segunda-feira, 20 de junho de 2016

Esse vazio: falta de poesia?



Por Eugênia Pickina


Fixar-se no estado prosaico da vida pode representar vir a perdê-la, pois as necessidades materiais, circunscritas ao domínio da sobrevivência, não têm sintonia com as espirituais ou, mais sutilmente, a satisfação do bem-estar exterior pode depender de um mal-estar íntimo, fazendo brotar um vazio profundo, que reivindica a necessidade de colocar em harmonia o Espírito e o corpo.

Nosso profundo vazio não seria, então, uma falta de poesia?

Sabemos que as atividades racionais da mente são acompanhadas por cargas afetivas, porquanto o ser humano comporta razão e sentimento. Seria adequado, então, não integrar, em benefício do exercício da razão, a dimensão poética da vida?

Para viver bem, podemos, sim, avocar a dialógica razão-sentimento.

Assumir-se como pessoa complexa sugere cuidar da dimensão da prosa, que guia a utilidade dos bens e do trabalho, mas não apenas isso. Uma vida comprometida com a completude, e não com o vazio, pede que incorporemos a dimensão poética, que se alimenta do entusiasmo nos encontros (com nós mesmos, com o outro e com a natureza), que, por si mesma, abre trilhas para as experiências dos sonhos e do êxtase, pois tecida pelas qualidades estéticas do bem e do belo.

O estado poético contém a experiência do inusitado, aceita o mistério do mundo. É suscetível à transparência da regeneração, colhida após a travessia de um sofrimento; é iluminado pelo espanto que nasce diante de uma nova instrução aplicada à mesmice das coisas, modificando-a...

O estado prosaico é necessário à perspectiva da vida material. Contudo, evitar o estado poético desemboca na biografia daquele homem, extremamente rígido, que se mantém fechado numa casa como se fosse velho e decrépito, esquecido dos jardins e das árvores renovadas pelas chuvas de verão.

Talvez a circunscrição ao estado prosaico esteja ainda dirigida pela visão geocêntrica, pois a disposição para a poesia reclama a visão heliocêntrica, que retira o homem do centro, pois, sem dúvida, o centro está onde está o olhar... O estado poético imuniza o ser humano das normoses do dia e das fugazes contrariedades do momento e o leva para a dimensão dos valores eternos, que dizem respeito ao centro de sua vida.

A dimensão poética, como a reencarnação, sugere que somos mais do que pensamos e, por isso, para viver sem o risco da estada longa no vazio, podemos integralizar a prosa e a poesia, capazes de nos levar ao pouso da alma: “aquele lugar onde o mundo interior e o exterior se encontram” (Novalis).

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