A Bioética e o Homem do Século XXI
Por Angélica Bogatzky Ribeiro (*)
Quando, enfim, o Homem chega ao novo século, no limiar de uma nova era, superado o medo de que o mundo se acabaria, o cientista formado no reducionismo, com conceitos materialistas ainda firmemente apoiados na ciência mecanicista de Newton, está absolutamente convencido de que pode manipular a vida humana.
A corrida ao DNA torna-se pesquisa de ponta, estimulada pela possibilidade de que o código genético desvendaria todos os segredos que cercam a criatura humana. O sucesso da clonagem alucina os geneticistas e estes vislumbram a possibilidade de curar todas as chagas humanas. A ansiedade no meio científico é tão grande que o Homem, de repente, desperta para a sua onipotência, para a grandeza de suas possibilidades, a materialização do deus latente presente no íntimo do seu ser. O universo parece cada vez menor, neste Homem preso à matéria, submerso na sua ambição particular de poder, mascarada na potencialidade da manipulação humana como arma para combater todos os males. Esquece o Homem, ingênuo, do amor ao próximo, não este próximo, imperfeição da máquina física, que avaliza, a qualquer custo, as novas técnicas de manipulação gênica, mas este próximo que habita cada um de nós, que eclode de uma única célula e que anseia, em todas as fases de sua existência, por respeito, carinho, reconhecimento e direito à vida.
Ora... O DNA é desvendado, e nada! Não é facultado ao homem fabricar seres humanos perfeitos a partir deste conhecimento. Ah, sim! Torna-se possível diagnosticar mutações e distúrbios genéticos relacionados a determinadas doenças e mapear as predisposições mórbidas do indivíduo. É a nova caixa de Pandora, um universo imenso submerso na ignorância humana. Quanto mais se descobre, mais se percebe que não se sabe nada. E o Homem, uma vez mais, ingênuo, perde-se no deslumbramento de seu próprio poder e passa a vislumbrar a glória que terá no novo século, o século XXI.
Na sua prepotência, o Homem larga mão dos seus princípios éticos e o novo lema da ciência passa a ser: “os fins justificam os meios”. Inicia-se a cruzada dos embriões. A crença de que todos os mistérios da vida se encerrariam na potencialidade do pequeno ser não basta para que seja preservada a sua soberania e num contra senso, a ciência o desqualifica, considerando-o apenas um amontoado de células potenciais, que objetivamente não se enquadraria no conceito de um ser vivo. Ora tudo, ora nada, numa orgia moral que a sociedade científica tenta impor ao mundo. As consciências alienadas no amor e profundamente enraizadas no materialismo tornam-se cegas frente às promessas de saúde e milagre da ciência do novo século.
Afinal, os deuses descem à terra, para proporcionar aos mancos a marcha precisa; aos paralíticos, a reconstrução perfeita de suas vias nervosas; aos condenados, a promessa de longevidade... Mas e a moral? Qual é a promessa ética da ciência do século XXI?
Torna-se, mister, portanto, que a sociedade científica vigente determine um limite para a ambição daqueles que querem tornar a ciência um trampolim para o determinismo no mundo. O nazismo científico deve ser repelido, condenado, desmistificado e combatido. A sociedade deve ser amplamente informada e educada para que, no futuro, a espécie humana, amparada na moral do amor e do respeito, possa ser preservada e a vida humana possa ser garantida com suas diferenças étnicas, físicas, sociais e religiosa (direitos totalmente desrespeitados pela ciência vigente).
A Bioética do século XXI deverá, pois, ser a arte de respeitar a vida na pesquisa científica, limitando a sua prática através do questionamento moral do que é ou não lícito pesquisar. Priorizar a preservação da espécie humana, respeitando o indivíduo e todas as suas relações com a natureza, tornar-se-á imperativo. A bioética tem, por dever, questionar as propostas científicas, investigar o conteúdo das pesquisas e fiscalizar a prática da ciência ética. A vida e a evolução das espécies qualificam o ovo, zigoto potencial para a raça humana e todas as suas derivações. Não perceber a inteligência com que o ovo se divide, ao mesmo tempo que vai multiplicando exponencialmente o seu potencial gerador de vida, é subestimar a criação inteligente que impera em cada ser humano existente, independente dos defeitos físicos, genéticos, mentais ou até mesmo morais que por ventura seja acometido.
A ciência deve respeitar a vida humana, sempre, porque esta é o objeto de seu interesse e deve comprometer-se para isso com a dignidade e a percepção moral que distinguem o homem dos outros animais.
Ao mesmo tempo, o amor deve ser, antes de tudo, o verdadeiro combustível da evolução científica. Sem ele o cientista é como uma figueira seca. Que frutos morais poderá deixar? Viverá uma vida e perceberá um dia que as suas verdades, conquistadas a custa da destruição da dignidade humana (verdades bem certo que perenes), passaram a ser rejeitadas por outra ainda mais verdadeira, ou por um novo dogma, ou por um novo paradigma, que é o caminho natural da evolução a que todos os Homens estão fadados. Descobrirá que o mecanicismo já foi superado, no século passado, pelo conceito quântico de Einstein e que novas luzes estão prometidas para o novo século, muito mais esplendorosas e sutis, que as luzes do século passado.
É a nova era! A era do amor, que agora ainda os cientistas não conseguem vislumbrar...
* Médica Ginecologista e Obstetra
1ª Secretária da AME Santos – Associação Médico-Espírita de Santos (AME-Santos)
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