domingo, 27 de novembro de 2016

O Espiritismo e a Filosofia Contemporânea


O texto abaixo foi escrito pelo pensador espírita LÉON DENIS (1846-1927) em novembro de 1918, compondo um dos capítulos de seu último livro “O Mundo Invisível e a Guerra”, um retrato de um dos momentos mais graves pelas quais passou a humanidade durante a I Guerra Mundial (1914-1918).

Neste capítulo, DENIS menciona o trabalho do filósofo Henri Bergson (1859-1941) e cita os aspectos convergentes com a Filosofia Espírita.

“O Espiritismo e a Filosofia Contemporânea


Apresentamos, em largos traços, a rápida marcha e o progresso do Espiritismo, durante 50 anos, em todos os domínios do pensamento, isto é, na Ciência, na experimentação psíquica, na Literatura e até no seio das Igrejas. Falta-nos analisar qual foi a sua influência no movimento filosófico contemporâneo, particularmente na filosofia da escola.

Notemos que esses resultados foram obtidos fora de qualquer organização espírita, sem outros meios de ação ou outros recursos, a não ser o próprio poder da verdade e sem qualquer outra direção, a não ser a que promana do Além. Porém, será esta, provavelmente, a mais segura e a mais eficaz, porque, melhor que os recursos humanos, pode vencer os preconceitos, as rotinas e os mais obstinados contraditores.

Na verdade, todos os que trabalharam com persistência pela divulgação do Espiritismo sentiram-se ajudados e amparados pelo mundo invisível.

Quanto à obra filosófica realizada nesse meio século, não passaremos em revista todos os seus sistemas, para não sairmos do limite deste estudo; tão-somente perguntaremos qual a parte que se deve atribuir à idéia espírita no ensino oficial.

Declaremos, inicialmente, que durante esse período as teorias materialistas não pararam de retroceder e que o espiritualismo tende a substituí-las.

Atualmente, o ensino oficial se baseia na filosofia de Henri Bergson, cuja influência aumenta cada vez mais no exterior ao mesmo tempo em que sua ação sobre os espíritos se torna mais intensa em nosso país.

As ciências psíquicas são familiares a Bergson, que seguiu com atenção o seu desenvolvimento. Ele é o autor de um artigo no Boletim do Instituto Geral de Psicologia, de janeiro de 1904, sobre a visão de clarões na obscuridade pelos sensitivos.

Sua filosofia não é um sistema que se junta aos anteriores. É original e profunda, representando uma verdadeira revolução no mundo do pensamento. Desde Spencer estava aceito que a inteligência é a principal faculdade, o mais seguro meio para se conseguir o conhecimento e abranger o domínio da vida e da evolução.

Ora, Bergson prova que a inteligência, que constitui uma emanação da vida, por si só é impotente para abranger a vida e a evolução, porque a parte não pode abranger o todo, nem o fato reabsorver sua causa. Então o que fez ele? No lugar da inteligência coloca a intuição, e isto constitui um acontecimento da mais alta importância na Psicologia, pois a maior parte das faculdades mediúnicas – a clarividência, a premonição e a previsão dos acontecimentos – se prende à intuição. No dia em que a Ciência achar um método prático para desenvolver essa intuição, ela se aproximará dessas faces misteriosas da alma humana, com as quais esta se limita com a presciência divina e pelas quais se revelam sua íntima essência e sua imensa evolução.

Com o desenvolvimento dessas faculdades, podemos entrever o aparecimento de uma raça de homens que nos superará em poder, tanto quanto o homem atual supera o pré-histórico. Então a alma humana se apresentará com toda a sua grandeza; veremos que ela possui profundos mananciais de vida, onde sempre pode retemperar-se, e que possui picos iluminados pela luz da eterna verdade.

A alma humana é um mundo. Conhece o esplendor das alturas e a vertigem dos abismos. Possui precipícios em cujo fundo rugem as torrentes das paixões. Contém filões plenos de riquezas, e seu destino consiste exatamente em valorizar todos esses tesouros escondidos.

O estudo da obra de Bergson nos mostra, em certos pontos, semelhanças notáveis com a Doutrina Espírita. A vida da criatura, afirma ele, é o resultado de uma evolução anterior ao nascimento. Existe um encadeamento, uma continuidade na transformação, no progresso e, ao mesmo tempo, existe uma conservação do passado no presente. Bergson admite, como nós, que esse passado está gravado na consciência profunda e marca a evolução paralela do ser orgânico e do ser consciente. Aqui estão os termos com os quais define essa evolução:

‘O progresso é constante e prossegue indefinidamente: o progresso invisível, sobre o qual o ser visível se sobrepõe no espaço de tempo que percorrerá na Terra. Quanto mais mantemos a atenção nesta continuidade de vida, tanto mais veremos a evolução orgânica aproximar-se da evolução consciente, em que o passado atua sobre o presente, para dele fazer brotar uma nova forma, que é a resultante das anteriores.’

Sem dúvida, isso é transformismo, porém de tal forma espiritualizado, que se aproxima de uma maneira perceptível da filosofia das vidas sucessivas. Essa noção das existências anteriores vem afirmada e precisada em numerosas páginas de Bergson das quais vão aqui alguns trechos:

‘Que somos nós, que é o nosso caráter senão a condensação da história que temos vivido desde nosso nascimento, e mesmo antes dele, pois que já trazemos conosco disposições pré-natais?’

‘A vida é o prosseguimento da evolução pré-natal e a prova disso é que muitas vezes fica impossível afirmar se estamos tratando com um organismo que envelhece ou com um embrião que continua a progredir.’

Voltamos a encontrar em Bergson a concepção espírita da vida universal:

‘O Universo não está feito, porém se faz sem cessar, crescendo, sem dúvida, indefinidamente, pela junção de novos mundos… É possível que a vida se manifeste noutros planetas e também em outros sistemas solares, sob formas que não imaginamos, em condições físicas que nos parecem, no ponto de vista de nossa fisiologia, inteiramente desconhecidos.’

Segundo Bergson, o princípio da evolução não está na matéria visível e sim na invisível. Ele declara:

‘Todos os novos dados científicos tendem a transpor a evolução, elevando-a do visível para o invisível.’

Pode-se observar que Bergson, na sua obra, fala constantemente da vida e muito pouco da morte. Nenhum filósofo parece ter se preocupado menos com esse passageiro acidente que não põe fim a nada. Para ele, como para nós, a vida triunfa e reina, soberanamente, tanto antes como depois da morte.

Também sobre o livre-arbítrio, a opinião de Bergson está de acordo com o que sempre sustentamos. Afirma ele:

‘A finalidade da vida é colocar a indeterminação na matéria. Indeterminadas (quero dizer imprevisíveis) são as formas que ela cria no correr de sua evolução. Também cada vez mais indeterminada (isto é, cada vez mais livre) é a atividade para a qual essas formas devem servir de veículo.’

Mais adiante acrescenta:

‘A liberdade não é absoluta: admite graus… Somos livres enquanto somos nós mesmos, isto é, em nosso estado de personalidade profunda, porém somos determinados enquanto pertencemos à matéria e à extensão. A personalidade humana é um jato vivo de incontrolável liberdade… A liberdade constitui um fato de experiência interna, uma coisa sentida e vivida, não raciocinada.’

Em síntese, nota-se que o bergsonismo, como a doutrina dos espíritos, dá ao homem mais força para viver e para agir, ligando-o mais intimamente a tudo quanto vive, ama e sofre no mundo.

O materialismo isolava inteiramente o homem: na engrenagem da máquina cega do mundo o homem se sentia reduzido a nada. Porém a idéia muda: assim como o menor grão de pó é solidário com imenso sistema solar, assim também todos os seres vivos, desde as origens da vida, através dos tempos e lugares, não fazem outra coisa senão tornar mais perceptível uma direção única e invisível.

Estão sujeitos uns aos outros, interligam-se e obedecem a um formidável impulso, como uma imensa caravana que marcha através do tempo e do espaço, transpondo os obstáculos e desdobrando-se para além de todas as mortes.

Não existe aí algo de novo na filosofia oficial que, até agora totalmente impregnada de intelectualismo, estava tolhida diante do problema da criatura?

Le Dantec e sua escola buscavam a vida somente na matéria, porém Bergson, colocando mais alto a inteligência e a vida, reabilita, de algum modo, o mundo vivo, encontrando o laço que prende as doutrinas ocidentais às da Grécia e do Oriente, às crenças de nossos pais, àquela filosofia celta, resumida nas Tríades e às quais se terá de voltar, sem dúvida, algum dia.

E, quer Bergson tenha conseguido suas ideias nos seus estudos psíquicos, quer nas inspirações de seu próprio gênio, o fato não é menos notável, no ponto de vista da semelhança das doutrinas, principalmente no que toca às suas vastas consequências morais e sociais.

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Terminando sua magistral obra A Evolução Criadora, Bergson insiste na relatividade dos fatos e na sua impotência para nos darem apenas uma concepção parcelada da natureza. Ataca com vigor os pontos de vista arbitrários de Herbert Spencer, que a Ciência adotou:

‘Não se pode raciocinar sobre as partes como se raciocina sobre o todo. O filósofo deve ir mais além do que o sábio. A inteligência extrai os fatos desse todo que é a realidade. No lugar de afirmar que as relações entre os fatos formaram as leis do pensamento, posso bem imaginar que a forma do pensamento é que determinou a configuração dos fatos percebidos e, conseqüentemente, suas relações entre si.’

Termina da seguinte forma:

‘A filosofia não é somente a volta do espírito para si mesmo, a coincidência da consciência humana com o princípio vivo de onde ela emana, um contato com o esforço criador; ela é o aprofundamento da transformação em geral, o verdadeiro evolucionismo e, por conseqüência, o verdadeiro prolongamento da Ciência, com a condição de que se compreenda por esta última palavra um conjunto de verdades constatadas ou demonstradas, e não certa escolástica nova que apareceu, durante a segunda metade do século XIX, em torno da física de Galileu, assim como a antiga escolástica o havia feito em torno de Aristóteles.’

Todos os espíritos abalizados se impressionarão com a concordância que há nesse ponto entre as maneiras de ver de Bergson e as expostas por Allan Kardec.

Realmente, em matéria de Espiritismo, o Codificador nunca desejou separar a doutrina dos fatos, mas ainda há entre nós quem desejasse limitá-lo a um campo experimental. Isto nos leva a considerações especiais quanto à doutrina dos espíritos.

Ninguém discute que os fatos sejam a base do Espiritismo, a prova da sobrevivência da alma após a morte. Todavia, atrás deles existe toda uma revelação. No Espiritismo o fato não se produz sem um ensinamento, sempre que o fenômeno obtido seja de ordem um tanto elevada.

Os espíritos não procuram comunicar-se conosco a não ser para nos instruírem e nos iniciarem nas grandes leis do mundo espiritual, cujo conhecimento é muito importante, principalmente nos momentos de provação. Foi assim que Allan Kardec compreendeu e sentiu o Espiritismo e porque, em sua obra, ele reúne intimamente a doutrina à ciência. Procedendo assim, ele não atendia a uma vontade pessoal, porém a uma necessidade e à própria natureza do que ele estudava.

O poder de ação, o papel social do Espiritismo não se deve a que ele atende, simultaneamente, a todas as necessidades da alma humana, às múltiplas e importantes urgências do momento atual. O Espiritismo se dirige, ao mesmo tempo, ao cérebro e ao coração, à inteligência, à consciência e à razão.

O que forma o poder e a eficácia do Espiritismo é que as satisfações intelectuais e morais que ele nos apresenta e os ensinamentos que nos proporciona formam, no seu conjunto, majestosa unidade e uma soberba síntese científica, filosófica, moral e social.

Qualquer doutrina que não busque esses diferentes fins carecerá de equilíbrio.

A moral que provém do cérebro é estéril; só a do sentimento e do coração pode tornar o homem realmente humano, acessível à piedade, compassivo para com todas as dores e dedicado a seu próximo.

Não há dúvida de que devemos estudar os fatos dando-lhes a merecida importância, porém, como pretende Bergson, mais além e bem mais alto que os fatos, deve-se verificar a meta para a qual, por seu intermédio, nos conduzem as forças invisíveis pelas ásperas sendas do destino.

Portanto, o Espiritismo não é apenas o fenômeno físico, a dança das mesas, como ainda parecem acreditar alguns homens. Ele é todo um esforço do Além para tirar da alma humana suas dúvidas e suas enfermidades morais, obrigando-a a ter plena consciência de si mesma, realizando seus gloriosos fins.

O Espiritismo é o raio de esperança que vem aclarar nosso sombrio Universo, nossa Terra de lama, sangue e lágrimas; é o raio luminoso que vem clarear as habitações miseráveis, penetrando nas residências tristes onde a desgraça habita e onde gemem os que padecem.

O Espiritismo é o chamado do Infinito; são as vozes que chegam para proclamar o mais nobre e mais poderoso ideal que o gênio humano já sonhou.

Atendendo a esses apelos, a essas vozes, as frontes curvadas sob o peso da vida se levantam e os desesperados, os náufragos da existência cobram ânimo, vendo, no sombrio céu de seu pensamento, brilhar uma aurora que anuncia novos tempos, tempos bem melhores para a humanidade.

O Espiritismo é a comunhão das almas que se chamam e se respondem através do espaço. Graças a ele chegam até nós notícias dos que foram nossos companheiros de lutas na Terra. Pensávamos tê-los perdido e eis que nos sentimos ligados a eles novamente!

É uma grande alegria saber e sentir que estamos vinculados àqueles a quem amamos, unidos através dos séculos, porque a morte é apenas uma ilusão da vista e toda separação é só passageira e aparente.

Não nos sentimos apenas ligados a eles, porém a todas as almas que povoam a imensidão, porque o Universo é uma grande família.

Nos milhares de mundos que giram nos espaços, por toda parte, possuímos irmãos e irmãs que estamos destinados a encontrar e conhecer algum dia e por toda parte existem almas com as quais continuaremos nosso progresso, debaixo de leis sábias, profundas e eternas!

O sentimento e o poderoso instinto da vida e da solidariedade universais despertarão, aos poucos, em nós.

Através desse meio, sentir-nos-emos vinculados aos mais humildes como aos mais nobres espíritos; sentir-nos-emos na mesma categoria dos heróis, dos sábios e dos gênios, teremos a possibilidade de nos reunirmos com eles na luz, quando também houvermos trabalhado, lutado, padecido e merecido.

Finalmente, o Espiritismo é toda a movimentação da vida invisível; um universo vivo – até bem pouco ignorado, exceto por alguns poucos – e que sabemos e sentimos que existe, agita-se, palpita, vibrando em nosso derredor e enchendo o espaço com radiosos pensamentos, pensamentos de amor e inspirações geniais.

Cada vez mais, iremos senti-lo vivendo e agindo, graças ao desenvolvimento de faculdades que se multiplicarão, crescerão e se tornarão comuns a um grande número de pessoas.

Dessa forma, conseguiremos também a valiosa certeza da proteção, do amparo que do Além estende-se sobre nós; a prova de que a solicitude do Alto envolve todos os peregrinos da existência no seu penoso jornadear terreno.

Na luta que está sendo travada para o progresso da humanidade – a grandiosa batalha das idéias – o Espiritismo é o mais forte dos combatentes, porque nele se reencontram a vida e a morte, a Terra e o Céu se reúnem e se ligam para as lides do pensamento.

Lutemos, portanto, com nobreza, habilidade e prudência, porque o mundo invisível está conosco.

Elevemos o nosso brado de esperança e confiança na justiça eterna e consciente que governa os mundos.

Acreditemos, esperemos e trabalhemos.”

LÉON DENIS
Fonte: CEFE – Centro de Estudos Filosóficos Espíritas

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