segunda-feira, 16 de junho de 2014

Objetos de Culto e Espiritualização do Pensamento


Adeptos de muitas religiões, desde um passado longínquo, valem-se de objetos destinados a reforçar a fé que professam e servir-lhes de meio de ligação com Deus ou os seres que, dentro da crença que possuem, são os representantes maiores da Bondade Divina junto aos homens. Estátuas, talismãs, colares e correntes, medalhas, “santinhos”, roupas especiais e outros objetos de culto são utilizados largamente por fiéis, dentro e fora de templos religiosos, com vistas a promover um contato mais estreito com o “Alto” (como costumamos chamar os Espíritos de elevada hierarquia ou os planos superiores que estes habitam). A Doutrina Espírita mostra-nos que não é necessário o uso de elementos exteriores para o cultivo da espiritualidade e da elevação do pensamento, ao nos trazer o conhecimento das leis mentais e de como estas funcionam. Justamente por compreender a finalidade a que esses objetos se destinam (desde que a serviço do sentimento sincero de devoção e do desejo de vínculo com as forças do bem), devemos respeitar tais comportamentos em irmãos que pertencem a outras escolas religiosas. Ao mesmo tempo, esclarecidos pelos ensinamentos da Codificação Kardequiana e obras complementares, cabe-nos desenvolver a disciplina mental e a capacidade de realizar esse vínculo com as esferas mais elevadas sem recorrer a “interfaces” materiais, e de forma cada vez mais natural e permanente.

É comum, depois de nos tornarmos espíritas, menosprezarmos ou ridicularizarmos (mesmo que apenas em pensamento) o uso de objetos de culto pelos adeptos de outras religiões. Por compreender que é possível direcionar a mente para a Espiritualidade Maior sem nenhum auxílio externo, por vezes taxamos aqueles que utilizam tais objetos de pessoas ignorantes ou de religiosidade inferior à nossa. De fato, o uso de “penduricalhos místicos” é uma consequência da pouca evolução espiritual da humanidade terrena, que ainda, em sua maioria, depende de recursos físicos para expressar o sentimento religioso, que é inato ou inerente à alma. Livrar-se desse tipo de intermediação é passo importante no processo de despertar, libertação e ampliação da consciência (assim como o aprimoramento da concepção que fazemos de Deus, da vida e seu sentido mais profundo, das Leis Divinas, seu propósito e seus mecanismos, dentre outros pontos). Entretanto, não devemos desprezar ou diminuir o esforço feito pelos que recorrem a objetos de culto (desde que o façam com finalidade nobre e construtiva), nem subestimar o papel que esses elementos desempenham ou a sua utilidade para estas pessoas, como explica André Luiz, na seguinte passagem da obra “Mecanismos da Mediunidade”:

“Em toda a parte, desde os amuletos das tribos mergulhadas em profunda ignorância até os cânticos sublimados dos santuários religiosos dos tempos modernos, vemos o reflexo condicionado, facilitando a exteriorização de recursos da mente, para o intercâmbio com o plano espiritual.

Talismãs e altares, vestes e paramentos, símbolos e imagens, vasos e perfumes, não passam de petrechos destinados a incentivar a produção de ondas mentais, nesse ou naquele sentido, atraindo forças do mesmo tipo que as arremessadas pelo operador dessa ou daquela cerimônia mágica ou religiosa e pelas assembleias que os acompanham, visando a certos fins.” (1)

Com o auxílio de objetos exteriores, muitos Espíritos, ainda mergulhados em crenças supersticiosas, conseguem exteriorizar e canalizar seus pensamentos (“recursos da mente ou ondas mentais”) mais facilmente, na tentativa de estabelecer a desejada sintonia com o Criador ou os Espíritos Superiores que Lhe executam os desígnios (nas orações proferidas pelos que procuram a Deus, sabemos que vêm em nosso amparo os seres que já se constituíram em emissários do amor divino).

A crença com que fiéis de determinadas religiões se apegam a esses apetrechos, acreditando que neles se encontra um meio de conectarem-se a Deus ou aos seres de grandiosa elevação moral com quem pretendem comunicar-se, pode levar à mobilização de ondas mentais que se conjugam com aquelas emitidas pelo condutor de uma reunião ou cerimônia religiosa (no caso de haver a figura deste “coordenador” de esforços mentais), e que sincronizam com a presença e a vibração dos mentores que amparam essas reuniões.

Como bem acentua Andre Luiz, essas ondas podem ser de tipo enobrecido ou envilecido, atiradas então para o bem ou para o mal. Pode-se, portanto, operar também a sintonia com planos inferiores, se tais objetos motivarem a emissão de ondas mentais negativas, enfermiças ou de baixo padrão vibratório, normalmente em assembleias organizadas por líderes que esposam ideias e ambições contrárias à paz e ao amor (e que atuam sob a influência de entidades infelizes cujo saber ainda é empregado integralmente na prática do mal).

O Espiritismo não possui fórmulas, ritos, dogmas, símbolos, emblemas ou talismãs, que ainda são consequências do primarismo espiritual que caracteriza boa parte dos Espíritos reencarnados na Terra. Ensina-nos também que a nossa ligação, na condição de encarnados, com as esferas espirituais é permanente, e depende fundamentalmente do estado interior ou clima psíquico com que nos apresentamos a cada instante (estamos sintonizados, onde quer que estejamos, com os seres cujos pensamentos, ideias, emoções, aspirações e desejos se afinam com os nossos, nas diversas dimensões que compõem o universo). Ao invés de buscar o elo com o Criador ou as Forças Espirituais Superiores que a Ele servem, apenas durante uma cerimônia religiosa, o Espiritismo nos adverte da necessidade de procurar esse vínculo de forma ininterrupta, através de uma conduta mental cada vez mais ajustada com os princípios nobres e superiores da vida. O meio para atingir tal objetivo é internalizar, de forma crescente, aspirações, ideias, pensamentos e sentimentos alinhados com o Bem Supremo e que expressem a vivência dos ensinamentos de luz e amor do Evangelho. Ao falar sobre a oração, no mesmo capítulo de “Mecanismos da Mediunidade”, André Luiz explica:

“Observamos, em todos os momentos da alma, seja no repouso ou na atividade, o reflexo condicionado (ou ação independente da vontade que se segue, imediatamente, a uma excitação externa) na base das operações da mente, objetivando esse ou aquele gênero de serviço.” (2)

É neste ponto que entra a reflexão que todo espírita sincero deve fazer a respeito do padrão vibratório e do tipo de pensamento que sustentamos na maior parte do tempo, e a indisciplina que ainda vige nas ondas mentais que emitimos. Como vai o esforço de cada um de nós, privilegiados pelo conhecimento das Leis que regem a vida nas esferas invisíveis ao olhar físico, no sentido de manter o pensamento elevado e colocar-se em comunhão incessante com as Forças do Bem? Se já nos conscientizamos de que não precisamos de objeto algum para promover essa integração mental com o Alto, o quanto estamos nos dedicando para criar essa ligação? Como está o nosso empenho no que se refere ao controle do que sai da própria mente, buscando esvaziá-la de conteúdos daninhos e preenchê-la de material mais elevado e sublime?

Muitas vezes, pegamo-nos gastando tempo precioso com a simulação mental de diálogos conflituosos com outras pessoas, ou com ideias negativas e de pessimismo. Ou nos isolando em pensamentos de revolta diante do que não conseguimos obter – e que talvez nos fosse fazer mais mal do que bem – no lugar de cultivarmos gratidão pelas inúmeras bênçãos e possibilidades com que somos agraciados pelo Criador todos os dias, mas que passam muitas vezes despercebidas. Ou fazendo crescer a mágoa ou o ódio pelos que nos agridem, ao invés de utilizarmos o poder do pensamento para refletir sobre a realidade evolutiva e impermanente dos que nos cercam, exercitando o raciocínio sobre por que tolerar e compreender os que tentam nos prejudicar. Se tal reflexão mencionada acima for feita, constataremos, sem dificuldades, que não empregamos nem 10% do tempo que poderíamos utilizar na projeção de pensamentos de luz sobre nós mesmos e os que estão à nossa volta, ou na ligação com nossos mentores, pedindo forças e inspiração para transpor dificuldades e superar as imperfeições das quais devemos nos despojar.

Não se pode negar o fato de que, para o nosso atual estágio evolutivo, é ainda demasiadamente difícil manter um padrão vibratório elevado a todo instante, principalmente quando premidos por circunstâncias que ainda têm o potencial de nos fazer esquecer rapidamente os ensinamentos de luz e amor do Cristo. A agitação do dia-a-dia, a busca do atingimento de objetivos efêmeros, a correria para atender aos inúmeros compromissos que assumimos, desarmonias no ambiente do lar e do trabalho, e as distrações com que o mundo nos seduz (basta notar a facilidade com que muitos se perdem por horas diante da programação das emissoras de televisão), dentre outros fatores, frequentemente impõem grandes empecilhos ao exercício do pensamento que exprime a ligação mental de ordem superior, de forma natural e ininterrupta. Também a fixação mental na área dos impulsos e dos instintos é grande barreira ao adestramento da mente, pois nos encarcera dentro do círculo das paixões inferiores, maior componente do nosso passado espiritual e das quais devemos paulatinamente nos desvencilhar. Com isso, fechamo-nos para o recebimento das orientações que mentores espirituais procuram nos transmitir, colocando-nos em posição de completa falta de alinhamento com a vibração das entidades nobres e o pensamento iluminado que estas procuram fazer fluir sobre nós.

A saída, como recomendado também para o desenvolvimento de outras virtudes ou qualidades da alma, está no treinamento constante, por intermédio do esforço ininterrupto para manter uma atitude íntima de oração que nos vincule a nossos mentores e demais representantes da Vida Maior. Uma das propostas do processo de evolução, no qual nos encontramos, é a de convergirmos cada vez mais ideias e emoções com a luz dos planos superiores do espírito, tornando natural e incessante o contato com aqueles que, do “outro lado da vida”, tentam orientar-nos e sustentar-nos a caminhada. O roteiro para atingirmos gradualmente esse estado é o da elevação de propósitos e renovação interior, lutando contra o potencial perturbador do torvelinho das pressões diárias. Criar a disciplina desejada da mente, eliminando comportamentos infelizes também na área dos pensamentos, exige mudança significativa e treino paciente da parte de quem o pretenda, e está intrinsicamente relacionado com o agir enobrecido. Andre Luiz, ainda em “Mecanismos da Mediunidade”, esclarece sobre a necessidade de consagrarmo-nos ao bem, sustentando atitudes dignas e compatíveis com uma postura mental mais elevada, a fim de usufruirmos dos benefícios salutares da interação com mentores e demais mensageiros do Cristo:

“Dai resulta o impositivo da vigilância sobre a nossa própria orientação, de vez que somente a conduta reta sustenta o reto pensamento e, de posse do reto pensamento, a oração, qualquer que seja o nosso grau de cultura intelectual, é o mais elevado toque de indução para que nos coloquemos, para logo, em regime de comunhão com as Esferas Superiores.

De essência divina, a prece será sempre o reflexo positivamente sublime do Espírito, em qualquer posição, por obrigá-lo a despedir de si mesmo os elementos mais puros de que possa dispor.

No reconhecimento ou na petição, na diligência ou no êxtase, na alegria ou na dor, na tranquilidade ou na aflição, ei-la exteriorizando a consciência que a formula, em efusões indescritíveis, sobre as quais as ondulações do Céu corrigem o magnetismo torturado da criatura, insulada no sofrimento educativo da Terra, recompondo-lhe as faculdades profundas”. (3)

Em outra obra de André Luiz, "No Mundo Maior", o instrutor espiritual Calderaro assim se expressa sobre a relação entre conduta mental e evolução espiritual: "Para que se efetue a jornada iluminativa do espírito, é indispensável deslocar a mente, revolver ideias, renovar as concepções e modificar, invariavelmente, para o bem maior o modo íntimo de ser..." (4)

O apóstolo Paulo transmitiu ensinamento semelhante, ao nos deixar a famosa orientação contida na Carta aos Romanos, capítulo 12, versículo 2: “E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (5)

Nossa trajetória, como os Luminares da Espiritualidade revelaram a Kardec, na Codificação, é sempre de progresso, melhoria e ascensão. Época virá em que a disciplina do pensamento e a comunhão perene com os planos superiores, serão tão importantes para a mente encarnada quanto o consumismo, a ânsia pelo poder efêmero, a busca irracional de prazeres corrosivos, ou a paranoia da estética o são nos dias atuais. E essa ligação será realizada com o uso do recurso mais poderoso (e o único do qual necessitamos) para tanto, que é o pensamento bem-direcionado de todos os que procurarem instituir o “Reino dos Céus” em si mesmos. Nesse futuro - que fatalmente chegará para todos - o amor terá penetrado integralmente nossas mentes e nosso modo de ser (o pensar, o sentir e o agir). E cada homem ou mulher irá passar por essa transformação ao seu tempo e à sua maneira, como consequência do despertar inevitável para a realidade transcendental da vida e de si mesmo.


Tales Henrique da Silva Waisberg


Bibliografia:

(1) Luiz, Andre (Espírito). Mecanismos da Mediunidade / psicografado por Francisco Candido Xavier e Waldo Vieira, 25ª edição, FEB (2006), pág. 193 e 194
(2) Idem, pág. 195
(3) Idem, pág. 195
(4) Luiz, Andre (Espírito). No Mundo Maior / psicografado por Francisco Candido Xavier, 24ª edição, FEB (2005), pág. 259
(5) Paulo. Carta aos Romanos, 12:2

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