sábado, 10 de março de 2012

O Perispírito e a Evolução Anímica


Temos visto como o movimento perispiritual explica, de um modo simples, a passagem do consciente ao inconsciente, e como se registram, automaticamente, no perispírito, todos os estados da alma.

As condições de percepção prendem-se a duas causas, que são a intensidade e a duração da sensação, variáveis segundo o estado vibratório do invólucro.

Nos primórdios da vida, o invólucro da alma é grosseiro, mesclado dos fluidos mais próximos da matéria, com movimentos tardos, por assim dizer, incipientes. O trabalho da alma consiste na depuração desse invólucro, em desembaraçá-lo das suas gangas fluídicas, isto é, em dar-lhe um movimento cada vez mais radiante.

Cada existência terrena deixa no perispírito a sua impressão. Assim como, ao cortar-se uma árvore secular, se torna possível saber-se a idade contando as camadas concêntricas anualmente deixadas pela casca, assim também existem zonas fluídicas que se vão superpondo, à medida que o Espírito se vai distanciando da sua origem. As lembranças gravadas no invólucro são, como ele mesmo, inextinguíveis. Posto não passe de simples analogia, é possível comparar essas camadas sucessivas às impressões fotográficas que se podem superpor na mesma placa sem se confundirem. Todos esses movimentos vibratórios têm uma existência própria, um grau vibratório que lhes é peculiar, sendo o último sempre superior aos demais.

Note-se bem que se não trata, aqui, de uma superposição de impressões físicas. Assim como o fenômeno da alotropia nos mostra, tangivelmente, que as propriedades de um corpo prendem-se a um movimento particular das moléculas desse corpo, e que essas propriedades mudam quando o movimento molecular tem outro modo vibratório, assim também, no perispírito, cada zona atômica pode ser constituída pelos mesmos átomos, mas com associações vibratórias inteiramente diferentes, correspondendo cada um desses arranjos a determinada posição de equilíbrio.

Chegada à humanidade, a alma já está amadurecida, e o seu invólucro tem fixado, sob a forma de leis, de linhas de força, os estados sucessivamente percorridos, e será talvez essa a causa da evolução fatal do embrião, repassando por todos os estágios da escala anteriormente percorrida.

No homem primitivo, o inconsciente fisiológico é muito rico e não terá quase de enriquecer-se mais, senão de atos automáticos secundários, ou seja, de hábitos manuais; o inconsciente psíquico, pelo contrário, está quase virgem, constituído pelas modalidades mais apuradas do instinto, e das mais incipientes da consciência e da inteligência.

De fato, o animal apenas possui faculdades simples, rudimentares. Tem o sentimento da existência, mas não tem a consciência do eu. Os primeiros homens deveriam aproximar-se muito dos antropóides atuais, e não resta dúvida de que a longa duração do período quaternário foi indispensável à elaboração dessa consciência, que os deveria destacar definitivamente da animalidade.

Insensivelmente, contudo, foi-se a alma desprendendo das brumas que a envolviam; o raciocínio, que apenas lucilava intermitente, afirmou-se como o fundo mesmo do Espírito; o pensamento, a inteligência, exercendo-se por sensações mais nítidas, mais delicadas, ensejaram observações sempre mais exatas, relações melhor estabelecidas, generalizações e abstrações cada vez mais amplas, à medida que a linguagem se aperfeiçoava.

Trazendo cada encarnação um aperfeiçoamento, o inconsciente psíquico enriqueceu-se progressivamente, e o esforço ia-se tornando menos considerável, à proporção que aumentava o número das clausuras terrenas.

Hoje, o que importa é desembaraçarmo-nos das paixões e instintos residuais da nossa passagem pelos reinos inferiores.

A luta é demorada e difícil, pois há que modificar os primeiros movimentos perispirituais que em nós se encarnaram, e que eram os únicos constituintes de nossa vida mental, nessas épocas remotas e mil vezes seculares de nossa evolução.

Entretanto, a vontade tudo pode em relação à matéria, o progresso entremostra-nos perspectivas cada vez mais brilhantes, e essa mesma força que nos erigiu em seres inteligentes saberá desvendar-nos o roteiro de mundos melhores, nos quais imperam a concórdia, a fraternidade, o amor.

Nos estudos parciais, que constituem este livro, pensamos haver demonstrado que os fenômenos vitais e psíquicos, coexistentes no homem, encontram explicação racional na Doutrina Espírita. Nada, nas teorias por nós expostas, colide com a filosofia das ciências. A existência do perispírito, durante a vida e depois da morte, foi experimentalmente estabelecida, com todas as garantias possíveis contra a fraude e o erro; sua composição fluídica foi comprovada pela fotografia, e nós podemos conceber-lhe a natureza, por analogia, com os estados da matéria extremamente rarefeita. Nem a sua imponderabilidade é mais estranha do que a das forças físico-químicas que se traduzem por luz, eletricidade, afinidades, etc. Nem sua ação sobre a matéria é mais extraordinária que a do magnetismo sobre a limalha de ferro. Finalmente, nenhuma de suas propriedades é irracional.

A sua união com a alma é da mesma espécie da que ocorre com as forças ligadas aos átomos materiais. Se não podemos aniquilar a matéria, maiormente não podemos destruir o Espírito: a alma que se manifesta depois da morte é verdadeiramente imortal.

A reencarnação é a conciliação lógica de todas as desigualdades intelectuais com a justiça de Deus. Ela se comprova experimentalmente com a encarnação de Espíritos em certos e determinados ambientes, preditos por circunstâncias que de antemão os identificam. Se essa encarnação é possível uma vez, não vemos por que o não seja inúmeras vezes. Isto posto, podemos inferir uma lei geral, posta ao princípio inteligente, e aplicá-la aos animais, ainda porque, neles e com eles, podemos observar fatos que tendem a estabelecer essa verdade.

A existência do fluido vital, ainda que posta em dúvida na atualidade, parece-nos indispensável para explicar os fenômenos da vida, visto que a forma e a evolução de todos os seres vivos, bem como os fenômenos de reconstituição orgânica, não os explica a ciência moderna.

Nós, que conhecemos a verdadeira natureza da alma, oferecemos a nossa teoria, que resolve logicamente grande número de dificuldades.

A fonte de todos os mal-entendidos que dos espíritas separam os materialistas e espiritualistas deriva da ignorância em que se mantêm os sábios e os filósofos, no concernente à existência e à natureza do perispírito.

Para os fisiologistas, a alma não é mais que resultado das funções vitais do cérebro. Iludidos pela concordância que verificam entre o estado mórbido desse órgão e o concomitante desaparecimento de certas faculdades, acreditam eles haver nisso uma correlação de causa e efeito, e o que os confirma nessa maneira de ver é que a faculdade se restabelece logo que o órgão retorna ao estado normal.

Nós, porém, que possuímos a prova da sobrevivência da alma à desagregação do corpo, sabemos que aquela concordância é devida à ação do perispírito sobre o corpo, entravado, desde que a força vital se perturbe, mas pronta a reassumir o seu império, tão logo a calma se restabeleça.

A teoria materialista nada explica do Universo. Ela apenas aponta os fatos, que atribui a leis materiais, a se encadearem, a se determinarem sucessivamente. O Espírito é uma possibilidade qualquer, poderia deixar de existir, de sorte que a inteligência não passa de mero acidente na criação. É para nós essa uma conclusão absurda, por isso que, não existindo um ser racional, a criação seria um contra-senso.

Vimos as forças naturais concorrerem com todas as forças ativas para a eclosão do ser pensante, e pretende-se que este último produto da evolução – o homem, que, ao invés de submeter-se passivamente, como o fizeram os seus predecessores, tomou a direção de si mesmo – seja o fruto de uma surpresa, de um jogo do acaso? É uma conclusão contraditada por toda a natureza e, ainda que não tivéssemos a prova material da imortalidade da alma, o bom senso faria justiça a essas alegações infundadas.

A matéria é cega, inerte, passiva, e só se move por influência da vontade. O que denominamos forças, nada mais é que manifestações tangíveis da inteligência universal, infinita, incriada. São sinais evidentes da Vontade suprema que mantém o Universo.

Assim como agentes se fazem precisos, por executar as leis promulgadas pelos nossos parlamentos, assim também se faz necessária uma potência, eternamente ativa, para tornar exequíveis as leis naturais.

Todas as alterações verificadas nos estados da matéria não têm mais que um fim – o progresso do Espírito, que é a única realidade pensante. Nisto, aproximamo-nos dos espiritualistas. Estes filósofos, porém, estudando a alma, apenas subjetivamente são levados a conferir-lhe uma espiritualidade absoluta, que fatalmente os impede de compreender a sua ação sobre o corpo.

Ao demais, essa atitude interdita-lhes a explicação de numerosos e variados fenômenos da vida inconsciente do Espírito.

Mas, isso ainda não é tudo.

A fisiologia demonstra-lhes que todo estado de consciência liga-se, necessariamente, a um substrato material; que a memória, por exemplo, está intimamente ligada a determinado estado do sistema nervoso, sem o que não poderia produzir-se; de sorte que, se, após a morte, a alma fosse puramente espiritual, não reteria nem um dos conhecimentos do passado, uma vez destruído o corpo.

Chegou o tempo de se rasgarem todos os véus. O Espiritismo faculta provas tangíveis da imortalidade, e preciso se faz que, afrontando todos os sarcasmos, todos os prejuízos, ele obrigue os pensadores sérios a estudá-lo atentamente.

Todos os espíritos chumbados às suas velhas concepções terão de abrir os olhos diante da luz radiosa da verdade solidamente apoiada em fatos inconcussos.

Teremos, então, a satisfação de ver milhares de inteligências superiores arrotearem o campo magnífico desdobrado aos seus olhos. O domínio da matéria imponderável é tão vasto quanto o ponderável, de nós conhecido. Fecunda messe de profícuas descobertas acena para quantos se disponham a perlustrar esses territórios ainda inexplorados.

Com a certeza das vidas sucessivas e da responsabilidade dos nossos atos, muitos problemas revelar-se-ão sob novos prismas. As lutas sociais, que atingem, nesta nossa época, um caráter de aguda aspereza, poderão ser suavizadas pela convicção de não ser a existência planetária mais que um momento transitório no curso de uma eterna evolução.

Com menos orgulho nas camadas altas e menos inveja nas baixas, surgirá uma solidariedade efetiva, em contato com estas doutrinas consoladoras, e talvez possamos ver desaparecer da face da Terra as lutas fratricidas, ineptos frutos da ignorância, a se dissiparem diante dos ensinamentos de amor e fraternidade, que são a coroa radiosa do Espiritismo.


Gabriel Delanne

Do livro “A Evolução Anímica”, de Gabriel Delanne.

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