Por Mara Moré
As penas e gozos da alma depois da
morte não são materiais, pois que a alma não é matéria. Nada têm de carnal
essas penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que
experimentamos na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável.
Então, já a matéria não lhe embota as sensações.
A felicidade dos Espíritos bons
consiste em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem
inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos
homens. O amor que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam
as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São
felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos Espíritos é proporcional
à elevação de cada um. Somente os Espíritos puros gozam, é exato, da felicidade
suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há
uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os que
já estão bastante adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e
aspiram a alcançá-la. Mas esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação,
não de inveja. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem
trabalham, porém com a calma da consciência tranquila, e ditosos se consideram por
não terem que sofrer o que sofrem os maus.
Quando é dito que os Espíritos
puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados em lhe entoar louvores, isso
significa uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições
de Deus, porque o vêem e compreendem, mas que, como muitas outras, não se deve
tomar ao pé da letra. Tudo na natureza, desde o grão de areia, canta, isto é,
proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Não se deve crer, todavia,
que os Espíritos bem-aventurados estejam em contemplação por toda a eternidade.
Seria uma bem-aventurança estúpida e monótona. Seria, além disso, a felicidade
do egoísta, porquanto a existência deles seria uma inutilidade sem-termo. Estão
isentos das tribulações da vida corpórea: já é um gozo. Depois, conhecem e
sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que adquiriram,
auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa é a sua ocupação, que ao
mesmo tempo é um gozo.
Os sofrimentos dos Espíritos
inferiores são tão variados como as causas que os determinaram, e proporcionais
ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem
resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para ser felizes e não o obterem;
verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desesperança
quanto ao que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível.
Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer: eis o que os tortura.
A influência que os Espíritos
exercem uns sobre os outros depende da evolução desses Espíritos. É sempre boa,
está claro, da parte dos Espírito bons. Os Espíritos perversos, esses procuram
desviar da senda do bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de
se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal
durante a vida terrena. A ação dos maus Espíritos é sempre bem menor sobre os
outros Espíritos do que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das
paixões materiais.
Os maus Espíritos, para tentar os
outros Espíritos, não podendo jogar com as paixões, procedem da seguinte
maneira: As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos
Espíritos atrasados. Os maus semeiam esses pensamentos, conduzindo suas vítimas
aos lugares onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas paixões e de tudo o que
as possa excitar.
Não há descrição possível das
torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o Espírito que
as sofre teria dificuldade em nos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém,
a mais horrível consiste em pensar que está condenado sem remissão.
Das penas e gozos da alma após a
morte forma o homem ideia mais ou menos elevada, conforme o estado de sua
inteligência. Quanto mais ele se desenvolve, tanto mais essa ideia se apura e
se liberta da matéria; compreende as coisas de um ponto de vista mais racional,
deixando de tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada.
Ensinando-nos que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida,
nos diz, por isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que
apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta de
sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas.
As comunicações espíritas têm como
resultado mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, mas na realidade.
Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo
tempo, entretanto, no-las mostram como consequências perfeitamente lógicas da
vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a imaginação dos
homens criou, não são menos aflitivas para os que fizeram mau uso de suas
faculdades. Infinita é a variedade dessas consequências. Mas, em tese geral,
pode-se dizer: cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são
pela visão incessante do mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela
vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes
que lhes são caros, etc.
A doutrina do fogo eterno procede
de uma imagem tomada como realidade, como tantas outras.
Impotente para, na sua linguagem,
definir a natureza daqueles sofrimentos, o homem não encontrou comparação mais
enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o fogo é o tipo do mais cruel
suplício e o símbolo da ação mais vigorosa. Por isso é que a crença no fogo
eterno data da mais remota antiguidade, tendo-a os povos modernos herdado dos
mais antigos. Por isso também é que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo
das paixões; abrasar de amor, de ciúme, etc.
Os Espíritos inferiores
compreendem a felicidade do justo, e isso lhes é um suplício, porque
compreendem que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o Espírito,
liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois que cada existência, se
for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que
procede à escolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas.
Porque o Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa
voluntária, por todo o bem que teria podido fazer e não fez, e por todo o mal
que decorre de não haver feito o bem.
Para o Espírito errante já não há
véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da
felicidade. Mais ainda, sofre então, porque compreende o quanto foi culpado.
Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade.
Na erraticidade, o Espírito
descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro
que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor
que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta
percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada.
Não podendo os Espíritos ocultar
reciprocamente seus pensamentos, e sendo conhecidos todos os atos da vida,
deve-se concluir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima.
Será um castigo para o culpado
essa divulgação de todos os nossos atos reprováveis e a presença constante dos
que deles foram vítimas, mas tão somente até que o culpado tenha expiado suas
faltas, quer como Espírito, quer como homem, em novas existências corpóreas.
Quando nos achamos no mundo dos
Espíritos, estando patente todo o nosso passado, o bem e o mal que houvermos
feito serão igualmente conhecidos. Em vão aquele que haja praticado o mal
tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença inevitável destas lhe será
um castigo e um remorso incessante, até que haja expiado seus erros, ao passo
que o homem de bem por toda parte só encontrará olhares amigos e benevolentes.
Para o mau, não há maior tormento,
na Terra, do que a presença de suas vítimas, razão pela qual as evita
continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das paixões, compreender o
mal que fez, vir patenteados os seus atos mais secretos, desmascarada a sua
hipocrisia e não puder subtrair-se à visão delas? Enquanto a alma do homem
perverso é presa da vergonha, do pesar e do remorso, a do justo goza perfeita
serenidade.
A lembrança das faltas que a alma,
quando imperfeita, tenha cometido, não lhe turba a felicidade, mesmo depois de
se haver purificado, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das provas a
que se submetera para esse fim.
Para a alma ainda maculada serão
causa de penosa apreensão, que lhe altera a felicidade, as provas porque ainda
tenha de passar para acabar a sua purificação. Daí vem que ela não pode gozar
de felicidade perfeita, senão quando estiver completamente pura. Para aquela,
porém, que já se elevou, nada tem de penoso o pensar nas provas que ainda haja
de sofrer.
A alma que chegou a um certo grau
de pureza já experimenta a felicidade. Domina-a um sentimento de grata
satisfação. Sente-se feliz por tudo o que vê, por tudo o que a cerca.
Levantasse-lhe o véu que encobria os mistérios e as maravilhas da Criação, e as
perfeições divinas em todo o esplendor lhe aparecem.
Os Espíritos entre os quais há
recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos,
visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente
espiritual, famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisso a
felicidade espiritual, do mesmo modo que no nosso mundo nos agrupamos em
categorias e experimentamos certo prazer quando nos achamos reunidos. Na
afeição pura e sincera que cada um vota aos outros e de que é por sua vez
objeto, têm eles um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos,
nem hipócritas.
Das primícias dessa felicidade goza
o homem na Terra, quando se lhe deparam almas com as quais pode confundir-se
numa união pura e santa. Em uma vida mais purificada, inefável e ilimitado será
esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas, que o egoísmo não
tornará frias. Na natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o mata.
Muito grande pode ser a diferença,
com relação ao estado futuro do Espírito, entre um que, em vida, teme a morte e
outro que a encara com indiferença e mesmo com alegria. Entretanto, apaga-se
com frequência em face das causas determinantes desse temor ou desse desejo.
Quer a tema, quer a deseje, pode o homem ser propelido por sentimentos muito
diversos e são estes sentimentos que influem no estado do Espírito. É evidente,
por exemplo, que naquele que deseja a morte unicamente porque vê nela o termo
de suas tribulações há uma espécie de queixa contra a Providência e contra as
provas que lhe cumpre suportar.
A crença no Espiritismo ajuda o
homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos atinentes ao
futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque nos mostra o
que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo
ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos
atos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não
possa ela ser conseguida.
Só o bem assegura a sorte futura.
Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.
Referências:
O Livro dos Espíritos - Quarta Parte - Cap. II - Allan Kardec.
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