Por Anselmo Ferreira Vasconcelos
Temos de reconhecer, independentemente do nosso credo, que algo muito tenebroso assola presentemente esta pátria. Acordarmos para o enfrentamento de mais uma jornada na matéria e ouvirmos – quase sempre - alguma notícia negativa ou no mínimo embaraçosa para nós brasileiros. Infelizmente, tem sido assim nos últimos tempos. Chamamos a atenção mundial, cada vez mais, por protagonizarmos coisas macabras e sinistras. Para nós, que aqui vivemos, significa tempos difíceis e dolorosos em termos individuais e coletivos. É também muito raro alguma família passar incólume aos males e dificuldades que assombram o país. O certo é que estamos vivendo um grave momento.
Muitos dos males que nos golpeiam dolorosamente advêm – não há como negar – do fato de que somos muito comprometidos perante as leis de Deus. Ao que tudo indica, o Pai alocou para essa parte do planeta almas excessivamente desalinhadas com os objetivos celestiais, isto é, fazer o bem, buscar a coisa certa, agir com ética e cidadania etc. Cogitamos que talvez seja por isso que os escândalos e tragédias estão presentes, praticamente, em todos os setores da sociedade. Nem os clamorosos erros recentes parecem comover certos personagens da vida pública.
Chega a ser desdenhosa a atitude dessas pessoas diante da vida humana e da natureza. A tragédia de Brumadinho, por exemplo, é fruto da mais absoluta servidão aos interesses de César. Não sobra nem sequer respeito a Deus e aos semelhantes. Parece que atingimos um novo patamar de irracionalidade ao desconsiderarmos perigos iminentes ou experiências malsucedidas. Nada toca, assim deduz-se, o coração desses indivíduos frios e calculistas. Desse modo, a indagação de Jesus permanece bem refletir o dilema dos tempos atuais: “E o que tens ajuntado para quem será?” (Lucas, 12:20).
Longe de compreender a posição de destaque e o poder temporal como concessões provisórias e passageiras, o indivíduo divorciado do Evangelho – a bússola moral mais perfeita cedida à humanidade – continua arregimentando o que não poderá carregar além-túmulo. Refletindo sobre essa realidade, o Espírito Emmanuel observa, no livro Caminho, Verdade e Vida (psicografia de Francisco Cândido Xavier): “Por trás do sepulcro, ponto de chegada de todos os que saíram do berço, a verdade aguarda o homem e interroga: - Que trouxeste?”
Como poucos se dão conta desse momento delicado, responde o mentor: “Examinada, porém, a bagagem, verifica-se, quase sempre, que as vitórias são derrotas fragorosas. Não constituem valores da alma, nem trazem o selo dos bens eternos”. Em outras palavras, percebem que as vitórias obtidas no corpo perecível não passaram de vitórias de Pirro. Diante dos seus olhares aflitos, provavelmente quadros dantescos se desdobram, no qual eles tiveram papel preponderante.
Voltando à terrível tragédia de Brumadinho, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, com muita propriedade escreveu: “[...] Hoje, Brasil afora e além, é identificado com a lama, e se fosse só a lama seria pouco, pois sob a lama há os corpos. As imagens do exato momento em que a barragem se rompeu vão ficar para a antologia universal das imagens de terror como a dos aviões a destruir as torres gêmeas. Numa, avançando de lado, a lama é a língua de um réptil gigante a buscar humanos como se fossem insetos: noutra vista de frente, é monstro a expelir vômito de sujeira, veneno e morte. O Brasil não tinha terremoto nem tsunami. A Vale encarregou-se de, numa tacada, corrigir a dupla falha”.
Tenho apenas uma correção a fazer ao brilhante comentário acima: a tragédia foi produzida por gente abrigada sob o manto da referida corporação. Empresas não tomam decisões por si mesmas. Elas precisam de pessoas para fazê-lo por elas. Desse modo, as pessoas que dirigem esse gigante do minério mundial subestimaram – como aconteceu igualmente no episódio anterior de Mariana – todos os perigos subjacentes ao seu negócio, que, por sinal, não são poucos. Nesse caso, nem sequer tiveram o bom senso de proteger os seus próprios funcionários, que tinham o seu refeitório adjacente à montanha de resíduos de ferro. Nenhum relatório de potencial dano ou risco foi suficiente para a tomada de uma ação minimamente preventiva. Ou seja, essa tragédia é vergonhosa por qualquer ângulo que se avalie. Ela depõe contra a inteligência e o senso de empatia.
É claro que a omissão de órgãos públicos, a complacência de políticos e a ganância de executivos têm peso considerável na dimensão dessa tragédia. Lamentavelmente, o que resta é a certeza de que a vida humana e o meio ambiente ainda têm pouco valor para muitas organizações humanas e os seus executivos nesse dealbar de novo milênio.
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