Por Eugênia Pickina
Visite a terra e as árvores pesadas. Siga a bússola da ação sustentada e retifique o que lá encontrar aprisionado pelo desperdício. Honre as sementes e, na condição de súdito, abençoe o futuro.
Em geral não é muito difícil identificar as qualidades negativas que formam nossos hábitos de sustento, que confundem uma ética frugal com a pulsão de gasto. Esta última tem a tendência de servir a uma vontade mal educada, que alimenta os sentidos e nada faz pelos aspectos superiores do nosso ser, que se torna escravo de desejos inculcados, ou intensificados, pela sedução do consumo-desperdício, exigentes de gratificação insaciável, imediatista e que articula a degradação da Natureza.
Caso se considere a racionalidade instrumental que entabulou o saber moderno, agonizado pela separação entre Espírito e matéria, no nível pessoal e no nível coletivo, o modelo da sustentabilidade convida a adoção de outro modo de viver, que restabeleça a nitidez da interconexão que nos liga ao ambiente ao qual pertencemos – o nosso planeta espoliado.
Desse modo, a sustentabilidade (1) se torna, ao mesmo tempo, o remédio que alivia a ferida da Terra e o recurso possível, a ser desenvolvido, para reintegrar um saber fracionado que pôs de um lado o homem, dominador, e de outro a Natureza, dominada, quando, em realidade, ambos estão tecidos juntos e são interdependentes.
A ferida da Terra é nutrida pelos venenos das ações humanas inadequadas e que precisam ser modificadas. De forma simultânea, pela lei de atração, essas mesmas ações insustentáveis lesam o ser humano, que se degrada pela cobiça do não-essencial.
O comportamento insustentável, ancorado no personalismo, leva o sujeito a focalizar-se exclusivamente em si mesmo, deixando de perceber-se como indivíduo, companheiro ou habitante do planeta para satisfazer apenas o que avizinha aos seus sentidos: seus apetites e necessidades, de acordo com o padrão do infantilismo moral.
Abrir-se à sustentabilidade não significa renunciar à vontade, mas aplicá-la com reflexão e moderação, regulada por uma ética da conservação, que evitará o ressentimento da insatisfação que sempre retorna mais faminta e ansiosa.
A adoção de práticas sustentáveis “não conduz à negação da natureza entrópica do universo e do humano, mas sim ao seu reconhecimento e a um saber viver dentro do limite, em suas margens e em face dos horizontes do possível e do porvir”, pondera Enrique Leff. (2)
Uma vez que não podemos recuar a uma simplicidade anterior, somos obrigados a tentar uma leitura (e uma ação) sustentável do nosso mundo. Nossa responsabilidade, no que se refere à degradação da Natureza, é nos tornar conscientes do que está realmente em jogo para o futuro da Terra e dos povos.
Nesse propósito, a sustentabilidade, como reação à crise da ilusão da quantidade de vida, no lugar da qualidade de vida (3), cura o ego da estéril trivialidade que o angustia e o narcotiza para a denúncia de esgotamento dos recursos naturais, indicativos do seguinte fato: o futuro depende da defesa da Terra para a manutenção das condições de sobrevivência dos seus filhos e filhas.
A atitude sustentável assegura o cuidar da morada, que gerencia o projeto de harmonizar a humanidade com o planeta. Isso leva a pessoa a concentrar-se na realização da sua integração, que, como primeira regra de conduta, repele o modelo consumista, no encalço da conciliação com a Mãe Terra, que reclama uma convivência solidária com a vida em todas as suas manifestações.
Sem dúvida, quando nutrimos essa convivência solidária, que se guia pelo respeito, estamos em boa saúde. O respeito pelo outro e o respeito por si mesmo não estão separados e é uma maneira autêntica de averiguar a qualidade dos sentimentos que permeia o nosso relacionamento com a diversidade, responsável pelo significado afirmativo em relação à nossa morada comum, que reclama o abrigo saudável às novas gerações.
A crise ambiental global é, de fato, a expressão de um modo de viver equivocado que gera consumismo e desperdício, por um lado, e exclusão social e pobreza, por outro. Orienta-se pelo aumento crescente da produção e, consequentemente, do consumo. Com isso, a degradação ambiental avança em todas as suas formas, causando a perda da qualidade de vida, a erosão do ambiente saudável, pondo em risco o futuro do planeta e de suas criaturas.
A agressão ao ambiente funda-se na internalização de conceitos errôneos, sintoma de uma crise espiritual nascida da ignorância (4), reforçada pelo modelo da insustentabilidade, fundado na racionalidade instrumental (5), que condicionou uma ação exploratória sobre os recursos naturais, que são finitos.
Infelizmente, dentre os inúmeros problemas socioambientais gerados por esse modelo, que deve ser superado, despontam, a título de exemplo, o aquecimento global, o desflorestamento, a desertificação, a pobreza e a exclusão social, a perda da biodiversidade, a violência, a indiferença e outros em curso.
Contudo, se uma pessoa refletir seriamente sobre o drama que afeta o seu lar, a Terra, compreenderá, sem dúvida, que a solução para os graves problemas socioambientais depende de cada um de nós. Claramente, isso implica, de maneira ordinária, o redirecionamento das escolhas e o abandono da satisfação de interesses egoístas, passando o indivíduo a se guiar por uma outra racionalidade: a que respeita a capacidade de sustentação dos ecossistemas.
Para isso, em primeiro lugar, será necessária a adoção de um novo modo de vida ligado a uma ética global, que seja avesso à pulsão do gasto e que promova a internalização da urgência dessa mudança em prol dos conceitos da sustentabilidade. Esse modo de vida sustentável reconhece que a cura planetária começa, certamente, pela ação individual.
Práticas sustentáveis transcendem ao padrão do fundamentalismo mercadológico, da violência, da exclusão, porque reconhecem a importância da inter-relação das pessoas para o cuidado com a Terra – nós dependemos dela! Através de ações individuais, mas que se combinam, os grandes desafios podem ser enfrentados.
Desse modo, dar preferência a produtos que não agridem o ambiente, usar papel reciclado, armazenar água da chuva para uso em jardins, fazer uso regular do transporte público, exigir a criação de centrais de reutilização e a promoção da cultura dos resíduos sólidos por parte do poder público, agir como um cidadão ativo, contribuir com a educação ambiental e a espiritual (6), são exemplos que podem somar o conjunto de atitudes privadas que prezam o respeito pelo planeta.
Essas atitudes são condizentes com uma ordem social solidária, que participa do benefício da mudança conceitual em nossas relações com o ambiente e com nós mesmos, na trilha da sustentabilidade, que inspira os versos de Pablo Neruda:
“Minha fé em todas as colheitas do futuro se afirma no presente”. (7)
Notas explicativas e bibliográficas:
(1) ASCSELRAD, Henri (Org.) (2001). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, p. 30.
(2) LEFF, E. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. RJ: Civilização Brasileira, 2006, p. 444.
(3) LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 35 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 325.
(4) “Na Declaração da Reunião dos Líderes Espirituais da Terra, produzida e divulgada por ocasião da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), cita-se que a crise ecológica é um sintoma da crise espiritual do ser humano, que vem da ignorância.” (apud DIAS, Genebaldo F. Ecopercepção: um resultado didático dos desafios socioambientais. SP: Gaia, 2004, p. 12).
(5) A racionalidade instrumental está norteada no “cálculo econômico, na formalização, controle e uniformização dos comportamentos sociais e na eficiência de seus meios tecnológicos, que induziram um processo global de degradação socioambiental, socavando as bases da sustentabilidade do processo econômico e minando os princípios da equidade social e dignidade humana”. (LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 35 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 125).
(6) É preciso impregnar a educação, em todos os seus graus e níveis, com o matiz do afeto, que baliza uma relação dialógica com os próprios sentimentos, vitais para uma convivência estruturada na paz e não na guerra.
(7) NERUDA, P. Presente de um poeta. Cotia-SP: Vergara e Riba, 2001, p. 73.
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