terça-feira, 13 de março de 2018

Gaston Luce, Considerações de um Biógrafo

Amigo pessoal e biografo de Léon Denis, Gaston Luce descreve no prólogo da primeira edição da obra (reproduzido na íntegra abaixo), a lacuna deixada para si e para a doutrina espírita após o desencarne do “Apóstolo do Espiritismo”, bem como resume toda a sua trajetória imprimindo no texto a personalidade íntegra e resoluta do eminente orador, escritor e mestre espírita.



Prólogo


A morte de Léon Denis, ainda tão recente, deixou um grande vazio nas fileiras espíritas do Ocidente e por todas as partes do mundo onde sua obra penetrou.

Esse vazio não será preenchido tão cedo, não que o talento seja raro em nosso meio, mas porque o prestígio literário se reveste aqui de méritos verdadeiramente excepcionais.

Embora o eco da potente voz do apóstolo, prosseguindo em sua missão na “outra vida”, ainda não nos tenha chegado, temos, desde agora, o dever de nos dedicarmos à sua obra, na qual sua doutrinação aparece em toda a sua plenitude e seu poder, dela retirando os mais substanciosos ensinamentos.

Tarefa mais urgente não existe e nada há de mais reconfortante.

Enquanto numerosos ensaios filosóficos se esforçam, numa preocupação louvável, em nos arrancar de um niilismo absurdo e degradante, sem que consigam alcançá-lo, os livros de Léon Denis são os libertadores. A fé que extraímos deles é contagiante, geradora de esperança e de coragem varonil.

Eis por que tantos leitores de todas as classes sociais e de todas as regiões encontraram nelas virtudes particularmente eficazes.

Sem dúvida alguma, devemos dar crédito à Ciência, desejar o maior êxito nas atuais pesquisas da Metapsíquica, evitando, porém, repisar os mesmos temas.

Entretanto, é preciso considerar, com o autor de O Grande Enigma, que tudo quanto constitui tema de nossas investigações já foi registrado, apresentado de maneira perfeita pelos instrutores da mais remota Antiguidade, e que nós perdemos, em definitivo, um precioso tempo, recomeçando sempre a mesma tarefa, enquanto que a humanidade vai à deriva e mergulha mais profundamente no erro.

É suficiente reler os livros do mestre Denis para compreendermos o sentido de suas repetidas advertências, entendermos a razão de suas apreensões pelas catástrofes motivadas pelos nossos erros e a nossa insensata cegueira.

Homens de pouca fé, repete ele, juntamente com o Justo, quando, então, ireis abrir os olhos para a luz, quando, então, reconhecereis a palavra da verdade?

A nova revelação que o Espiritismo nos apresenta, alicerçada em bases experimentais, é, acima de tudo, de ordem moral: eis o que não se pode esquecer.

O Espiritismo será científico ou não subsistirá.

Certamente, esta afirmativa é excelente, com a condição de que não o subordinem a uma ciência vacilante e tímida, com a condição de que ele não se afaste do verdadeiro caminho da alma.

Léon Denis está entre aqueles que se recusam a subordinar a filosofia, a velha sabedoria humana, somente às regras da experimentação, porque em semelhante domínio não se trata mais de matéria tangível. A concepção exclusivamente mecânica do mundo é insuficiente e apenas o testemunho dos sentidos torna-se de flagrante indigência.

Assim, não se querendo limitar unicamente aos fatos, volta-se para a mais evidente realidade, a do espírito (razão, consciência, sentimento), a única que pode conduzir à Causa Primária e liga verdadeiramente o homem ao Universo.

Concepção religiosa? Se assim o quisermos. Porém, a característica do homem não é a de ser um animal religioso?

Consciente de sua pequenez, no seio da criação, Léon Denis mantém uma invencível fé na imanente justiça, na perfeição das leis eternas, na bondade de Deus. Daí sua permanente serenidade.

O que caracteriza sua filosofia são os altos voos, é o amor ao aperfeiçoamento. Sua última palavra de ordem é: Santifica-te! Eleva-te! – a vida é uma ascensão – sempre para mais alto!

Uma tal existência, consagrada exclusivamente à busca da verdade, ao estudo e à meditação, não deixaria transparecer os aborrecimentos e as inquietações tão comuns.

Aparentemente tranquila, apenas deixando entrever o drama interior, tal vida lembra mais um rio que flui do que um lago tumultuoso.

É que a fase das tempestades e dos erros está dominada e amplamente superada pelo “apóstolo”. Ele já se adiantou e marcha resolutamente, adiante de nós, para nos mostrar o caminho.

Ao descrever sua vida consagrada ao serviço de um ideal, de uma causa nobre, voluntariamente negligenciamos tudo quanto não era documento oficial ou testemunho insuspeito.

O método pode parecer insuficiente, porém, com toda certeza, é o menos suscetível de sofrer deformações.

Ao demais, este trabalho deseja apenas fornecer elementos básicos, ele não pretende esgotar o assunto de uma só vez.

Conduzindo nossa pesquisa às próprias fontes, entre os papéis que o mestre nos deixou, em suas anotações de viagem e também em suas obras, onde ele depositou – muito raramente – por aqui, por ali, valiosos fragmentos autobiográficos, conseguimos encontrar o encadeamento dos mais marcantes fatos dessa longa e bela existência de beneditino leigo.

Limitamo-nos, voluntariamente, aos fatos importantes, aos acontecimentos essenciais de sua mocidade, de suas estreias, de seu proveitoso apostolado, de sua laboriosa velhice.

Reproduzimos, todas as vezes que foi necessário, as opiniões dos seus contemporâneos; extraímos de sua correspondência as passagens interessantes, respeitando a maior discrição. Enfim, deixamos a palavra ao orador e ao escritor, em todas as circunstâncias em que ele desempenhou um papel capital, a fim de que nossa narrativa fosse suficientemente segura e bem viva. Também ali acrescentamos o nosso testemunho pessoal.

Que possamos, em nosso desejo de reverenciar tão querida memória, ter posto convenientemente em destaque a figura do bom mestre de Tours, o apóstolo do Espiritismo, como era denominado o destemido mensageiro da Boa Nova, cujo nome desperta por toda parte no mundo, entre todos aqueles que leram seus livros, um sentimento profundo de reconhecimento e de piedosa veneração, servindo, ao mesmo tempo, a uma causa – bela entre todas.

Gaston Luce

Do livro Léon Denis, O Apóstolo do Espiritismo, de Gaston Luce.

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