"Os fariseus, tendo sabido que ele tapara a boca aos saduceus, reuniram-se; e um deles, que era doutor da lei, para o tentar, propôs-lhe esta questão: - 'Mestre, qual o mandamento maior da lei?' - Jesus respondeu: 'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este o maior e o primeiro mandamento. E aqui tendes o segundo, semelhante a esse: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo. - Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.' "
(S. Mateus, cap. XXII, vv. 34 a 40.)
A palavra "amor" ao longo do tempo vem sofrendo o desgaste natural proveniente dos equívocos humanos quanto ao seu real significado.
Fala-se muito em "amor" contudo, paradoxalmente, vive-se pouquíssimo este sentimento que se constitui na expressão máxima do ser humano em suas manifestações afetivas, em todos os níveis.
Há que se perguntar, por quanto tempo, o homem continuará ignorando as dores do seu próximo, as suas necessidades espirituais e a premência de que mãos fraternas se estendam, espontaneamente, para restabelecer-lhes a esperança, a confiança em dias melhores, a certeza de que irmãos ajudam irmãos, sempre; de que não estão sós.
Não falo da ajuda material, mas desta que dificilmente é praticada, porque exige a doação de nós mesmos, do que possuímos de melhor; exige nosso tempo, nossa atenção: a caridade moral.
"Em verdade, o exercício da aprendizagem do amor inicia-se pelo amor a si mesmo e, consequentemente, pelo amor ao próximo, chegando ao final à plenitude do amor a Deus.
Esses elos de amor se prendem uns aos outros pelo sentimento de afeto desenvolvido e conquistado nas múltiplas experiências acumuladas no decorrer do tempo em que nossas almas estagiaram e aprenderam a conviver e melhorar.
Muitos de nós nos comportamos como se o amor não fosse um sentimento a ser aprendido e compreendido. Agimos como se ele estivesse inerte em nosso mundo íntimo, e passamos a viver na espera de alguém ou de alguma coisa que possa despertá-lo do dia para a noite. (...)
O amor a Deus e aos outros como a si mesmo é noção que se vai desenvolvendo pelas bênçãos do tempo. As belezas do Universo nos são reveladas à proporção que amamos; só assim nos tornamos capazes de percebê-las cada vez mais e em todos os lugares.
(Do livro Um Modo de Entender - uma nova forma de viver, psicografia de Francisco do Espírito Santo Neto, ditado por Hammed, cap. 2)"
Quando o Meigo Nazareno nos convida ao exercício do "amor ao próximo", está claramente nos incitando a iniciar este processo a partir de nós mesmos; provocando a reflexão e a conclusão ao questionamento : eu acredito no amor?
A resposta nos motivará a sua não vivência ou a reformulação completa da forma como temos nos conduzido em nossa relação conoscos mesmos e com o nosso próximo. Em quanto de fraternidade, misericórdia e compreensão temos regado nosso comportamento.
Contudo, o que vem ocorrendo no mundo, notadamente com os cientistas da área da saúde não é de se surpreender: de sépticos passaram a aceitar que a mente, o hábito da oração e os sentimentos mais nobres podem acelerar e mesmo promover a cura de doenças. Os resultados são surpreendentes e incontestáveis. Que dizer, então, nos relacionamentos humanos, na convivência familiar, profissional, religiosa, etc.
"O amor que se deve oferecer ao próximo é consequência natural do amor que se reserva a si mesmo, sem cuja presença muito difícil será a realização plena do objetivo da afetividade.
Somente quando a pessoa se ama, é que pode ampliar o sentimento nobre, distribuindo-o com aquelas que a cercam, bem como estendendo-o aos demais seres vivos e à mãe Natureza."
(Do livro Garimpo de Amor, psicografia de Divaldo Pereira Franco, do Espírito Joanna de Ângelis, cap. 2)
Quem se ama, ama o seu próximo na mesma proporção. Compreende que deve dignificar a sua existência, assim como, deve proporcionar ao seu próximo vida digna. Compreende a finalidade superior da vida física, promovendo o seu crescimento espiritual e de quem o cerca.
Acima de tudo, respeita cada qual como é, com suas conquistas e dificuldades. Sabe esperar e entende que todos, no seu tempo, chegarão a perfeição para a qual foram criados. Tem a certeza íntima de que é um ser divino, trazendo dentro de si todos os recursos para ser feliz, ser luz e proporcionar ao seu próximo o que deseja para si.
Sequer conseguimos imaginar como seria o mundo dessa forma ... porque, em verdade, poucos de nós acredita nesta prática, mesmo conscientes de que alguém nos mostrou a possibilidade de concretizá-la: Jesus ! E, tantos outros que Lhe seguiram as pegadas.
Joanna de Ângelis, ainda no mesmo texto, nos ensina que:
"Esse auto-amor é constituído pelo respeito que cada qual se deve ofertar, trabalhando em favor dos valores éticos que lhe jazem latentes e merecem ser ampliados, de forma que se transformem em luzes libertadoras da ignorância e em paz de espírito que impregne as outras vidas.
Sem esse amor a si mesmo, a pessoa não dispõe de recursos para encorajar o seu próximo no empreendimento da autovalorização e do autocrescimento, detendo-se nas sensações mais grosseiras do imediatismo, longe dos estímulos dignificantes e libertadores.
O amor a si mesmo dá dimensão emocional sobre a responsabilidade que se deve manter pela existência e sobre o esforço para dignificá-la a cada instante, aprofundando conhecimentos e sublimando emoções, direcionadas sempre para as mais elevadas faixas da Espiritualidade.
Dessa forma, é fácil preservar-se as conquistas interiores e desenvolvê-las mediante a aplicação dos códigos da fraternidade e da compaixão, da caridade e do perdão.
A consciência de si mesmo, inspirada pelo auto-amor torna-se lúcida quanto aos enganos cometidos, ensejando-se oportunidade de reparação, ao tempo em que faculta ao próximo a compreensão das suas dificuldades na busca da felicidade.
Compreendendo a finalidade da existência terrena, a pessoa desperta para o amor a si mesma, trabalha sem desespero, confia sem inquietação, serve sem humilhação, produz sem servilismo e avança sem tensões perturbadoras no rumo dos objetivos essenciais da vida."
Continuando, orienta-nos quanto a forma pela qual conseguiremos conquistar o amor a nós mesmos, buscando as práticas que nos levem ao auto-descobrimento, ao conhecimento de nós mesmos, único meio de atingirmos a vivência do amor incondicional, puro, sincero, sem interesses escusos, que um dia unirá todas as criaturas.
Corroborando o que Joanna nos ensina, o Livro dos Espíritos, na questão 919, diz-nos que:
"919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
Resp. Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo."
Para tanto, é preciso o enfrentamento conoscos mesmos, com as nossas mazelas e conflitos íntimos, dúvidas e incertezas. É premente que busquemos equacionar as questões internas que nos afligem e impedem o auto-amor e o amor ao próximo. Segurança interna, fé, esperança, são conquistas do espírito imortal, muitas vezes, a duras penas.
"O amor a si mesmo deve ser desenvolvido através da meditação e da autoanálise, porque, ínsito no ser, necessita de estímulos para desdobrar-se, enriquecendo a vida. (...)
Ninguém, que se disponha a amar sem resolver as inquietações internas, que lhe produzem desamor, que conspiram contra a autoestima, conseguirá o desiderato. (...)
Muitas vezes, a pessoa que se não ama, encontra motivos frívolos para justificar o sentimento de vazio existencial, transferindo para o próximo aquilo que gostaria de desfrutar ou de possuir.
São detalhes físicos, que parecem retirar o conforto e a satisfação pessoal, na aparência ou na constituição, dificuldades de inteligência, posição social, problemas na saúde que, sem dúvida, não merecem maior consideração, e deverão ser enfrentados de maneira positiva, diferente, proporcionando estímulos para novos enfrentamentos, vitória a vitória.
Durante muito tempo, a pessoa coleciona o azinhavre da insatisfação consigo mesma, atribuindo-se fracassos que, em realidade, jamais ocorreram, infelicidades que não têm justificação, quando fazem comparações com outras pessoas que acredita ditosas e sem problemas."
Ter uma visão correta da vida; colocar cada coisa no seu devido lugar; valorizar, na medida certa, as situações-desafio, sem desmerecê-las, tampouco, exagerá-las; ter clareza mental para perceber que nada acontece por acaso e que se soubermos "ter olhos de ver e ouvidos de ouvir" cada experiência se constituirá em lição inesquecível e proveitosa, é-nos a grande cartilha a aprender.
Por isso, este Espírito valoroso, Joanna de Ângelis, assim nos fala:
"Ao começar a amar-se, descobre que são as pequenas coisas, aquelas aparentemente sem grande importância, que constituem significados alentadores.
Momentos de solidão para autoanálise e reflexão, instantes de prece silenciosa, refazimento através da música, de caminhadas tranquilas, de carícias a crianças ou animais, de cuidados com plantas, flores e adornos vivos, sentindo a vida fluir de todo lado.
Em outras ocasiões, conversações edificantes, destituídas de objetivos imediatistas, cuidados com a alma, preservando-lhe a lucidez em relação aos deveres e aos compromissos que lhe dizem respeito.
A seguir, é necessária uma avaliação daquilo que é útil em relação ao que é secundário e a que se atribui significado exagerado.
O amor a si mesmo desempenha uma ação autoterapêutica, porque liberta dos conflitos de autopunição, de autocensura e de autocompaixão.
A compreensão dos próprios limites e possibilidades enseja um sentimento de alegria pelo já conseguido e de encorajamento em relação ao que ainda por ser alcançado.
No cultivo desse propósito, o egoísmo não consegue alojamento, porque não há a ambição de posse ou de domínio, de superioridade ou de vitória, senão sobre as próprias paixões perturbadoras."
Com todas as reflexões que nos leva a Doutrina Espírita a empreender acerca do tema ora enfocado, não há como não concluir que, visão equivocada será aquela que nos conduzir a prática da desvalorização de nós mesmos, de não vislumbrarmos as possibilidades que trazemos em prol do nosso crescimento e do próximo, quer a nível material quanto espiritual, de que, em verdade, devemos nos amar, tanto quanto, deveremos amar o nosso próximo, desejando-lhe tanto bem quanto o que desejamos para nós.
No entanto, a grande lição que fica é a de que não conseguiremos amar o nosso próximo se sequer nos amamos. É preciso identificar em nós os motivos do desamor, buscando motivações para nossa transformação real, sem desculpismos mas, simplesmente, aceitando as nossas limitações e compreendendo que podemos superá-las se formos firmes em nossa vontade de alcançar a paz, a alegria de viver, a felicidade, o amadurecimento espiritual...
Nadja Cruz de Abreu
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