terça-feira, 24 de outubro de 2023

Natureza das penas e gozos futuros

 


Por Mara Moré

As penas e gozos da alma depois da morte não são materiais, pois que a alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentamos na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe embota as sensações.

A felicidade dos Espíritos bons consiste em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os Espíritos puros gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os que já estão bastante adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e aspiram a alcançá-la. Mas esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não de inveja. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem trabalham, porém com a calma da consciência tranquila, e ditosos se consideram por não terem que sofrer o que sofrem os maus.

Quando é dito que os Espíritos puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados em lhe entoar louvores, isso significa uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições de Deus, porque o vêem e compreendem, mas que, como muitas outras, não se deve tomar ao pé da letra. Tudo na natureza, desde o grão de areia, canta, isto é, proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Não se deve crer, todavia, que os Espíritos bem-aventurados estejam em contemplação por toda a eternidade. Seria uma bem-aventurança estúpida e monótona. Seria, além disso, a felicidade do egoísta, porquanto a existência deles seria uma inutilidade sem-termo. Estão isentos das tribulações da vida corpórea: já é um gozo. Depois, conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa é a sua ocupação, que ao mesmo tempo é um gozo.

Os sofrimentos dos Espíritos inferiores são tão variados como as causas que os determinaram, e proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para ser felizes e não o obterem; verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desesperança quanto ao que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer: eis o que os tortura.

A influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros depende da evolução desses Espíritos. É sempre boa, está claro, da parte dos Espírito bons. Os Espíritos perversos, esses procuram desviar da senda do bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena. A ação dos maus Espíritos é sempre bem menor sobre os outros Espíritos do que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das paixões materiais.

Os maus Espíritos, para tentar os outros Espíritos, não podendo jogar com as paixões, procedem da seguinte maneira: As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos Espíritos atrasados. Os maus semeiam esses pensamentos, conduzindo suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.

Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o Espírito que as sofre teria dificuldade em nos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensar que está condenado sem remissão.

Das penas e gozos da alma após a morte forma o homem ideia mais ou menos elevada, conforme o estado de sua inteligência. Quanto mais ele se desenvolve, tanto mais essa ideia se apura e se liberta da matéria; compreende as coisas de um ponto de vista mais racional, deixando de tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada. Ensinando-nos que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos diz, por isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta de sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas.

As comunicações espíritas têm como resultado mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, mas na realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo tempo, entretanto, no-las mostram como consequências perfeitamente lógicas da vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a imaginação dos homens criou, não são menos aflitivas para os que fizeram mau uso de suas faculdades. Infinita é a variedade dessas consequências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são caros, etc.

A doutrina do fogo eterno procede de uma imagem tomada como realidade, como tantas outras.

Impotente para, na sua linguagem, definir a natureza daqueles sofrimentos, o homem não encontrou comparação mais enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o fogo é o tipo do mais cruel suplício e o símbolo da ação mais vigorosa. Por isso é que a crença no fogo eterno data da mais remota antiguidade, tendo-a os povos modernos herdado dos mais antigos. Por isso também é que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo das paixões; abrasar de amor, de ciúme, etc.

Os Espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo, e isso lhes é um suplício, porque compreendem que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o Espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois que cada existência, se for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à escolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque o Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que teria podido fazer e não fez, e por todo o mal que decorre de não haver feito o bem.

Para o Espírito errante já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais ainda, sofre então, porque compreende o quanto foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade.

Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada.

Não podendo os Espíritos ocultar reciprocamente seus pensamentos, e sendo conhecidos todos os atos da vida, deve-se concluir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima.

Será um castigo para o culpado essa divulgação de todos os nossos atos reprováveis e a presença constante dos que deles foram vítimas, mas tão somente até que o culpado tenha expiado suas faltas, quer como Espírito, quer como homem, em novas existências corpóreas.

Quando nos achamos no mundo dos Espíritos, estando patente todo o nosso passado, o bem e o mal que houvermos feito serão igualmente conhecidos. Em vão aquele que haja praticado o mal tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença inevitável destas lhe será um castigo e um remorso incessante, até que haja expiado seus erros, ao passo que o homem de bem por toda parte só encontrará olhares amigos e benevolentes.

Para o mau, não há maior tormento, na Terra, do que a presença de suas vítimas, razão pela qual as evita continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das paixões, compreender o mal que fez, vir patenteados os seus atos mais secretos, desmascarada a sua hipocrisia e não puder subtrair-se à visão delas? Enquanto a alma do homem perverso é presa da vergonha, do pesar e do remorso, a do justo goza perfeita serenidade.

A lembrança das faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não lhe turba a felicidade, mesmo depois de se haver purificado, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submetera para esse fim.

Para a alma ainda maculada serão causa de penosa apreensão, que lhe altera a felicidade, as provas porque ainda tenha de passar para acabar a sua purificação. Daí vem que ela não pode gozar de felicidade perfeita, senão quando estiver completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou, nada tem de penoso o pensar nas provas que ainda haja de sofrer.

A alma que chegou a um certo grau de pureza já experimenta a felicidade. Domina-a um sentimento de grata satisfação. Sente-se feliz por tudo o que vê, por tudo o que a cerca. Levantasse-lhe o véu que encobria os mistérios e as maravilhas da Criação, e as perfeições divinas em todo o esplendor lhe aparecem.

Os Espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos, visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisso a felicidade espiritual, do mesmo modo que no nosso mundo nos agrupamos em categorias e experimentamos certo prazer quando nos achamos reunidos. Na afeição pura e sincera que cada um vota aos outros e de que é por sua vez objeto, têm eles um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem hipócritas.

Das primícias dessa felicidade goza o homem na Terra, quando se lhe deparam almas com as quais pode confundir-se numa união pura e santa. Em uma vida mais purificada, inefável e ilimitado será esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas, que o egoísmo não tornará frias. Na natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o mata.

Muito grande pode ser a diferença, com relação ao estado futuro do Espírito, entre um que, em vida, teme a morte e outro que a encara com indiferença e mesmo com alegria. Entretanto, apaga-se com frequência em face das causas determinantes desse temor ou desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode o homem ser propelido por sentimentos muito diversos e são estes sentimentos que influem no estado do Espírito. É evidente, por exemplo, que naquele que deseja a morte unicamente porque vê nela o termo de suas tribulações há uma espécie de queixa contra a Providência e contra as provas que lhe cumpre suportar.

A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos atinentes ao futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque nos mostra o que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.

Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.

Referências:

O Livro dos Espíritos - Quarta Parte - Cap. II - Allan Kardec.

 

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