quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Deolindo Amorim e a Literatura Espírita


A figura reconhecida de *Deolindo Amorim (1906 -1984) comparece nesta edição. Muito mais importante do que falar de Deolindo ou dos seus pontos de vista, é apresentar seus argumentos; vamos, pois, a eles.

Existe realmente uma literatura espírita?

A resposta não é tão simples como parece. Literatura, por extensão, é a produção intelectual de um povo. É, indiscriminadamente, tudo quanto se publica. Por isso mesmo, diz-se literatura médica, literatura científica, religiosa, folclórica etc. Literatura, na linguagem corrente, é um conceito global, envolve todas as manifestações da vida intelectual.

Mas no sentido específico, exige certos padrões, tem suas normas classificatórias. Segundo este critério, um tratado de Física, por exemplo, é uma produção intelectual de alto valor, mas não é uma obra literária. Pode acontecer, no entanto, que o cientista, com inclinação ou vocação para as letras, dê uma forma literária a seus trabalhos. Há poesia também na prosa. Poeta não é somente quem faz versos. Temos o caso de Léon Denis: sua obra tem muita poesia em prosa, mas não é fantasia. E Flammarion? Tratou de ciência, mas o fez de tal forma, que o chamam de "poeta dos astros". Especificamente, literatura pressupõe o romance, a poesia, o conto etc. Obra literária, portanto, é a que preenche uns tantos requisitos que possam caracterizá-la com tal.

Se assim é, podemos falar em literatura espírita...

Acho que sim. Digo acho, porque não me julgo credenciado para firmar opinião. A verdade é que temos romances, poemas, sonetos e muitas páginas verdadeiramente antológicas. E não é literatura? Temos também trabalhos críticos, embora poucos, relativamente. Aliás, há uma lacuna em nosso meio, em relação ao exercício da crítica. Se quisermos aplicar o critério da generalidade, tomando a palavra literatura na acepção indeterminada, ainda assim, é válida a assertiva de que existe realmente uma literatura espírita, pois a nossa bibliografia, nacional e estrangeira, é imensa. Temos obras de caráter científico, histórico, filosófico, literário. Tudo isto, em conjunto, é o que chamamos literatura espírita.

Mas não será necessário especificar, apesar disto?

De acordo. Deixando então de lado as obras que enveredam pelo campo científico, poderíamos indicar tranquilamente muitas outras obras espíritas com evidente teor literário. Através do romance, da poesia, da boa prosa, enfim, identificamos uma literatura espírita com características próprias.

E quanto às obras mediúnicas?

Seria objeto de um capítulo especial. A despeito da negação sistemática de alguns adversários do espiritismo, não se pode ignorar um fato notório: já nos veio do mundo espiritual, pela via mediúnica, um acervo apreciável de obras. Os poetas e romancistas do além estão aí, nas estantes espíritas. Já não é possível negar a existência de uma literatura espírita, pois as obras de conteúdo literário estão à vista de todos, embora os objetivos precípuos nem sempre possam coincidir com os objetivos da literatura comum.

E a respeito da crítica no meio espírita?

O assunto é muito sensível, tem sutilezas, mas não se pode tratar de literatura sem pensar na necessidade da crítica. É muito inconveniente, senão prejudicial à própria divulgação da doutrina. Aceita-se tudo, sem literatura meditada e sem crítica, apenas porque veio do Alto... O meio espírita precisa intensificar mais o hábito da leitura em profundidade. Quem não está bem informado ou quem está desatualizado culturalmente não tem condições de fazer crítica. Estou falando em crítica honesta e bem-intencionada, a crítica que não destrói, mas ajuda. Para isso, porém, é necessário melhorar a bagagem de cultura.

Há uma preferência muito acentuada pelas obras mediúnicas.

Não se pode censurar ninguém por causa disto. E quem é que não aprecia um livro suave, que conforta e reanima com ensinos claros, como tantos e tantos livros de nossa literatura mediúnica? Leio muitas obras de caráter mediúnico, faço as minhas anotações e tiro grande proveito espiritual. Há, entretanto, muito exagero a este respeito. Dá-se muito mais importância às obras ditadas do Alto do que ao trabalho daqueles que estudam, pesquisam e escrevem por amor à causa espírita. Há pessoas que 'devoram' logo, com toda a sofreguidão, qualquer mensagem que apareça, desde que venha do plano espiritual, mas nem sequer tomam conhecimento dos livros ou dos artigos que são lançados constantemente. É uma direção muito unilateral e, por isso mesmo, deforma a visão da literatura espírita, que não é apenas mediúnica, mas também humana.

(*)Deolindo Amorim foi um jornalista, sociólogo, publicitário, escritor e conferencista espírita brasileiro. Colaborou no Jornal do Comercio e em praticamente toda a imprensa espírita do país.

Entrevista sintetizada, publicada no Suplemento Literário do Correio Fraterno, edição n. 111, de março de 1980. Editor: Wilson Garcia.

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