Como fazer compreender a ação da alma sobre o corpo?
Segundo a filosofia e segundo os Espíritos, a alma é imaterial, por outras palavras, não tem ponto algum de contato com a matéria que conhecemos. Não se pode conceber que a alma tenha propriedades análogas às dos corpos da natureza, pois que o pensamento que dela é a imagem, a emanação, escapa a qualquer medida, a toda análise física ou química. Mas se é obrigado a tomar a palavra imaterial em seu sentido absoluto? Não, porque a verdadeira imaterialidade seria o nada; mas esta alma constitui um ser cuja existência é tal, que dela nada na Terra poderia dar uma idéia. A fim de precisar bem o nosso pensamento, desejamos instruir nossos leitores sobre o sentido desta palavra imaterial, para que ela não se preste à confusão.
Pretendemos que nenhum estado da matéria pode fazer-nos compreender o da alma, e, entretanto, a Ciência chegou a resultados surpreendentes quanto à divisão da matéria. Eis o que resulta das experiências de Crookes, na Academia de Ciências.
Sabe-se que esse físico tem uma teoria especial, segundo a qual as moléculas dos corpos gasosos podem mover-se por suas próprias forças, quando se lhes diminui o número, fazendo o vácuo. Para chegar a esse resultado é preciso operar com precisão extrema e empregar manipulações numerosas e complicadas. Crookes chegou a fazer o vazio de tal forma, que a pressão do ar no aparelho foi reduzida a um milionésimo de atmosfera. Nessas condições, manifestam-se os caracteres do estado radiante.
Habitualmente, os fenômenos novos, em física ou químicos, são produzidos por adição de matéria; é curioso verificar que aqui, ao contrário, efeitos de extrema energia resultam de uma subtração de matéria; foi reduzindo-a quase a nada, rarificando-a além do verossímil, que Crookes obteve os singulares fenômenos. Quanto mais ele retira a matéria, tanto mais surpreendente se toma à ação. É a física do nada, e fica-se tentado a perguntar se ele tem o direito de atribuir à matéria efeitos tão poderosos, quando fez tantos esforços por desembaraçar-se dela. Não deve subsistir equívoco a este respeito e não devemos julgar segundo a impressão de nossos sentidos aquilo que pode perfeitamente lhes escapar.
A Natureza vai muito além de nossas sensações; é preciso, pois, pormo-nos ao abrigo de nossos erros. Quando as mais aperfeiçoadas máquinas subtraíram de um espaço fechado tanto ar, tanto gás quanto foi possível, não se segue que muito ainda não possa lá ficar.
Crookes reduziu o conteúdo de seus tubos a um milionésimo do ar que conhecemos, e que é tão impalpável que o deslocamos a cada instante, sem ter consciência de que ele está em torno de nós. Pareceria que o milionésimo de coisa tão insignificante fosse para nós menos que nada. Esse julgamento é falso, como vamos ver.
O cálculo mostra que num balão de 13 centímetros de diâmetro, como o de que se serve Crookes, cheio de ar à pressão normal, existe, pelo menos, um septilhão de moléculas. 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000
Rarefazer esse ar ao milionésimo, é dividir por um milhão o número precedente, e ainda fica um quintilhão de moléculas. Um quintilhão!
É uma cifra enorme e bem longe do nada. Para dar idéia desse número gigantesco, diz Crookes: Tomo o balão no qual faço o vazio e o atravesso com a centelha da bobina de indução. A centelha produz um orifício microscópico, mas suficiente para que as moléculas gasosas penetrem no baldo e destruam o vácuo.
Suponhamos que a pequenez das moléculas seja tal que entrem no balão cem milhões por segundo. Nessas condições, quanto tempo creria fosse preciso para que o recipiente se enchesse de ar? Uma hora, um dia, um ano, um século? Era preciso uma eternidade, um tempo tão grande que a imaginação não pode concebê-lo. Seriam necessários mais de 400 milhões de anos, um tempo tal, que, segundo as previsões dos astrônomos, o Sol teria esgotado sua energia calorífica e luminosa e já estaria a muito extinto!
O cálculo é, com efeito, fácil de fazer; Crookes não se engana.
Segundo Johnston Stoney, existe em um centímetro cúbico de ar um sextilhão de moléculas; o balão de Crookes, com 13 centímetros de diâmetro, encerra, portanto, 1,288,252,350,000,000,000,000,000 de moléculas de ar à pressão normal. Quando se diminui a pressão até um milionésimo de atmosfera, o balão fica contendo ainda: 1,288,252,350,000,000,000 de moléculas.
Tudo volta ao primitivo estado, quando entra pelo orifício o que se havia retirado, isto é, 1,288,251,061,747,650,000,000,000 de moléculas.
Se, por hipótese, passam cem milhões por segundo, eis o tempo que duraria o desfile: 12.882.510.617.476.500 segundos ou mais de 12 quatrilhões de segundos.
214.708.510.291.275 minutos ou mais de 214 trilhões de minutos.
3.578.475.171.521horas ou mais de 3 trilhões de horas.
149.103.132.147 dias ou mais de 149 bilhões de dias.
408.501.731 anos, ou mais de 400 milhões de anos. Mais de 400 milhões de anos!
A realidade é que o vácuo de um balão Crookes se enche em menos de hora e meia, o que prova que a exiguidade das partículas é tão grande, que devem passar por segundo, na mais fina abertura, não 100 milhões, mas 300 quintilhões. Que pequenez infinita deve ter essas partículas!
Pois bem, por mais quintessenciada que seja a matéria, por minúscula e impalpável que a Ciência no-la mostre, ela é, ainda, grosseira em relação ao Espírito, que é uma essência, um ser ainda infinitamente mais sutil. É neste sentido que entendemos a palavra imaterial, aplicada à alma; esta é de tal forma imponderável, que não pode ter nenhum ponto de contato com a matéria que conhecemos na Terra.
Entretanto, constatamos no homem a ligação destes dois elementos: o corpo e a alma. Eles estão unidos de maneira íntima e reagem um sobre o outro, como o demonstra o testemunho diário dos sentidos e da consciência. Depois do que dissemos da alma, parece haver nisso contradição; ela, porém, é mais aparente do que real, porque o homem não é formado só do corpo e da alma, mas ainda de um terceiro princípio intermediário entre um e outro chamado perispírito, isto é, invólucro do Espírito.
Vai compreender-se, em seguida, a necessidade desse mediador fazendo-se o paralelo entre a espiritualidade da alma e a materialidade do corpo.
A alma é imaterial, porque os fenômenos que produz não se podem comparar a qualquer propriedade da matéria. O pensamento, a imaginação, a lembrança não têm forma, nem cor, nem duração, nem maleabilidade; essas produções do Espírito não estão adstritas à lei alguma que reja o mundo físico, elas são puramente espirituais, não se podem medir nem pesar. A alma escapa, por sua natureza, à destruição, pois que se manifesta, em toda sua plenitude, após a desagregação do corpo; é, pois, imaterial e imortal.
O corpo é esse invólucro do princípio pensante, que vemos nascer, crescer e morrer. Os elementos que o compõem são tirados da matéria que forma o nosso Globo. Depois de demorarem certo tempo, no organismo, cedem lugar a outros que os vêm substituir. Essas operações se renovam até a morte do indivíduo; os átomos, então, que compunham, em último lugar, o corpo humano, são retomados pela circulação da vida e entram em outras combinações, em virtude da grande lei de que nada se cria, nada se perde na Natureza.
Corpo e alma são, portanto, essencialmente distintos: um, notável por suas transformações incessantes; a outra, pela imutabilidade de sua essência. Apresentam qualidades radicalmente opostas, mas verificamos que vivem em perfeita harmonia e exercem influências recíprocas. O ódio, a cólera, a piedade, o amor refletem-se no rosto e imprimem caráter particular à fisionomia. Nas emoções violentas é todo o organismo que se perturba: uma alegria súbita ou uma dor imprevista podem provocar abalos que conduzam à morte. A imaginação age também sobre o físico, com grande violência; é o que demonstram as obras de medicina sobre o assunto, de sorte que, de um lado, estando bem determinados esses efeitos e, do outro, verificando-se a imaterialidade da alma, fica insolúvel para os filósofos o problema da ação mútua da alma sobre o corpo.
Os maiores espíritos aplicaram-se a explicar a ação da alma sobre o corpo, mas nem Descartes, Malebranche, Spinosa ou Leibnitz ou Euler chegaram a uma explicação satisfatória desses fatos.
Segundo Descartes, a alma e o corpo, por sábio desígnio da Providência, seguem, em todo o curso da vida, duas linhas paralelas, e, entretanto, sua natureza os torna estranhos um ao outro. Deus modifica a alma, conforme os movimentos do corpo, e dá movimento ao corpo em consequência das vontades da alma. Cada substância é, pois, não a causa, mas parte conjuntural dos fenômenos que se manifestam na outra. Eis por que a teoria cartesiana foi chamada pelos historiadores - a hipótese das causas ocasionais.
Segundo Leibnitz, corpo e alma, vivendo separadamente, receberam tal organização, que as modificações de uma são reproduzidas no outro, mais ou menos como os ponteiros de dois relógios bem regulados, que marcam há mesma hora. Essa harmonia é mais antiga que o Mundo, tem seu fundamento na inteligência divina e daí a denominarem, conforme Leibnitz, preestabelecida.
Euler, o matemático, tinha uma teoria muito mais vulgar, a do Influxo físico, que admite a ação direta e recíproca do corpo sobre a alma. Todos esses sistemas levantam graves objeções e não resistem à crítica. Como conciliar as hipóteses de Descartes e de Leibnitz com o sentimento do nosso eu, de nossa atividade pessoal; com a experiência diária do império que o homem exerce sobre a Natureza e que esta possui sobre o homem? Quem nos persuadirá, quando estendemos o braço, que não somos a causa desse movimento?
Sabemos, por experiência, que o menor ato de nossa vontade, por fugaz que seja, se traduz por um gesto, e quando sentimos uma dor, sinal é que se produziu uma alteração orgânica, e não a intervenção de Deus para infligir à alma o sofrimento experimentado pelo corpo.
As doutrinas de Descartes e Leibnitz, absolutamente insuficientes para explicar os fatos, estão, além disso, em contradição com a experiência. A doutrina do influxo físico é menos afastada do senso comum, mas deixa a desejar, porque não oferece prova alguma e avilta a alma, tirando-lhe a imaterialidade. Como se vê, o problema é espinhoso, desde que homens desse valor não puderam resolvê-lo.
Vejamos outros filósofos, que se aproximam de nossa maneira de ver.
Um inglês, Cudworth, imaginou uma substância intermediária entre o corpo e a alma, a que ele chamava mediador plástico e cujo papel consistia em unir o Espírito à matéria, participando da natureza de ambos. Esta teoria poderia ser aceita, porém com algumas modificações, porque não podemos admitir que a alma, essência indivisível, se alie ao corpo, cedendo parte de sua substância. Além disso, a definição de Cudworth é muito vaga: preferimos a opinião de alguns fisiologistas, quando dizem: Toda ação, quer contínua e inconsciente, quer intermitente e voluntária da alma sobre a matéria ponderável do corpo, se exerce por certas ondulações do fluido imponderável, ondulações que têm por condutor o sistema nervoso, tanto cérebro espinhal como ganglionar.
É esse perfeitamente o nosso pensamento e não podemos definir melhor o papel do perispírito, senão assimilando-o à ação de um fluido imponderável que exerce sua ação pelos nervos.
A melhor prova da existência do perispírito é mostrar que o homem pode desdobrar-se em certas circunstâncias. Se, de um lado, vê-se o corpo material, e do outro a reprodução exata desse corpo, mas fluídica, não é mais permitida a dúvida.
O perispírito, como veremos a seguir, serve não só para explicar a ação recíproca da alma sobre o corpo, como também para nos fazer compreender qual é a vida do Espírito desprendido da matéria e habitando o espaço.
Até então, só havia ideias vagas sobre o futuro da alma. As religiões e as filosofias espiritualistas contentavam-se em afirmar a sua imortalidade, sem dar qualquer esclarecimento sobre o seu modo de vida no além-túmulo. Para uns, a eternidade espiritual passava-se em um paraíso mal definido, onde se encontrariam as delícias reservadas aos eleitos; para outros, o inferno era um lugar terrível, onde as almas passavam por horríveis torturas.
Além disso, as observações da Ciência detinham-se na matéria tangível; daí resultava entre o mundo espiritual e o mundo corporal um abismo que se diria intransponível. Este abismo, os novos descobrimentos e o estudo de fenômenos pouco conhecidos vêm, em parte, preencher.
Ensina-nos o Espiritismo que as relações entre os dois mundos não são interrompidas, que há permuta constante entre os vivos e os que chamamos mortos. Pelo nascimento, o mundo espiritual fornece almas ao mundo corporal, e pela morte este restitui ao espaço as almas que vieram temporariamente habitar a Terra. Há, pois, numerosos pontos de contacto entre a humanidade e a espiritualidade, e a distância que parecia separar o mundo visível do invisível está consideravelmente diminuída. Se demonstrarmos que esse mundo é formado de matéria como o nosso, que os Espíritos também têm um corpo material, as diferenças que pareciam tão radicais se reduzirão a simples nuanças, que vão do muito ao menos, mas não mais encontraremos chocantes anomalias.
A natureza da alma nos é desconhecida, mas sabemos que ela está envolvida, circunscrita por um corpo fluídico que a torna, depois da morte, um ser distinto e individual.
A alma, segundo Allan Kardec, é o princípio inteligente, considerado isoladamente; é a força que age e pensa e que, só como abstração, poderemos considerar isolada da matéria. Revestida de seu invólucro fluídico ou perispírito, constitui o ser chamado Espírito, como, revestida do invólucro corporal, constitui o homem. Ora, se bem que em estado de espírito goze de faculdades e propriedades especiais, não cessa de pertencer à humanidade. São, pois, os Espíritos seres semelhantes a nós, visto que cada um de nós se toma Espírito, depois da morte do corpo, e cada Espírito vem novamente a ser homem, depois do nascimento.
Esse invólucro não é de modo algum a alma, porque não pensa; não é mais que uma vestimenta; sem alma, o perispírito, assim como o corpo, não passam de matéria inerte, privada de vida e de sensação. Dizemos matéria, porque, com efeito, o perispírito, posto que de natureza etérea e sutil, não deixa de ser matéria, tanto como os fluidos imponderáveis, e, além disso, matéria da mesma natureza e da mesma origem que a matéria tangível mais grosseira.
A alma não possui essa veste somente em estado de espírito; ela é inseparável desse invólucro que a segue na encarnação e na erraticidade. Durante a vida humana, o fluido perispiritual identifica-se com o corpo e serve de veículo às sensações vindas do exterior e às vontades do Espírito; penetra o corpo em todas as suas partes; mas, com a morte, o perispírito se desprende com a alma, de que partilha a imortalidade.
Poder-se-ia, talvez, contestar a utilidade desse órgão, dizendo-se que a alma pode agir diretamente sobre o corpo e estaria destruída nossa teoria. Mas como nos apoiamos sobre fatos, como nossa convicção é fruto do estudo e da observação, e não uma concepção arbitrária, não depende de nós mudá-la.
Gabriel Delanne
Do livro “O Espiritismo perante a Ciência”, de Gabriel Delanne.
Um comentário:
Muito explivativo este texto, muito bom!!
Tenha um excelente dia!♥
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