Fundamentos, técnicas e objetivos
A cada dia, a Ciência humana revela que os minerais, os vegetais e os animais constituem fontes inestimáveis de substâncias medicamentosas, fornecendo recursos apreciáveis para a restauração e manutenção da vida e da saúde dos seres vivos, notadamente dos seres humanos.
Por isso, a questão fundamental que se apresenta à reflexão e apreciação é a seguinte: e os seres humanos? Não possuem na sua constituição físico-espiritual recursos naturais que possam, também, ser aplicados na restauração e manutenção da vida, da saúde e do bem-estar do seu semelhante?
Com os avanços da Ciência, verificamos cada vez mais que as substâncias do corpo humano vêm sendo empregadas pela Medicina, por meio da transfusão de sangue e, mais recentemente, pela realização de transplantes de órgãos, na bem-sucedida restauração e manutenção da vida e da saúde do homem.
Todavia, a História da Humanidade atesta que os recursos, que os seres humanos possuem em si mesmos, vão além daqueles extraídos da sua constituição física, comprovados por resultados irrefutáveis, destacando-se principalmente aqueles realizados por Jesus Cristo e relatados fartamente nos evangelhos, os quais foram popularizados pelo termo milagres.
Foram dezenas de curas que beneficiaram cegos, surdos, mudos, leprosos, portadores de deficiências físicas, de perturbações espirituais e outras enfermidades que, se não fosse sua providencial intervenção, por certo teriam alguns permanecido enfermos e até mesmo desencarnado imediatamente.
De acordo com os vários relatos bíblicos, Jesus era uma fonte extraordinária de recursos físico-espirituais que lhe permitiam curar por diversas técnicas como uma palavra, um toque ou um simples olhar, quando era tocado mesmo que fossem em suas vestes e, principalmente, pela imposição de mãos.
Uma indagação relevante que se deve fazer é se nós, os seres humanos ainda imperfeitos, possuímos os recursos para executar obras semelhantes àquelas levadas a efeito por Jesus Cristo.
Essa resposta o próprio Jesus, antevendo a nossa enorme dificuldade, nos antecipou conforme registro feito pelo evangelista João (14:12-13), nos seguintes termos:
Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas: porque vou para junto do meu Pai.E tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho.
Por certo que argumentos contrários e até bem fundamentados, sob a ótica meramente humana, existem, mas entre a visão limitada dos homens e a palavra iluminada do Cristo, que sedimenta nossa fé, ficaremos com Ele, sem a menor sombra de dúvida.
O Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, não deixou lacuna sobre esse magno assunto e na questão 556, de O Livro dos Espíritos, indaga ao Espírito da Verdade: Algumas pessoas têm realmente o dom de curar pelo simples contato?
Eis a resposta:
O poder magnético pode chegar até aí, quando secundado pela pureza dos sentimentos e pelo desejo ardente de fazer o bem, porque então os Espíritos bons vêm em seu auxílio. Mas é preciso desconfiar da maneira como as coisas são contadas por pessoas muito crédulas ou muito entusiasmadas, sempre dispostas a ver o maravilhoso nas coisas mais simples e mais naturais. Também se deve desconfiar dos relatos interesseiros, por parte de pessoas que exploram a credulidade em benefício próprio. (Destaques nossos.)
O próprio Allan Kardec ao final das questões 68 a 70, da obra citada, no capítulo que trata do “Princípio vital”, exara suas sábias e inspiradas considerações, afirmando o que se segue nos últimos três parágrafos:
A quantidade de fluido vital não é absoluta em todos os seres orgânicos. Varia segundo as espécies e não é constante no mesmo indivíduo, nem nos demais indivíduos da mesma espécie. Há os que estão, a bem dizer, saturados de fluido vital, enquanto outros o possuem apenas em quantidade suficiente. Daí, para alguns, vida mais ativa, mais tenaz e, de certo modo, superabundante.
A quantidade de fluido vital se esgota. Pode tornar-se insuficiente para a manutenção da vida, se não se renovar pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm.
O fluido vital se transmite de um indivíduo a outro. Aquele que o tiver em maior quantidade pode dá-lo a quem o tenha de menos e em certos casos prolongar a vida prestes a extinguir-se. (Destaques nossos.)
De acordo com o ensino dos Espíritos, o fluido vital é uma substância existente na Natureza que, absorvido pelos corpos orgânicos, gera um terceiro elemento, que constitui a vida orgânica. Quando o corpo orgânico perde a capacidade de absorver esse fluido vital, a consequência natural é a morte.
O passe foi intensamente praticado por Jesus Cristo, durante o exercício de sua incomparável missão aqui na Terra, pela simples imposição de mãos, o que se pode entender sem nenhuma dificuldade, por meio de uma interpretação meramente literal do registro feito pelo evangelista Mateus (19:13):
Foram-lhe, então, apresentadas algumas criancinhas para que pusesse as mãos sobre elas e orasse por elas.
Essa narrativa de Mateus, portanto, descreve com toda a sua pureza, simplicidade, extensão e profundidade, o conceito de passe, cuja prática foi abolida pelas religiões cristãs, mas em boa hora resgatada pela Doutrina Espírita, por ser um dos principais instrumentos da prática do amor ao próximo, exteriorizando os princípios da compaixão, da misericórdia, da fraternidade e da solidariedade, enfeixados na prática da mais cristalina caridade.
Os encarnados muito têm escrito a respeito do passe, apresentando inúmeras técnicas e movimentos, tornando essa atividade extremamente complexa, a exigir considerável conhecimento de anatomia e de magnetismo e, sobretudo, capacidade de penetração mental capaz de levar o médium a realizar uma espécie de diagnóstico, nos mínimos detalhes, das enfermidades da pessoa assistida, até mesmo identificar os órgãos diretamente afetados.
O Espírito Emmanuel, mentor espiritual do médium Francisco Cândido Xavier, quando indagado a esse respeito, na obra O Consolador, questão 99, elucida o tema com a sua peculiar e magistral simplicidade, ou seja:
Como deve ser recebido e dado o passe?
– O passe poderá obedecer à fórmula que forneça maior porcentagem de confiança, não só a quem o dá, como a quem o recebe. Devemos esclarecer, todavia, que o passe é a transmissão de uma força psíquica e espiritual, dispensando qualquer contato físico na sua aplicação.
Observa-se que o Mentor Espiritual caridosa e sabiamente não quis polemizar o assunto remetendo à técnica que ofereça maior grau de confiança tanto a quem aplica o passe como a quem o recebe, tendo em vista que o elemento mais importante na aplicação do passe é exatamente a fé, movimentada pela vontade firme de quem o aplica e por aquele que o recebe, conjugada com a pureza de sentimentos.
Em segundo lugar esclarece que o passe se realiza pela transmissão de força psíquica do médium, combinada com as energias oriundas da Espiritualidade Superior, dispensando, em qualquer circunstância, o toque físico.
A força psíquica e espiritual é denominada pelos Espíritos de fluido misto, por conter substâncias fluídicas do médium unidas às substâncias espirituais, provenientes dos Espíritos, os quais são, efetivamente, os químicos que elaboram as substâncias medicamentosas adequadas a cada pessoa assistida, segundo suas necessidades.
Esse fluido misto ou força psíquica e espiritual tem a capacidade de penetração no corpo das pessoas como a água penetra no seio da terra, promovendo a umidade e, consequentemente, a vida em suas múltiplas expressões.
Alguém pode, com razão, objetar que Jesus Cristo utilizou-se várias vezes do toque, contrapondo à orientação do Espírito Emmanuel.
É verdade! Contudo, devemos lembrar que Jesus ensinou e praticou sua mensagem em consonância com o tempo, as condições e, principalmente, as necessidades do povo da época, a fim de se fazer entendido.
O toque era uma necessidade das pessoas por Ele atendidas e não um fundamento indispensável ao fenômeno, tanto que nem todas tiveram essa necessidade, posto que foram realizadas curas até mesmo a distância, conforme relatado com a maior clareza pelo evangelista Mateus (8:5-13), quando deixa absolutamente esclarecido que foi a inabalável fé do centurião que propiciou a cura de seu servo sem que fosse necessário Jesus se deslocar até sua casa.
Além disso, não se pode esquecer que a obra de Deus obedece a critérios superiores dos seus desígnios como a justiça, o amor e o bem, fundamentos que regem os fenômenos gerais da Natureza, nas mínimas circunstâncias, de sorte que a eficácia de uma cura não ocorre à revelia desses princípios maiores, oriundos do seu absoluto poder, da sua inteligência suprema e do seu inesgotável amor. Nem sempre a cura de uma enfermidade, em determinado momento, é o melhor que pode acontecer a alguém. É necessário compreender que as enfermidades não constituem castigo, descuido e muito menos vingança de Deus, mas um processo natural de aprendizado, terapia e reajustamento do Espírito imortal, sob o absoluto controle da justiça, do amor e do bem, com vistas ao cumprimento da Lei de Causa e Efeito.
No que concerne à frequência e ao tempo que uma pessoa pode permanecer recebendo o passe, deve ficar por conta do livre-arbítrio e do sentimento de necessidade de quem o recebe, sem o menor constrangimento, uma vez que um dos objetivos do passe é proporcionar bem-estar à pessoa pela revitalização fluídica e, neste caso, funciona como os remédios com recomendações médicas dos horários e em caráter permanente ou não, o que não impede que as pessoas sejam caridosamente esclarecidas de que o passe, assim como todo medicamento, deve obedecer ao princípio da real necessidade. Não tendo, porém, o menor fundamento a crença de que o passe em excesso fará mal a quem o recebe. Isso, com todo respeito, não seria passe.
É extremamente importante que o médium se liberte dos preconceitos geradores das censuras, visto que esse sentimento de reprovação, naturalmente, elimina no médium, naquele momento, a pureza de sentimentos, sem a qual suas energias se tornam impróprias para a finalidade dessa nobilíssima tarefa: o passe.
Como exemplo, citamos a narrativa do evangelista Marcos (10:13 a 16):
Apresentaram-lhe então crianças para que as tocasse; mas os discípulos repreendiam os que as apresentavam. Jesus, porém, vendo isso, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais; porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham.
Em verdade vos digo, todo o que não receber o Reino de Deus como uma criança, nele não entrará.
Em seguida, Ele as abraçou e as abençoou, impondo-lhes as mãos. (Destaques nossos.)
Por certo que os discípulos, naquele momento, pelo sentimento de reprovação à atitude das crianças, não estavam em condições de aplicar-lhes o passe.
Portanto, o passe é uma transfusão de energias fluídicas, constituídas da combinação de substâncias humanas e espirituais, transmissíveis de um ser humano a outro, sob o extraordinário poder da fé, por meio da prece e a imposição de mãos, com o objetivo de repor e restaurar o fluido vital de quem o recebe, podendo promover até a cura de certas enfermidades, condicionada, porém, aos princípios da justiça, do amor e da bondade de Deus.
Revista Reformador, ed.08/2016
REFERÊNCIAS:
KARDEC. Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 2.imp. Brasília: FEB, 2014.
XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 3. imp.Brasília: FEB, 2016.
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