sábado, 14 de junho de 2014

Espiritismo e Copa do Mundo


O título deste ensaio, por si só, deve provocar uma reação de surpresa e dúvida por parte do leitor. Afinal, qual é a relação que existe entre a Doutrina Espírita e um dos maiores eventos esportivos do mundo contemporâneo? Introdutoriamente, assim, pode-se afirmar que qualquer situação humano-espiritual está ao alcance da consideração espiritista, sem que tenhamos a intenção de justificar ou referendar as atitudes humanas, mas, pelo contrário, a proposta é aproveitar as diversificadas situações da vida material, como mote para as apreciações (oportunas) dos fatos à luz do Espiritismo.

A Copa do Mundo é um evento que, sabidamente, ocorre de quatro em quatro anos, entre agremiações esportivas que representam a bandeira e as cores dos países que dela participam (conforme critérios de acessibilidade numa competição prévia – eliminatórias – ou por ser o país-sede do evento). Por detrás da prática desportiva (que envolve pessoas que a exercem com ânimo profissional – atletas, dirigentes e árbitros) –, há, com certeza, diversos fatores, entre os quais, citamos, exemplificativamente, os de cunho geopolítico, econômico e social, que podem ser determinantes para a polarização dos interesses do público que comparece (preferencialmente) aos jogos, tanto quanto para aqueles que, mesmo situados nos lugares mais longínquos, acompanham, pelos meios de comunicação, as partidas.

A Copa é, portanto, uma grande festa, marcada substancialmente pela pluralidade cultural e étnica, onde desfilam caracteres e expressões que contemplam povos, raças e gerações, numa indizível miscigenação. Guardadas as devidas proporções, tem-se que, em regra, mesmo com as dicotomias da linguagem articulada (idioma) e gráfica, as pessoas conseguem se comunicar, se entender e se respeitar. Excetuando-se, é claro, alguns seres que ainda estagiam em níveis psicológicos de perturbação e violência, pode-se afirmar, com tranquilidade, que a acirrada competição nos gramados, calcada na disputa pela vitória, superando adversários, não se estende para as arquibancadas, pois a “ficção” que é representada pelos embates esportivos não corresponde, na vida “real”, à aniquilação de uns por parte de outros (permita-nos o leitor, que nos antecipemos em dizer que, apesar da existência, no presente ou em tempos idos, de governantes tiranos, déspotas e beligerantes, aqueles que, inclusive, dizimaram ou tentam dizimar seus “opositores”, a imensa maioria dos povos prefere a convivência pacífica e harmoniosa).

Sob a ótica espírita, então, como pode ser encarado (e interpretado, mesmo que por analogia) o acontecimento em tela? Vamos, pois, aos elementos que, em nossa visão e análise, merecem destaque e digressão.

Primeiramente, o esporte (e tudo aquilo que com ele se relaciona – patrocínios, comunicação, tecnologia, alimentação, hospedagem, lazer, comércio, etc.) – configura a dedicação e o interesse (direto ou indireto) de espíritos encarnados nas ocupações materiais da vida, o que recebe o título conceitual de trabalho. Emmanuel, num de seus oportunos escritos, certa feita, já havia afirmado: “Toda ocupação útil é trabalho”. Neste sentido, complementarmente, a vitória no competitório, representada pela taça, materializa a conjugação de esforços (coletivos) para tal intento e, nesta acepção, pode-se dizer que “ganhou o mais capaz”, isto é, aquele que mais trabalhou (para tal desiderato).

A competição esportiva, por extensão, é regida por regras (rígidas) que contemplam a punição aos faltosos (os cartões amarelos e vermelhos, os exames de “antidoping”, a suspensão e/ou a exclusão de participantes), seja pela atuação (direta e imediata) dos árbitros, seja posteriormente a cada jogo, por análises e deliberações de órgãos colegiados. Aqui, uma verossímil semelhança com a sistemática da Justiça Divina, que, a partir de um sistema de compensação (ação e reação), determina a forma pela qual os seres saldam seus débitos e restituem possíveis prejuízos causados. Não é necessária, assim, a presença de um Tribunal Espiritual, pois o próprio ser é o juiz de si mesmo. A principal distinção entre as avaliações do esporte e os atos judiciais espirituais é que, no âmbito destes últimos, não existem “injustiças” nem os erros comuns ao nível humano e suas imperfeições.

Em segundo plano, o objetivo da competição futebolística é a vitória, que representa a adoção da melhor estratégia, com os recursos disponíveis, frente aos distintos desafios que constituem a competição, desde a fase inicial, passando pelas oitavas, quartas, semifinal e final. Assim também o é em relação às lutas e embates do cotidiano humano-espiritual, quando cada indivíduo adota estratégias, programa-se para o futuro, reúne credenciais e qualificações para superar suas limitações e “ser o melhor”. A vitória é, assim, do ponto de vista espiritual, uma conquista, e não obra do acaso, da sorte, ou da “conspiração (a favor) dos deuses”. Se, no caso do esporte, um lance casual, uma infelicidade de algum atleta, ou um erro humano podem determinar um resultado, na vida, a equação merecimento-competência-trabalho parece ser a mais adequada para representar o conjunto da trajetória exitosa de todos os espíritos, uns mais rapidamente do que outros, é bem verdade.

No cenário da vitória, deve ficar evidente que a ambição não assume contornos de vaidade e egoísmo, ou de prepotência e arrogância – tão comuns no esporte – mas, em verdade, devem sobressair aspectos relacionados ao desenvolvimento de virtudes como a perseverança, a dedicação, o comprometimento e a participação efetiva daqueles que desejam vencer. No plano ideal da existência espiritual, deve o ser alegrar-se com o sucesso, mas, ao contrário das manifestações materiais, a alegria do companheiro (e, até, do adversário) é compartilhada mesmo pelos “derrotados”, pois todos, indistintamente, mais dia menos dia, alcançarão os objetivos finalísticos.

Outro ponto a salientar – principalmente nos últimos tempos – é a questão do “fair play”, isto é, a solidariedade, o “jogo leal”, que principia por pequenos gestos, no próprio jogo, em que a bola é colocada para fora de jogo para que um atleta (contundido) seja atendido, os jogadores se desculpem em virtude de alguma jogada mais ríspida, e a bola, igualmente, seja devolvida para o time que detinha sua posse, no momento da interrupção da partida. Esta deve ser, em essência, a tônica dos relacionamentos humanos, e passa a ser rotina quando o ser desperta para certas necessidades e passa a tratar o semelhante do mesmo modo como deseja ser, por ele, tratado. Isto, fundamentalmente, diferencia os seres entre si, de modo que a assunção de uma postura pró-ativa, solidária e construtiva, causa reações nos circunstantes, provocando, nestes últimos, a oportuna reflexão que impele à mudança.

Temos presente, neste peculiar, que, principiando por fazer o bem àqueles que, também, favoravelmente nos tratam – aquilo que a lição evangélica identifica como o amor aos parentes e seres mais próximos de nós – evolui para a consideração dos outros seres que nos rodeiam, até alcançar os que se comportam ou se dizem nossos inimigos: adversários de ontem ou de hoje, que estagiam conosco no aprendizado de todos os dias.

Por fim, ainda que num exercício de ufanismo (ou utopia), resta-nos considerar que o verdadeiro congraçamento entre atletas e torcedores pelos estádios da Copa do Mundo, sejam representativos de uma futura atmosfera de total entendimento entre os seres que, mais despertos para as realidades espirituais, possam envidar todos os esforços no sentido da compreensão do semelhante, da harmonia entre indivíduos e povos, numa festejada fraternidade.

Quem sabe um dia, o exemplo do esporte esteja estampado no cotidiano de nossas vidas!


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Marcelo Henrique Pereira, Doutorando em Direito e Assessor Administrativo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo - ABRADE.

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