Entre a Gratidão e a Ingratidão
As regras de etiqueta social ditam normas que a pessoa deve seguir, no caso de ser beneficiada com algum obséquio. A retribuição e a gentileza fazem parte do conjunto de preceitos dessa cartilha de bons modos.
A gratidão, porém, é uma virtude moral que transcende a simples retribuição por bons modos expressos em regras de conduta social que dão o verniz da civilização.
Já a ingratidão, antípoda da primeira, é uma doença da alma que denota o atraso moral em que nos encontramos. Filha do egoísmo, é causa de muitas frustrações e decepções para os corações humanos.
Os Espíritos superiores recomendam que ante a ingratidão conservemos o equilíbrio, pois o ingrato é um enfermo digno de piedade a nos testar a abnegação e a perseverança na prática do bem.
Na vida social, todos somos devedores uns dos outros, seja nos pequenos como nos grandes lances da existência, em que precisamos do socorro alheio. Acima de tudo, somos devedores do Criador que nos cobre de bênçãos diárias, às quais não damos valor, pois as consideramos triviais em nossas vidas, como o corpo que envergamos– essa maravilhosa máquina –, o ar, a água, o alimento, a afeição dos entes queridos etc.
Por mais que expressemos gratidão a Deus, jamais conseguiremos retribuir, à altura, a infinitude das dádivas recebidas, a começar pela própria existência. Isso, porém, não deve constituir obstáculo para continuarmos a expressar gratidão em todas as circunstâncias da vida, sejam elas boas ou más. Essa gratidão consiste não apenas em louvar, mas sobretudo em servir a Deus.
E como podemos servi-lo?
Saiba compreender o que significa servir a Deus.
Deus, a Onipotência absoluta e Infinita, de nada precisa.
Entretanto, quer ser servido, mas indiretamente, através de suas manifestações, que são as criaturas, animadas ou inanimadas.
Todas as vezes que servimos a um semelhante, a um animal, a uma planta, estamos servindo a Deus, porque Deus se manifesta ao homem através do próprio homem.1
Aquele que reconhece o bem recebido de outrem demonstra, ao contrário do ingrato, humildade e bondade de coração. Toda vez que sinceramente agradecemos um benefício prestado por alguém crescemos em virtude. A gratidão pode ser expressa por uma simples prece, que repercutirá em prol do benfeitor e de nós próprios:
[...] Nesse sentido, as preces ou mesmo apenas as vibrações de alegria e reconhecimento de todas as criaturas encarnadas ou desencarnadas beneficiadas pelos requeredores, funcionam à guisa de abonos e cauções de significado muito importante para cada um, tanto ali quanto em qualquer lugar [...].2
Quando fazemos o bem, quase sempre estamos semeando para o futuro, cujos frutos aparecerão em momentos oportunos. As pessoas mais endurecidas, embora muitas vezes a princípio não demonstrem, são impactadas pelo exemplo daquele que pratica o bem.
Não raro, quando desencarnam, a lembrança do bem que lhes fizeram vem à tona, contribuindo para o seu despertamento espiritual.
Portanto, um benefício nunca é praticado em vão.
“Ao fazer o bem, não devemos esperar receber nada em troca”
Um exemplo dessa afirmação encontramos no capítulo 14, do livro Nosso Lar, em que o Ministro Clarêncio, ao ser procurado por André Luiz, que postulava trabalho na Colônia, informou-lhe que, graças ao bem feito por ele em favor do próximo, na Terra, quando médico, ainda que de forma displicente, estava sendo beneficiado, no mundo espiritual, com as preces dos Espíritos agradecidos pelas dádivas recebidas.
A revolta contra a ingratidão evidencia que o benfeitor procura, na Terra, a recompensa pelos seus atos, demonstrando, com isso, egoísmo e orgulho. Portanto, ao fazer o bem, não devemos esperar receber nada em troca:
Deveis sempre ajudar os fracos, embora sabendo de antemão que aqueles a quem fizerdes o bem não vos agradecerão por isso. Ficai certos de que, se a pessoa a quem prestais um serviço o esquece, Deus o levará mais em conta do que se o beneficiado vos houvesse pago com a sua gratidão. Deus permite que às vezes sejais pagos com a ingratidão, para experimentar a vossa perseverança em praticar o bem. [...]3
Se alguém retribui com ingratidão o bem que lhe fizemos, lembremo-nos de que é sempre melhor receber do que exercê-la em relação ao próximo:
Bendize, assim, os ingratos e ora por eles, porquanto estão em piores condições do que supões, e, se puderes, ajuda-os mais, pois a felicidade é sempre maior naquele que cultiva o amor e a misericórdia, jamais em quem recebe e esquece, beneficia-se e despreza o benfeitor.4
A ingratidão dos filhos para com os pais é a que apresenta o caráter mais deprimente e fere mais o coração. Contudo, nada acontece por acaso. Em grande parte das vezes, os inimigos de outrora foram reunidos pelos laços reencarnatórios pela lei de causa e efeito, para que resgatem no amor e no perdão os débitos do passado.
Enfim, a revolta contra a ingratidão equipara-se a um gesto de vingança contra quem ainda desconhece os segredos do amor que nasce da caridade legítima.
Por tudo isso, é preciso aprender a ser grato. É que nem todos têm essa facilidade. Muitos ocultam tais sentimentos, com receio de expor a própria fragilidade, ou acham que o benefício recebido não é tão importante que mereça reconhecimento. Entretanto, “todas as concessões do Pai Celeste são preciosas no campo de nossa vida”.5
Não é apenas por meio de coisas materiais que podemos ser gratos a outrem. Ante as leis divinas, a fidelidade, a afeição e o respeito por quem nos beneficiou têm imenso valor.
São infinitos os modos de expressar a gratidão, e os mais valiosos são aqueles que brotam dos sentimentos puros da alma.
Embora a ingratidão seja uma fonte de amargura para o benfeitor, esse deve lastimar o ingrato, o qual um dia colherá, na dor, o arrependimento pela sua atitude impensada. Aprenderá pelo sofrimento o que é a insensibilidade do coração:
[...] Lembrai-vos de que o próprio Jesus foi injuriado e desprezado neste mundo [...], e não vos admireis de que o mesmo aconteça convosco. Que o bem que houverdes feito seja a vossa recompensa na Terra e não vos importeis com o que dizem os que receberam os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa perseverança na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e aqueles que vos desprezaram serão tanto mais punidos, quanto maior lhes tenha sido a ingratidão.6
A gratidão é um dos caminhos que nos levam a Deus. Entre a gratidão e a ingratidão, fiquemos com a primeira, que é aquela que nos garante a paz, a harmonia e a afeição dos companheiros de jornada evolutiva.
Christiano Torchi
Revista Reformador, ed. Junho de 2012, (Feb).
Referências:
1PASTORINO, Carlos T. Minutos de sabedoria. 39. ed. Petrópolis:Vozes, 2000. p. 214.
2XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Sexo e destino. Pelo Espírito André Luiz. 32. ed. 3. reimp. atualizada. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Pt. 2, cap. 10, p. 363.
3KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 13, it. 19, p. 281-282.
4FRANCO, Divaldo P. Leis morais da vida. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 9. ed. Salvador: LEAL, 1999. Cap. 48, Ingratidões, p. 179.
5XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. ed. esp. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 1995. Cap. 155, Aprendamos a agradecer, p. 352.
6KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 937.
Referências:
1PASTORINO, Carlos T. Minutos de sabedoria. 39. ed. Petrópolis:Vozes, 2000. p. 214.
2XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Sexo e destino. Pelo Espírito André Luiz. 32. ed. 3. reimp. atualizada. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Pt. 2, cap. 10, p. 363.
3KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 13, it. 19, p. 281-282.
4FRANCO, Divaldo P. Leis morais da vida. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 9. ed. Salvador: LEAL, 1999. Cap. 48, Ingratidões, p. 179.
5XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. ed. esp. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 1995. Cap. 155, Aprendamos a agradecer, p. 352.
6KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 937.
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