sábado, 14 de dezembro de 2024

Natal: tempo de solidariedade e gratidão

 


Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

É possível afirmar-se, sem grande margem de erro, que durante o ano inteiro, todos os dias recordam uma qualquer efeméride: seja um acontecimento mundial, de cariz social, cultural, científico, bélico, histórico, religioso, hagiográfico; seja, ainda, no âmbito das diversas profissões, biografias de grandes figuras mundiais, descobertas tecnológicas, comemorações de eventos que de alguma forma se tornaram referências universais.

O Calendário anual dos Dias ecumênicos, mas, também, nacionais, e dos temas a eles associados, realmente é muito rico, e extenso, de resto, verifica-se ao longo do ano que, por vezes, para um só dia, se revivem diversos acontecimentos e, ainda que, de ano para ano, a lista venha aumentando, e, em alguns casos, haja alteração da data para o mesmo evento.

O Natal é um desses dias universais que, praticamente, em todo o mundo cristão, se celebra com intensa emoção e profunda devoção, esta no que respeita aos rituais religiosos, aos quais e, paralelamente, se desenrola a festa profana, no contexto familiar, num misto de: amor, saudade, gratidão e alegria, na maior parte dos lares portugueses.

Há princípios, valores e sentimentos que, nesta época do ano, se destacam com mais veemência: uns, obviamente, são verdadeiros, vividos e manifestados com grande sinceridade e afetuosidade; outros, com intenções diversas e objetivos bem definidos, não sendo de escamotear o recurso à hipocrisia, à bajulação e à obtenção de benefícios que, de outra forma, tais pessoas não conseguiriam.

A quadra natalina também é propícia à exuberância financeira, e/ou à ostentação de um qualquer poder: através da exibição de ofertas luxuosas às pessoas a quem se quer bem; ou impressionar, ou ainda, cativar para um apoio, eventualmente, inconfessável. O Natal serve para tudo isto, e muito mais.

Mas abordemos este período do ano tão sublime quanto respeitável, para destacar os sentimentos da saudade para aquelas pessoas, amigas, familiares e de quem gostamos, para com elas convivermos e recordarmos bons momentos de convívio, seja no âmbito acadêmico, social, profissional e de lazer que, ao longo dos anos, ocorreram.

De igual forma, não se podem ignorar os valores da Solidariedade, da Humildade e da Gratidão que, nesta época do ano, para muitas pessoas, se transformam em autênticos atos de benevolência para com familiares, amigos e colegas, pelo menos durante alguns dias, o mundo conflituoso parece ficar afastado dos pensamentos, e das ações de grande parte da humanidade.

O Natal presta-se muito bem para comportamentos solidários, verificando-se que muitas pessoas doam a outras alguns dos seus bens e, uma situação interessante, é que uma faixa significativa de uma população mais pobre não olha esforços, nem despesas para ajudar quem mais precisa, justamente através dos peditórios promovidos por diversas entidades, habitualmente, privadas.

Com efeito, tais intervenções, promovidas por grandes instituições, como Cruz Vermelha, Misericórdias, Banco Alimentar, diversas Organizações Não Governamentais e Instituições Particulares de Solidariedade Social, com todo um corpo de voluntariado, angariam bens de primeira necessidade para serem entregues às pessoas em dificuldades.

Este espírito solidário, tão característico do povo Português, faz-se notar ao longo do ano, no entanto, é em situações de catástrofe ou em períodos mais simbólicos, como o Natal, que a dádiva é, praticamente instintiva, porque este valor de que tanto nos orgulhamos, ultrapassa fronteiras, como é sabido. Importa destacar que a solidariedade não é um conceito vazio, nem tão pouco negociável, porque implica autenticidade, bondade e humildade.

O Natal que, um pouco por todo o mundo, ainda se comemora com a dignidade que se impõe, propicia às famílias, aos amigos e até aos conhecidos mais chegados, momentos de intensa confraternização, onde a saudade dos que estiveram ausentes vem, emocionalmente, à “flor da pele”, para, por entre abraços, beijos e lágrimas, estas de alegria e felicidade, as pessoas “matarem” as saudades, tantas vezes quantas necessárias, até que os corações se acalmem.

Como seria magnífico se em todos os dias do ano se festejasse o Natal, numa perspectiva de amor, de paz e de felicidade. Infelizmente, tais como muitos outros dias festivos, que se celebram ao longo do ano, assim não acontece, o que, se por um lado não constituiu um mal maior; por outro lado também permitiu viver este período da família com mais veemência.

Este período de tempo também poderá ser aproveitado para uma revisão da percepção, relativamente ao que fizemos durante os restantes 364 dias, porque em boa verdade, ao longo do ano, ou dos anos ou até de décadas, muitos erros foram cometidos: uns, involuntariamente; outros, propositadamente, por isso, é chegado o momento de acertarmos as contas com o “tribunal da nossa consciência”.

O contexto natalino importa que seja experienciado sem mágoas, sem aversões e, acima de tudo, que os sentimentos negativos sejam substituídos por afetos positivos, no mínimo, que a partir destes, se inicie um processo de reconciliação para com as pessoas que, ao longo do ano, ou dos anos, estiveram de costas voltadas para nós e, provavelmente, também nós não teremos agido da melhor forma, logo, é  necessária a nossa compreensão, benevolência,  generosidade e humildade para que possamos retomar o que, possivelmente, há décadas terá sido interrompido, quantas vezes sem se saber as razões de tais comportamentos.

O Natal é união da família, certamente, mas essa circunstância constitui, apenas, uma parte da grandeza que devemos dar ao dia do nascimento de Jesus Cristo, obviamente, na perspectiva dos devotos católicos, porque outras manifestações, realizadas por crentes noutras dimensões religiosas, seguramente que devem ser respeitadas, sem censuras, nem condenações, até porque poderá  alguém afirmar com total certeza quem é que neste mundo está certo ou errado, no que respeita a uma possível vida espiritual para além da morte física?

No âmbito das nossas tradições natalinas: sejam de natureza religiosa cristã; sejam no âmbito dos festejos profanos; sejam, ainda, ao nível da solidariedade para com os mais necessitados, a verdade é que deveremos colocar de lado todas e quaisquer divergências, que nos tenham separado no passado e, retomemos agora uma vida de harmonização, de amor, de paz e de felicidade.

Neste Natal de 2020, e no que a Portugal respeita, haverá melhores condições materiais para que as pessoas, as famílias, os trabalhadores, os empresários e todo o tecido econômico-social possam “respirar” um pouco de uma carga fiscal brutal que, durante alguns anos lhes foi imposta, de fora para dentro, desnecessariamente, conforme se tem vindo a comprovar.

Portugal e os Portugueses, em geral, têm razões para festejar este Natal com redobrada esperança num futuro melhor; com perspectivas de um nível de vida superior a que, legal e legitimamente têm direito; portanto, haverá motivos que justificam acreditar que o pior terá passado, que soubemos vencer os obstáculos que nos foram colocados, razões mais que suficientes para encararmos este Natal com otimismo, com alento e alegria.

Desperdiçar esta quadra tão importante na vida das pessoas, das famílias, das organizações pode significar mais uma oportunidade perdida, no caminho do Bem Comum, do Amor, da Paz e da Felicidade. Não querer aderir, com entusiasmo, às seculares e salutares tradições religiosas e profanas portuguesas, é colocar-se à margem de uma comunidade civilizada, culta e humanista, como é a Portuguesa, em particular, e a sociedade Lusófona em geral.

Independentemente da crítica, já muito banal, que muitas pessoas fazem, quando afirmam que “Natal deveria ser todos os dias”, com a qual até se concorda, a verdade é que, se pelo menos uma vez por ano, houver um esforço de boa vontade, de afeto sincero e de alegria, então vale a pena esperar um ano para se vivenciar este dia, com a dignidade que tanto nos caracteriza.

Aproveito para lhes desejar: Um Santo e Feliz Natal, com verdade, com lealdade, com reciprocidade, se possível, com gratidão, seja no seio da família, seja com outras pessoas, com aquela amizade de um sincero «Amor-de-Amigo», com um sentimento de tolerância, de perdão e muito reconhecimento para com todas as pessoas que, ao longo da nossa vida, nos têm ajudado, compreendendo-nos e nunca nos abandonando. É este Natal que eu desejo festejar com muita alegria, pesem embora as atuais restrições e condicionalismos, impostos por uma pandemia cruel e mortífera.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo é presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal.

 Artigo publicado em 2020

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