Eu não saberia dizer a relação existente entre mediunidade e sofrimento... Os meus instantes mais produtivos na mediunidade foram também os de maior luta. Reclamar das dificuldades que tenho enfrentado seria negar as bênçãos que a mediunidade me tem proporcionado no trabalho com os Bons Espíritos.
Certa vez, um repórter me perguntou se eu estaria disposto a começar tudo outra vez... É claro que recomeçaria. Para mim, a mediunidade na Doutrina Espírita tem sido uma alegria. O que eu não sei é se os Espíritos Amigos estariam dispostos a recomeçar comigo... As minhas imperfeições são tantas... Creio que tenho dado a eles, os Espíritos Benfeitores, mais trabalho, ou seja, eles têm tido mais trabalho comigo do que eu propriamente tenho trabalhado com eles...
Quem mais sofre no mundo é quem tem mais tempo para si mesmo. Quando o sofrimento alheio nos incomoda, o nosso não nos incomoda tanto... Eu tinha que ir para o "Luiz Gonzaga" escutar o povo, escutando aquela fila, acabava me convencendo de que o que eu sofria não era nada... A gente tem a mania de dramatizar em excesso a própria dor!
Passei fome, passei frio - Pedro Leopoldo sempre fez muito frio, ventava muito... A nossa casa não era forrada... Às vezes, a gente não tinha o que comer - era uma panela ou duas no fogão... Mas ninguém em casa morreu por causa das privações que passávamos. A gente comia só arroz, chuchu... De vez em quando, uma mandioca, ovos; carne era muito difícil... Sempre tive muito bom apetite. Caso tivéssemos tido excesso de comida em casa, eu haveria de me empanturrar... E a mediunidade?! Como eu seria capaz de produzir de barriga cheia, se, muitas vezes, os Espíritos Amigos aproveitavam os minutos que me sobravam da folga do almoço para escrever?! Penso que tudo que passei na Vida tinha uma razão de ser; o meio aparentemente adverso em que eu nasci era o que eu necessitava para servir na condição de médium...
Não há problema que não possa ser solucionado pela paciência. A paciência desarticula os mecanismos do mal... Aquele que não se altera diante da prova, não reagindo às provocações, ignora o mal... A impaciência é a reação que quem nos provoca está esperando. A melhor maneira de frustrar o mal é colocar em prática as sugestões do bem. Não me considero um homem de paciência, mas, se acaso não tivesse aprendido com os Bons Espíritos algo do valor dessa virtude, eu teria criado mais sérios embaraços para a minha própria vida... Os obstáculos no exercício da mediunidade sempre me foram um desafio constante. Não me lembro de um só dia que tivesse atravessado sem problemas...
Muitos companheiros espíritas nunca puderam entender o meu contato com o povo; prefeririam que eu ficasse apenas na mediunidade, na produção de livros... Ora, se me fosse dado escolher entre a tarefa da mediunidade com os livros e o serviço da mediunidade com os sofredores, eu ficaria com os sofredores, pois também me considero um espírito sofredor; ficaria com aqueles que me consolariam com as suas dores - dores semelhantes àquelas que eu também sinto... De modo que, embora respeite profundamente a opinião dos confrades, fico com a minha necessidade espiritual. Deus me livre da solidão de um gabinete, onde apenas os espíritos me fizessem companhia!...
Não consigo entender mediunidade sem espírito de sacrifício. Quem abraça a mediunidade esperando isentar-se de dificuldades, está cometendo um equívoco muito grande. Não há uma só página da Codificação em que Allan Kardec tenha dito que as coisas para os médiuns seriam amenas. Mediunidade é um compromisso que sempre me pesou muito. Sou feliz na minha condição de médium; a mediunidade, sem dúvida, é uma alegria, mas uma alegria que não nos permite extrapolar...
A caridade sempre foi a força que me sustentou; tudo sempre valeu a pena por causa dela... Quando ficava muito aborrecido comigo mesmo, com as minhas imperfeições e erros, procurava a periferia da cidade, visitando as favelas... Sempre encontrei na prática do bem a mensagem de consolação e o conforto espiritual de que me achava carente! Eu pensava comigo: Meu Deus, a minha vida não é tão inútil assim!... "As pessoas se alegravam com a minha presença; eu me sentava com elas e ficávamos longos minutos conversando... Éramos iguais. Ali, eu pensava em muita coisa... Aqueles irmãos e irmãs ignoravam o meu mundo de lutas, as críticas que recebia, as calúnias, os ataques da imprensa, a incompreensão dos companheiros... Eu voltava refeito para casa. Trocava um pedaço de pão por energia para o dia seguinte. O sorriso daquela gente me acompanhava... Aquelas senhoras pobres me abençoavam... O médium que vive distante da vivência na caridade não possui retaguarda... Emmanuel me ensinou isto. Ele me dizia: - "Chico, deixemos os nossos escritos"; a página mediúnica pode esperar um pouco; é hora de você se reabastecer... Vamos para a periferia!" E eu ia com ele ou ele comigo, não sei... Quando na minha cabeça eu já tinha esquecido tudo, voltava para a psicografia... Sem a caridade, o médium não consegue sustentar o vínculo com a sua própria espiritualidade!...
Compreendendo que todos os atos de filantropia são sementes de solidariedade humana que não nos é lícito menosprezar. Sem qualquer ideia de bajulação, acredito que a Igreja Católica sempre fez por nós o melhor que ela consegue; e se não faz ainda melhor, é que todo o Cristianismo, seja neste ou naquele setor que o reflete, será sempre a imagem de nós mesmos. Se nos melhorarmos individualmente, estaremos elevando todo o grupo a que nos ajustamos. Cremos que a caridade, em nossas obras sociais, será sempre necessária, em suas demonstrações e vivências, porquanto, de um modo ou de outro, seremos sempre requisitados ao amparo mútuo, ainda mesmo quando tivermos resolvido o problema urgente da educação e da distribuição do trabalho, em nossa vida coletiva.
Chico Xavier
Trechos de citações proferidas pelo médium Chico Xavier publicadas no livro, O Evangelho de Chico Xavier, de Carlos A. Baccelli.
Sobre o autor
Francisco Cândido Xavier (2 de abril de 1910, Pedro Leopoldo, Minas Gerais - 30 de junho de 2002, Uberaba, Minas Gerais), Chico Xavier psicografou mais de 450 livros, tendo vendido mais de 50 milhões de exemplares e sendo o escritor brasileiro de maior sucesso comercial da história, mas sempre cedeu todos os direitos autorais dos livros, em cartório, para instituições de caridade.
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