção dos pontos de vista de gente diferente de nós, acelerando o processo de tolerância nas relações humanas.
Existe um terceiro caminho pelo qual a informação pode fecundar o progresso moral: incrementando o progresso tecnológico e a melhoria das condições de vida das pessoas. Sociedades tecnologicamente atrasadas tendem a ser moralmente atrasadas também.
As conclusões de Steve Pinker são admiravelmente coincidentes com o pensamento Kardequiano, embora a distância de mais de 150 anos entre os dois pensadores.
No que se refere à queda dos índices de violência, Kardec provocou os Espíritos, indagando: como é bastante grande a perversidade do homem, não parece que, pelo menos do ponto de vista moral, ele, em vez de avançar, caminha aos recuos?
A resposta dos Espíritos, conforme se lê no item 784 de O Livro dos Espíritos, é essa: – “Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta, pois que melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos”.
No que tange à importância do desenvolvimento tecnológico no desenvolvimento dos caracteres morais, os Espíritos foram igualmente concordantes com o autor que ora visitamos, pois quando Allan Kardec indaga se o progresso moral acompanha sempre o progresso Intelectual, eles respondem:
– “Decorre deste, mas nem sempre o segue imediatamente”. (O Livro dos Espíritos, item 780.)
E acrescentam que pode o progresso intelectual engendrar o progresso moral fazendo compreensíveis o bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos. (O Livro dos Espíritos, item 781)
Numa bela análise das reformas em processo na Terra, Kardec, no último capítulo do livro A Gênese, revalida o pensamento apresentado pelos Benfeitores em O Livro dos Espíritos, conforme as anotações abaixo:
Moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera sob a ação das forças materiais, os homens para isso concorrem pelos esforços de sua inteligência. Saneiam as regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e mais produtiva a terra.
Depois de se haver, de certo modo, considerado todo o bem-estar material, produto da inteligência, logra-se compreender que o complemento desse bem-estar somente pode achar-se no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, tanto mais se sente o que falta, sem que, entretanto, se possa ainda definir claramente o que seja: é isso efeito do trabalho íntimo que se opera em prol da regeneração. Surgem desejos, aspirações, que são como que o pressentimento de um estado melhor.
Lembra, todavia, o nosso Codificador, que há muito que ser feito, pois falta a essas reformas uma base que permita se desenvolvam, completem e consolidem; falta uma predisposição moral mais generalizada, para fazer que elas frutifiquem e que as massas as acolham.
Refere-se Kardec ao papel da fé raciocinada, da crença fundamentada na razão e em uma espiritualidade que seja elemento de construção de mais fraternidade, entendimento e boa vontade entre os homens:
A destruição do materialismo, que é uma das chagas da sociedade. O Espiritismo pode fazer com que os homens compreendam onde estão seus verdadeiros interesses. Como a vida futura não mais será velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que pode garantir seu futuro por meio do presente. Destruindo os preconceitos de seitas, castas e cores, o Espiritismo ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos. (O Livro dos Espíritos, item 799.)
Ricardo Baesso de Oliveira
Fonte: O Consolador, Crônicas e Artigos, Ano 7 - N° 323 - 4 de Agosto de 2013
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