Os mais antigos filósofos de que há lembrança na história acreditavam que éramos duplos, e que em nós residia um princípio inteligente, diretor da máquina humana; eles, porém, não aprofundaram as condições do seu funcionamento. As vistas gerais que possuíam eram bastantes vagas, porque queriam descobrir a causa primária dos fenômenos do Universo.
Em suas pesquisas só se apoiavam em hipóteses; por isso a teoria dos quatro elementos, que resulta dos seus trabalhos, foi abandonada. Mas, fato digno de atenção é o de haver Leucippo admitido, para explicar o mundo sensível, três coisas: o vácuo, os átomos e o movimento, e vemos, hoje, essas deduções, em grande parte, adotadas pela ciência contemporânea.
Com Sócrates apareceu o estudo metódico do homem: esse grande espírito estabeleceu a existência da alma e se baseou em razões de extrema lógica. Platão, seu discípulo, levou mais longe ainda essa crença. O filósofo da Academia admitia, a exemplo de Pitágoras, um mundo distinto dos seres materiais: o mundo das ideias. Segundo Platão, a alma conhece as ideias pela razão; ela as contemplou em uma vida anterior à existência atual.
Eis uma novidade: até então, limitavam-se todos a crer que a alma era feita ao mesmo tempo em que o corpo. A teoria platônica ensinava que ela vive anteriormente: veremos adiante como são justas as suas deduções. Aristóteles, apelidado o príncipe dos filósofos, é tão espiritualista como seus predecessores e cumpre reconhecer que toda a Antiguidade acreditou na existência da alma, como em sua imortalidade. As lutas entre as diferentes escolas provinham, antes, das divergências na explicação dos fenômenos do entendimento, que da alma em si mesma.
Foi assim que se criou a facção sensualista, cujos representantes mais ilustres foram Leucippo e Epicuro. Este último, fazia derivar todos os conhecimentos da sensação. Admitia a alma, mas a supunha formada de átomos e, por consequência, incapaz de sobreviver à morte do corpo. Era, pois, em realidade, um materialista, e se achava em oposição formal com os idealistas representados por Sócrates, Platão e Aristóteles.
Zenon pode ser filiado a essa escola, mas, diversamente de Epicuro, separava a sensação das ideias gerais, e os sentidos, da razão.
Sem ir tão longe quanto os cínicos, os estoicos consideravam indiferentemente os prazeres e as penas. Julgavam imorais todas as ações que se afastavam da lei e do dever. Esta severidade de princípios foi, durante muitos séculos, a força da Humanidade, e o único dique contraposto às paixões desenfreadas da Antiguidade pagã.
A escola neoplatônica de Alexandria forneceu luminosos gênios, tais como Orígenes, Porfírio, Jamblico, que souberam elevar-se até as mais sublimes concepções da filosofia. Eles admitem a preexistência da alma e a necessidade de seu regresso a Terra.
Achavam o homem incapaz de adquirir, de uma só vez, a soma dos conhecimentos que o elevasse a uma condição superior, e defenderam essa nobre doutrina, com coragem e audácia sem iguais, contra os sectários do Cristianismo nascente.
Próclus foi o último reflexo desse foco intelectual, e a Humanidade ficou, durante longos séculos, amortalhada sob as espessas trevas da Idade Média.
Nessa época de crença não se duvidava da alma nem da imortalidade, mas os dogmas da Igreja, que se adaptavam, maravilhosamente, ao espírito bárbaro das nações atrasadas, tinham-se tornado impotentes em face do despertar das consciências.
A antiga filosofia apoiava-se na razão; a teologia de São Tomás de Aquino só repousava na fé; e as tentativas de libertação, que resultavam do divórcio entre a fé e a razão, eram cruelmente punidas.
Sendo o progresso uma lei do nosso Globo, devia chegar o momento em que se efetuaria o acordar das inteligências; foi o que se deu com Bacon. Este sábio, fatigado com as disputas dos escolásticos que se esgotavam em discussões estéreis, atraiu as atenções para o estudo da natureza. Criou-se com ele a ciência indutiva. O sábio recomendou, antes de tudo, a ordem e a classificação nas pesquisas: quis que a filosofia saísse de seus antigos limites; abriu um campo novo às investigações e sugeriu a observação como mais seguro meio de chegar à verdade.
Morto Bacon, revelou-se, em França, Descartes. Este profundo pensador repeliu todos os dados antigos, para adquirir conhecimentos novos por meio de um método que descobriu.
Partindo do princípio: eu penso, logo existo, Descartes estabelecia a existência e a espiritualidade da alma; porque, dizia ele, se pode supor que o corpo não exista, é impossível negar o pensamento, que se afirma por si próprio, cuja existência se verifica à medida que ele se exerce. Em uma palavra, somos algo que ouve, que concebe, que afirma, que nega, que quer ou não quer.
Nestas condições, a faculdade de pensar pertence ao indivíduo, abstração feita dos órgãos do corpo. O método preconizado por esse poderoso renovador inspirou uma plêiade de grandes homens, entre os quais podemos citar: Bossuet, Fénelon, Mallebranche e Spinosa. Ao mesmo tempo, o impulso baconiano formava Hobbes, Gassendi e Locke.
Segundo Hobbes, não existe outra realidade além do corpo, outra origem de nossas ideias além da sensação, outro fim na natureza além da satisfação dos sentidos; seu modo de ver também levava diretamente à apologia do despotismo como forma social.
Gassendi foi um discípulo de Epicuro, de quem renovou as doutrinas; mas, o mais célebre filósofo dessa época é Locke, que pode ser encarado, com justa razão, como fundador da psicologia.Ele combateu o sistema cartesiano das ideias inatas e imprimiu, na Inglaterra e na França, grande impulso aos estudos filosóficos.
Quase na mesma época viveram Bossuet e Fénelon, que escreveram admiráveis livros sobre Deus e a alma. Em tais obras, cheias da lógica mais sã, podemo-nos convencer da existência dessas grandes verdades tão bem postas em relevo por aqueles eminentes espíritos. A profundeza dos pensamentos é realçada, ainda, por uma linguagem admirável e nunca o espírito francês ostentou maior clareza, elegância e força como nesses livros imortais.
Leibnitz, a mais vasta inteligência produzida nos tempos modernos, colocou-se entre as duas escolas que se disputavam o império dos espíritos, entre Locke e Descartes. Refutou o que ambos tinham de absoluto; mas, com sua morte, seu sistema não tardou a ser abandonado, mesmo na Alemanha, onde havia inicialmente sido acolhido com simpatia.
Na França, os Enciclopedistas fizeram triunfar as ideias de Locke; elas conduziram, com Condillac, Helvetius e d'Holbach a um materialismo absoluto; esse materialismo é a consequência inevitável das teorias, que, reduzindo o homem à pura sensação, não podem assinalar-lhe outro fim que não o da felicidade material.
Não tardou a verificar-se quanto esse método, chamado empirismo, levava a tristes resultados. Sentiu-se, imperiosamente, a necessidade de uma reforma e ela foi realizada por Thomas Reid, na Escócia, e Emmanuel Kant, na Alemanha.
Em França, a escola eclética admitiu o racionalismo de Descartes e brilhou com vivo clarão sustentando a tese espiritualista.
As vozes eloquentes de Jouffroy, Cousin, Villemain demonstraram a existência e a imaterialidade da alma, com tal evidência, que lhes coube a vitória no terreno filosófico. Mas a escola materialista operou uma alteração de frente; deixando o domínio da especulação, desceu ao estudo do corpo humano e pretendeu demonstrar que, em nós, o que pensa, o que sente, o que ama, não é uma entidade chamada alma, senão o organismo humano, a matéria, que só ela pode sentir e perceber.
Devemos confessar que, para a massa dos leitores, é difícil tomar pé, em meio às contradições, aos sistemas e às utopias pregadas pelos maiores espíritos. Cansam as pesquisas metafísicas que se agitam no vazio; exige-se o retorno ao estudo meticuloso dos fatos: daí o êxito dos positivistas.
É preciso, entretanto, colocar nitidamente a questão. A fim de que o equívoco não seja mais possível, vamos fazê-lo o mais claramente que pudermos.
Só podem existir duas suposições quanto à natureza do princípio pensante: matéria ou espírito; uma sujeita à destruição, o outro imperecível.
Todos os meios termos, por mais sutis que sejam, epicurismo, espinosismo, panteísmo, sensualismo, idealismo, espiritualismo vêm confundir-se nestas duas opiniões.
Que importa, diz Foissac, que os epicuristas admitam uma alma racional formada dos átomos mais polidos e mais perfeitos, se essa alma morre com os órgãos, ou se, pelo menos, os átomos que a formam se desagregam e voltam ao estado elementar? Que importa que Spinosa e os panteístas reconheçam que um Deus vive em mim, que minha alma é uma parcela do grande todo? Não concebo a alma senão com o caráter de unidade indivisível e a conservação da individualidade do eu. Se minha alma, depois de ter sentido, sofrido, pensado, amado, esperado, vai-se perder nesse oceano fabuloso chamado a alma do Mundo, o eu se dissolve e desaparece: isto é a extinção e a morte de minhas afeições, de minhas recordações, de minhas esperanças, é o abismo das consolações desta vida e o verdadeiro nada da alma.
Assim, a alternativa é esta: ou com a morte terrestre, todo o ser desaparece e se desagrega, ou dele resta uma emanação, uma individualidade que conserva o que constituía a personalidade, isto é, a memória, e, como consequência, a responsabilidade.
Pois bem, restringindo-nos ao terreno dos fatos, vamos passar em revista as objeções que se nos opõem e demonstrar que a alma é uma realidade que se afirma pelo estudo dos fenômenos do pensamento; que jamais se a poderia confundir com o corpo, que ela domina; e que, quanto mais se penetra nas profundezas da fisiologia, tanto mais se revela, luminosa e clara, aos olhos do pesquisador imparcial, a existência de um princípio pensante.
Gabriel Delanne
Do livro “O Espiritismo perante a Ciência”, Primeira Parte, Cap. I, Temos Alma?, de Gabriel Delanne
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