Uma entrevista com Martha Rios Guimarães à Revista Internacional de Espiritismo
Atividade, fundamental para a continuidade da divulgação do Espiritismo, deve ser uma das prioridades no Centro Espírita
Martha Rios Guimarães, carinhosamente conhecida como Marthinha, é frequentadora do Centro Espírita Gabriel Ferreira, em São Paulo (SP), e jornalista responsável pelo jornal Dirigente Espírita, publicação da União das Sociedades Espírita do Estado de São Paulo. No “Gabi” (como é conhecido o centro espírita que frequenta), atua na área de Educação Espírita Infantojuvenil há mais de duas décadas, adquirindo experiências que proporcionaram a elaboração do livro Comece pelo Comecinho – Educação Espírita Infantojuvenil: uma proposta de trabalho, editado pela Casa Editora O Clarim. Nesta entrevista, Marthinha fala sobre as dificuldades, alternativas e soluções para implantação e continuidade da atividade nas casas espíritas.
RIE – Martinha, como se deram seus primeiros contatos com o Espiritismo e, posteriormente, com o trabalho de educação infantojuvenil?
Martha Rios Guimarães – Eu busquei a Doutrina Espírita porque queria respostas a muitas dúvidas que tinha. A religião em que fui criada – que respeito, como todas as demais – não me fornecia esclarecimentos aos inúmeros questionamentos que eu carregava comigo desde bem novinha. Queria entender, por exemplo, o porquê da desigualdade e o que acontecia conosco após o final da existência física. Ao conhecer os ensinamentos espíritas, um mundo totalmente novo se abriu para mim, dando um outro significado à minha existência. Amei a Doutrina Espírita instantaneamente e, então, decidi que precisava fazer algo de útil por ela. Foi quando surgiu a oportunidade de trabalho na área de Infância e Mocidade. Mesmo nova e sem experiência, aceitei o desafio e busquei informações que possibilitassem o desenvolvimento da tarefa proposta. Essa busca por informações, ainda bem, jamais deixou de existir em mim.
RIE – Fale-nos sobre o livro Comece pelo Comecinho, lançado em 2011 pela Casa Editora O Clarim.
Marthinha – O livro é o resultado de 20 anos de experiência na área de Educação Espírita Infantojuvenil, todos eles atuando no Centro Espírita Gabriel Ferreira, situado na zona norte de São Paulo. Ao escrevê-lo, meu objetivo era repartir as experiências dessas duas décadas com outras pessoas que tivessem interesse na atividade. Surpreendi-me com a aceitação e o carinho dos leitores, que enviam e-mails carinhosos afirmando que a obra os tem ajudado na tarefa e, até mesmo, confidenciando dúvidas e informando conquistas no setor.
RIE – Logo no primeiro capítulo, você faz uma distinção entre os termos Evangelização e Educação Espírita. Por quê?
Marthinha – Penso que nomenclaturas são importantes. Tanto que Allan Kardec criou nomes específicos para a nova doutrina e seus adeptos. O nome dado à tarefa de levar a mensagem espírita a crianças e jovens modificou-se ao longo do tempo, já tendo sido chamada desde moral cristã e catecismo espírita até evangelização espírita, este último atualmente o ainda mais utilizado. Porém, cada dia mais os trabalhadores do setor vêm usando o termo Educação Espírita Infantojuvenil. Evangelizar significa ensinar o Evangelho, ou seja, a parte moral da Doutrina Espírita, doutrina que possui ainda os aspectos filosófico e científico. Nossa proposta é usar toda a base doutrinária kardequiana no trabalho com crianças e jovens, obviamente usando linguagens e recursos adequados para a compreensão de cada faixa etária. Por isso, acredito que a nomenclatura Educação Espírita é a mais adequada.
RIE – Você considera que a atividade de Educação Espírita Infantojuvenil ainda é subvalorizada nos Centros Espíritas?
Marthinha – Não tenho a menor dúvida, infelizmente. Prova dessa afirmativa é o fato de nem todas as instituições possuírem o trabalho. Ou, então, possuem uma atividade de recreação, quando as crianças brincam enquanto os pais assistem tranquilamente às reuniões. Há que se conscientizar que, como qualquer outra tarefa, essa precisa ser cuidadosamente planejada, pautada na base kardequiana, com pessoal capacitado para desempenhá-la, avaliação e melhorias constantes. Caso contrário, como coloco no livro (detalhe muito comentado pelos leitores), teremos uma “chapelaria”, um local onde se depositam as crianças e jovens, e não uma reunião espírita em uma linguagem adequada a esse público.
RIE – E, se falta apoio, como motivar e qualificar os trabalhadores para a atividade?
Marthinha – Eu creio que quando acreditamos realmente em algo, devemos nos esforçar para seu desenvolvimento. Ainda que seja dever dos Dirigentes oferecer todo o apoio possível para que a tarefa se desenvolva com qualidade, o tarefeiro que entende a importância de colocar a mensagem espírita ao alcance dos mais jovens deve empenhar-se no cumprimento de seu papel. Refiro-me ao amor e comprometimento com a tarefa, somados à busca ininterrupta por elementos que possibilitem sua implantação, começando pelo estudo metódico e constante da Doutrina Espírita (principalmente nas quase oito mil páginas deixadas pelo Codificador), na busca por materiais da área de pedagogia, psicologia e outros relacionados com a tarefa. Cabe ao Educador, ainda, participar de cursos, oficinas e iniciativas congêneres onde possa trocar ideias e experiências com tarefeiros de outras Casas Espíritas. Enfim, quando escolhemos um trabalho, devemos empreender todos os esforços imagináveis para que o façamos da melhor forma possível.
RIE – As crianças vivem inseridas em um mundo dinâmico e rodeadas por aparelhos de alta tecnologia desde muito pequenas. Dessa maneira, como despertar o interesse delas para as aulas no Centro Espírita?
Marthinha – Creio que muitas Casas Espíritas estão aptas a usar a tecnologia como um dos recursos à disposição dos educandos. Existem no mercado, por exemplo, games educativos que podem ser usados como ferramenta de trabalho do educador. Acesso à rede mundial de computadores também é algo comum, podendo ser um dos elementos das aulas espíritas destinadas a esse público (e aos de todas as idades, aliás). Sabendo utilizá-los, esses recursos podem tornar as aulas mais interessantes. Contudo, a meu ver, não devem ser os únicos atrativos utilizados, mas devem fazer parte de um variado leque de opções. Recursos repetitivos tornam-se cansativos e deixam as aulas previsíveis. Além disso, creio eu, os educadores têm a grande oportunidade de mostrar aos educandos uma variedade de brincadeiras interessantes ou despertar o interesse pela leitura, por exemplo. Em nossas aulas utilizamos a literatura, jogos espíritas, jardinagem, culinária, fotografia e uma ampla variedade de recursos.
RIE – Qual a importância de integrar a atividade infantojuvenil com as atividades direcionadas aos adultos?
Marthinha – Fundamental. Tradicionalmente, este é um trabalho que fica à parte da Casa Espírita. Um dos motivos é porque, normalmente, ele ocorre em dias específicos para essa atividade, sem a presença do público em geral. Na nossa Casa, ao contrário, a reunião das crianças e jovens ocorre em paralelo a uma reunião pública para adultos, promovendo uma integração natural entre as pessoas de todas as idades. Sei que muitas instituições não têm alternativa por conta de espaço, mas naquelas que têm estrutura física que possibilite essa confraternização, creio ser uma experiência que vale a pena ser tentada.
RIE – Como lidar com os educandos que trazem conceitos de outras religiões para as aulas?
Marthinha – Penso que a única forma é o diálogo e o esclarecimento, à medida que surgirem as dúvidas dos menores. Atualmente, é comum as crianças chegarem às Casas Espíritas já com algumas informações sobre a Doutrina Espírita. Aulas planejadas e bem elaboradas facilitam o processo, uma vez que levam em conta, entre outros fatores, a base religiosa que a criança traz ao chegar à Casa Espírita. Para isso, obviamente, há que se conhecer bem o público com que se trabalha e para isso, a única forma é mesmo a conversa e a observação atenta de cada participante do grupo.
RIE – E como lidar com alunos especiais ou que necessitam de mais atenção para acompanhar o ritmo dos demais?
Marthinha – Precisamos entender que cada criança é um ser único e, como tal, merece ser assim tratada. Também precisamos lembrar que as dificuldades são apenas do corpo e não do Espírito. O educador que recebe um educando especial precisa buscar informações na família ou em sites, escolas especiais, ONGs, etc. sobre a dificuldade que o pequeno possui, preparando-se para transpor todos os obstáculos que possam surgir, e lembrando que esses desafios colaboram para próprio aprendizado e crescimento. O convívio com as diferenças é algo extremamente positivo para todos e precisa ser encarado como tal. Nossa equipe, ao longo dessas duas décadas de trabalho, teve o privilégio de viver esse tipo de experiência e todos os envolvidos aprenderam muito com o processo.
RIE – Aparentemente, existe uma lacuna entre os adolescentes na frequência ao Centro Espírita, mesmo participando das aulas durante a infância. Como despertar o interesse dos jovens em continuar participando dos estudos, agora na mocidade espírita?
Marthinha – A partir de uma certa idade, o jovem começa uma nova etapa de vida com trabalho, faculdade, relacionamentos, enfim, uma série de fatores que “competem” com a frequência à Casa Espírita. Nesse momento, a importância que esta e os ensinamentos doutrinários ocupam em seu cotidiano serão determinantes para que ele continue a achar espaço para ambos em sua vida. Logicamente que a relação que ele tem com a instituição, construída ao longo do tempo em que a frequenta, será determinante para manter ou não sua participação. Se, ao longo do tempo, ele foi acolhido de forma amorosa, encontrou amigos, teve contato positivo com a mensagem espírita, provavelmente, ele conservará seu vínculo com a sociedade também nessa fase de vida.
RIE – Suas considerações finais.
Marthinha – Agradeço a oportunidade para tratar da Educação Espírita Infantojuvenil, área que considero tão importante quanto às demais da Casa Espírita e, na minha opinião, a mais estratégica. Ao colocar a Doutrina Espírita ao alcance das crianças e jovens, estamos dando oportunidades para que eles, provavelmente, tomem decisões mais acertadas em sua atual existência. E quem sabe, ainda, de quebra, encontremos nas futuras lideranças espíritas pessoas com bons conhecimentos doutrinários e mais bem preparadas para assumir os desafios que o movimento espírita enseja a todos os que colaboram na divulgação da Terceira Revelação. Eu acredito nessas possibilidades e, exatamente por isso, sinto-me muito feliz e privilegiada por atuar junto a esse público.
Cássio Leonardo Carrara
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