O Perdão
Jesus no meio do seu martírio encontrou discernimento para rogar ao Pai o perdão para com os seus algozes. E após o desencarne, segundo relatos dos Espíritos, a primeira ação foi visitar Judas no campo espiritual onde se encontrava, encorajando-o, entregando-lhe o perdão e explicitando-lhe a sua compreensão pelo ato de traição. Judas tinha-se deixado subjugar espiritualmente, o que o levou à realização da traição a Jesus. Fê-lo crendo que não era uma traição e que o resultado não seria uma condenação, mas sim uma coroação. Quando liberto da subjugação compreendeu as consequências do que tinha realizado. Em confronto com a sua consciência não resiste à paisagem da sua falência moral e suicida-se.
Este testemunho da força do perdão foi igualmente vivenciado pelos Apóstolos ao longo das suas vidas, nomeadamente face aos martírios a que foram sujeitos. Um impressionante exemplo disso mesmo é-nos trazido pela vida de Estevão e de Paulo de Tarso (S. Paulo) no livro Paulo e Estevão [2].
Estevão, o primeiro mártir cristão, morto a mando de Saulo de Tarso. Saulo, o iniciador das perseguições perpetradas pelos judeus fariseus aos cristãos, e que ficaria conhecido como o convertido de Damasco, onde cegaria, naquela estrada, a caminho daquela cidade, onde se dirigia para prender e martirizar Ananias. Ananias, que em Damasco, cura Saulo e precipita a sua conversão ao Cristo. Saulo que assumiria posteriormente o nome de Paulo – o conhecido São Paulo [idem].
Livre Arbítrio
Jesus não morreu por nós, mas por causa de nós. Apesar de Jesus ser o Filho escolhido de Deus para vir à Terra esclarecer o ser humano, não se assistiu a nenhuma alteração às leis naturais – a um milagre –, para que fosse salvo do martírio. A única alteração possível aos acontecimentos teria de advir da iniciativa humana e pelo livre arbítrio de cada um, pelo que não podia ser pelo temor a Deus e a partir de uma ação espetacular, nem mesmo de um fenómeno que excedesse as fronteiras das leis de Deus para a Terra.
E embora houvesse poder Divino para que tal sucedesse, isso adulteraria a mensagem que se transmitia. A mensagem era simples: as escolhas de cada um determinam as suas obras. Jesus escolheu informar os homens sobre a novidade da continuidade da vida (do Espírito) e, por consequência, da Lei do Amor.
Os homens escolheram matá-lo por causa disso. Jesus podia não o ter feito e os homens também. Jesus escolheu fazê-lo para que a mensagem ficasse e o ensinamento passasse. Os homens escolheram pelo Seu martírio, mas não todos. Cada um assume as suas responsabilidades: A cada um segundo as suas obras. E foi o que sucedeu. Cada um ao longo de sucessivas encarnações terá vivenciado (e vivencia) efeitos daquela ação, tal como sucede com todos nós no contexto de outros tantos eventos por nós iniciados nas nossas vidas pretéritas.
O carácter de cada um, inculcado na modelação do inconsciente, não é alterado pelo simples facto da morte e do nascimento. Porém, o nascimento é sempre uma promessa para um novo começo, visando-se a evolução moral.
Jesus com os seus ensinamentos dividiu o tempo, passando a haver um antes e um depois de Cristo. Este facto e a herança que somos de nós mesmos deve-nos suscitar algumas questões:
Terei estado encarnado na transição para o novo tempo? De que forma terei participado naqueles acontecimentos?
De que lado da Verdade terei estado?
Terei gritado “Barrabás, Barrabás”, em vez de “Jesus, Jesus”, quando do julgamento por Pilatos?
Terei obliterado a minha participação por medo, em vez de o ter feito em favor do testemunho da Verdade?
Não saberemos, mas podemos indagar o padrão do nosso comportamento para saber com que frontalidade lidamos com a verdade e com o estigma social.
Lei de Causa e Efeito
Reflitamos sobre aqueles acontecimentos pelo prisma da lei de causa e efeito e sobre quais os tremendos impactos na forma como ainda vivemos.
Aqueles que condenaram Jesus passaram a viver o efeito do mal causado. Contudo, a ação desses refletiu-se igualmente a nível coletivo. O seu efeito é visível na maldade reinante no coração humano. Se Jesus não tivesse sido condenado é provável que um outro pendor histórico de estímulo à bondade, à caridade e ao amor tivesse sucedido no percurso da humanidade.
Observando estes fatos à luz da Psicologia Analítica de Gustav Jung diríamos que aqueles eventos terão gerado cicatrizes profundas no inconsciente individual dos intervenientes, mas também graves danos no inconsciente coletivo, dado o efeito cascata ao longo dos tempos.
Jesus foi condenado. Será que uns terão pago pelo mal causado por outros sendo esse o efeito cascata?
Não, pois ninguém paga (sofre) o que não lhe é devido pagar (sofrer — aprender). E se todos estão sujeitos à mesma lei, a de causa e efeito, não há vítimas. Todos pagam até ao último ceitil, ou seja, até que cada um compreenda e aja em conformidade com os ensinamentos de Jesus – a única forma conhecida para se evoluir na Terra.
Podemos evoluir pelo amor, mas vastas vezes, fruto da nossa ignorância, só o fazemos perante a dor. A dor, que se inculca no coração humano, ou seja, no seu inconsciente, deve ajudá-lo a regenerar-se, a compreender que cada ação promove cada dor, pelo que não vai querer infringi-la novamente a outros, e menos ainda tê-la em si pela manifestação da culpa ou da distorção moral que lhe deu origem. Por isso, desenvolverá as suas características do Self (da sua alma) dominando as tendências egóticas. Será assim empático para com outros e compassivo perante o sofrimento e a carência de terceiros, pois, agora já conhece a dor no seu íntimo. Por isto, a dor é necessária, não para castigar, mas para concretizarmos a autoterapia.
E que consequências poderiam advir para o ser humano se Jesus não tivesse sido condenado?
Estamos em crer que a Sua mensagem chegaria aos nossos dias com a mesma grandiosidade, novidade e impacto, em nós, sobre como compreender o sentido da vida. E, provavelmente, continuaríamos a nos surpreender pelo alcance e profundidade dos ensinamentos, sobretudo com a capacidade terapêutica do Cristo, que sempre agia depositando amor profundo pelo outro, independentemente da sua origem, sentimentos ou condição.
Jesus divulgou a Boa Nova por um período extraordinariamente curto – 3 a 5 anos, tendo sido a sua obra continuada pelos Apóstolos e seus discípulos – conhecidos inicialmente por «homens do caminho» e posteriormente por «cristãos», a partir da sugestão de Lucas [idem], um dos quatro evangelistas.
Mas imaginemos o efeito de difusão da mensagem do Cristo se o período de transmissão do seu conhecimento não tivesse sido tão curto. Se tivesse sido diferente, também os eventos após a morte do Cristo e o ser espiritual que é o ser humano teriam sido totalmente diferentes.
Desde logo os episódios de violência e assassínio dos primeiros cristãos nunca teriam ocorrido. As humilhações e martírios atrozes perpetrados contra os Apóstolos nas diversas regiões por onde a mensagem de amor do Divino Mestre foi sendo levada, nunca teriam sucedido. Estes, tal como Jesus, por inovarem, depararam-se com insondáveis resistências à mudança. Por fim, se o ser humano tivesse sido permeável à mudança, começando a sê-lo há pelo menos 2.000 anos, a inovação, hoje, faria parte da cultura quotidiana – o que não sucede; O amor, a caridade e a solidariedade não seriam componentes de uma mensagem ainda por apreender – pois seriam intrínsecas à existência de cada um.
Se Jesus não tivesse sido condenado, o Homem viveria com mais paz, com menos dor moral e imbuído numa fraternidade que teima em não ganhar aderência, nomeadamente pelo egoísmo e apego ao materialismo reinante no nosso quotidiano.
Se Jesus tivesse podido enraizar a sua mensagem mais fundo no coração humano, já teríamos compreendido a Verdade sobre a vida eterna (do espírito) e a naturalidade do processo de reencarnação. Saberíamos que Deus é infinito, mas que nós, espíritos, somos finitos, pois fomos criados por Deus, tivemos um início conhecido, porém não temos um fim.
Contudo, o efeito das causas iniciadas pela sua condenação são tal como as conhecemos, pelo que a inteligência humana é hoje, ainda, o resultado do desequilíbrio moral que a caracterizava quando condenou Jesus, quando ceticamente escutou (e escuta), sem absorver, os Seus ensinamentos. É uma inteligência caracterizada por um fraco desenvolvimento emocional e espiritual, e em desarmonia com o seu lado racional, o que dificulta o acesso ao saber do inconsciente para expansão do Self e dimensionamento do domínio do ser pelo ego [3].
E porque todos estamos sujeitos às Leis de Deus é importante notar que Jesus não morreu como resultado da Sua conduta pretérita (expiação) seguindo a lei de causa e efeito, mas sim pela irresponsabilidade e ignorância daqueles que o condenaram.
Quando reencarnou na Terra o percurso de evolução espiritual de Jesus já estava completo – Ele era o Homem Integral. O percurso evolutivo já tinha sido realizado numa dimensão diferente da que temos na Terra, tal como se depreende de: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”, João, cap. XIV, v. 1 a 3. Assim, não pendia sobre o Espírito de Jesus nenhuma consequência imputável à Lei que vigora sobre todos nós.
A evolução espiritual e intelectual de Jesus é a mesma a que todos estamos destinados. Porém, o compasso dessa evolução é função das escolhas individuais. Não há determinismo, mas sim esforço. É pela vontade de fazermos mais e melhor pelos outros e pela sabedoria íntima que nos diferenciamos na jornada evolutiva, tal como se constata pela envergadura moral daqueles que ao longo dos tempos nos foram servindo de modelo e exemplo nas ciências, na sociedade, na espiritualidade.
Em suma, não é a ressurreição de Jesus que nos deve servir de inspiração, pois ela não aconteceu como tal. A ressurreição significa retorno à vida em corpo físico. Jesus retornou, mas em corpo espiritual. Aqueles que o reencontraram, após o seu desencarne, testemunharam a Sua presença, em Espírito. Foi o Espírito de Jesus que os Apóstolos viram, não o corpo físico. E viram pela faculdade da mediunidade. Uma faculdade detida por tantos de nós, pois ela é uma característica humana, ainda que em graus diferentes.
É o conhecimento da continuidade da vida e das relações entre os planos terreno e espiritual, possível pela mediunidade, que nos deve inspirar quando pensamos em alcançar mais na compreensão dos ensinamentos de Jesus.
A mediunidade permite percepcionar a realidade da esfera espiritual a par da terrena, tal como explicitado na obra de Allan Kardec, nomeadamente em “O Livro dos Espíritos” [4].
A questão que se coloca é: quando é que a mediunidade passa a ser a norma do conhecimento, em vez do paranormal? Isto, numa sociedade, ainda, plena de adornos para que cada um consiga suportar a sua sombra (defeitos, distorções morais).
Fonte: Artigo portal invisibillis
Referências:
[2] XAVIER, Francisco Cândido, orientado pelo Espírito Emmanuel, Paulo e Estevão. FEB, 2004. (*)
[3] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joana de Ângelis, comentado por Cláudio Sinoti e Iris Sinoti, Em Busca da Iluminação Interior, LEAL, Salvador, 2017.
Título: Em busca da iluminação interior
[4] KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos. 1ª ed. – Hellil: Associação Social Cultural Espiritualista, Viseu, 2017.
Título: O Livro dos Espíritos
(*) sobre ref. [2]: Livro transmitido (comunicado por via mediúnica) a Chico Xavier pelo próprio Paulo de Tarso valendo-se da intermediação de Emmanuel (atendendo à grande distância psíquica entre Chico e Paulo). A obra trata a vida de Paulo de Tarso, também conhecido por apóstolo dos gentios, portador de alma repleta de conflitos filosóficos, que, na opinião de Herculano Pires, representa a transição do padrão de comportamento típico daquela época (judaica ou romana) para o modo de ser cristão. Responsável direto pela morte de Estevão, conhecido como o primeiro mártir do Cristianismo, Saulo de Tarso ao ver a figura de Jesus, naquele episódio às portas de Damasco, cega, para depois recuperar a visão por intermédio de Ananias e assim, finalmente, se curvar diante do irresistível apelo ao amor e à caridade da mensagem cristã. Neste livro Emmanuel descreve as viagens de Paulo que percorreu todo o Mediterrâneo fundando igrejas e distribuindo as suas famosas epístolas, as quais serviriam de orientação aos primeiros núcleos cristãos.
Este livro completa um ciclo de obras que tem como cenário o Mundo Romano, orientadas pelo espírito Emmanuel e psicografadas por Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier).
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