quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As Lições da Introdução d'O Livros dos Médiuns



Por Abel Sidney


O Livro dos Médiuns é uma dessas obras que merece um estudo acurado, profundo, o que nos exige, por certo, doses maiores de dedicação e constância. Não é, definitivamente, um livro de leitura digestiva, desses para se ler nas horas vagas. É um livro de estudo e pesquisa. E como tal como deve ser lido, estudado e meditado.

A sua Introdução guarda preciosas lições, a começar pela definição do caráter da obra. Kardec imprime-lhe a feição de “estudo sério e completo”. O sério se contrapõe à leviandade com que a mediunidade era tratada em seu tempo (e também no nosso!); o completo refere-se à busca de se estudar por todos os ângulos este tema tão complexo, que é a mediunidade, sem que isso signifique a verdade total ou a última palavra.

Fosse filho de uma cultura utilitarista e mercantilista, como a americana, e Kardec poderia ter caído na doce tentação de publicar um “resumido manual prático, que em poucas palavras desse a indicação dos processos a seguir, a fim de entrar em comunicação com os espíritos”. Entretanto, fosse por ter a exata noção de sua responsabilidade com a Doutrina que estava a edificar; fosse pelo espírito filosófico e cultural francês, que exige profundidade do pensador, decidiu ele evitar “experiências feitas levianamente” que poderiam ocorrer, caso um pequeno manual de como comunicar-se com os mortos fosse publicado.

Publicara ele, antes dessa obra, um pequeno livro chamado Instrução Prática, que fora o embrião, o alicerce da definitiva obra que seria erguida. Esgotada a edição, ele não a reeditou, por considerá-la “insuficiente para esclarecer todas as dificuldades que se podem apresentar” no trato com as manifestações espirituais. O Livro dos Médiuns, fruto de “uma longa experiência e um estudo consciencioso”, fora, pois, o sucessor natural das primeiras instruções. O caráter da obra, anota Kardec na linha seguinte, é o de seriedade, tendo ela por fim “desviar toda idéia de preocupação frívola ou de divertimento” daqueles que lidam com o Invisível.

Quando Kardec comenta sobre “a má impressão” causada por “experiências realizadas levianamente e sem conhecimento de causa”, o que permitiria “os ataques da zombaria e de uma crítica por vezes fundamentada”, ele se referia aos médiuns do seu tempo, que ao se exporem publicamente, em reuniões sem a devida seriedade, causavam um duplo mal: os incrédulos não se convenciam dos fatos e também não se inclinavam “a ver o lado sério do Espiritismo”.

A atualidade do alerta do codificador pode ser percebida em outras atitudes nossas, no movimento espírita. Trata-se da exposição dos dons mediúnicos notadamente da pintura mediúnica e da cura dita espiritual, que longe de convencer os céticos, desperta-lhes o senso crítico, por tratar-se, lamentavelmente, mais de um espetáculo do que propriamente da busca da comprovação da imortalidade da alma, o que aliás, já está suficientemente demonstrada, dispensando-se efeitos pirotécnicos para tanto.

Não por acaso, aponta Kardec, o progresso alcançado pelo Espiritismo nos seus primeiros anos de difusão deveu-se à sua apreciação “por gente esclarecida”, pelo fato da Doutrina ter adentrado pelo “caminho da Filosofia”. A conquista de “partidários valiosos” estaria mais no terreno da reflexão e da busca, próprios da Filosofia, do que na provocação das manifestações mediúnicas, que como simples fenômeno pode não suscitar, de imediato, quaisquer reflexões morais ou filosóficas.

O “número de adeptos feitos só com a leitura de O Livro dos Espíritos” é um atestado do que foi exposto anteriormente. E aqui cabe mais um alerta, desta vez nosso: a sofreguidão de muitos companheiros de conquistar adeptos através da oferta de livros supostamente espíritas. Refiro-me aos tantos recentes lançamentos de “romances mediúnicos” de conteúdo duvidoso, embora de enredo fácil e adocicado. Não se deveria confundir a leitura acessível dos romances espíritas de bom conteúdo e procedência legítima com os citados romances, os quais podem entreter e sensibilizar, mas não educam, por não despertar reflexões profundas, além de trazerem, dissimulados, conceitos errôneos sobre alguns dos pontos básicos da Doutrina.

Nos parágrafos finais desta Introdução Kardec tributa aos espíritos a realização da obra. Em suas palavras: “...como tudo reviram, aprovando ou modificando à vontade, pode-se dizer que, em grande parte, esta é uma obra deles, de vez que a sua intervenção não ficou limitada a alguns artigos assinados.”

Podemos afirmar que O Livro dos Médiuns é um trabalho feito a muitas mãos. Mas o pedreiro e o mestre de obra, se podemos utilizar tal analogia, é de fato Allan Kardec. Os engenheiros, os consultores, estiveram presentes, dando cada qual sua cota de orientação e trabalho. Os tijolos, assentados e reassentados, custou muito do seu suor. E se podemos tomar as palavras de Edison, o inventor da lâmpada elétrica, diríamos que no seu trabalho a inspiração ocupava apenas uma parte, devendo-se o restante à sua transpiração... O seu labor intelectual não conhecia limites; desafiando o cansaço e as doenças que o acometiam. A sua produção literária e as outras atividades paralelas desenvolvidas nos quinze anos (1854-1869) que se dedicou à causa espírita atesta a fenomenal capacidade de trabalho deste espírito. O seu exemplo nos atesta que não podemos dispensar o trabalho constante, a pesquisa e o estudo permanente, a busca da renovação espiritual e a luta pela própria transformação íntima.


Nota: todas as citações entre aspas foram colhidas na Introdução de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, tradução de Júlio Abreu Filho, edição Círculo do Livro.

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