O desenvolvimento da mediunidade
Uma primeira observação a ser
feita é que se a presença da faculdade mediúnica em uma pessoa independe de sua
condição moral, intelectual e de crença, ninguém poderá tornar-se médium
tão-somente pelo fato de moralizar-se, ou de estudar, ou de aderir às
convicções espíritas. É evidente que essas atitudes serão de imenso proveito
para a criatura, pois a colocarão em condições de compreender e utilizar bem a
faculdade mediúnica que porventura possua.
É significativo, a esse respeito,
que Kardec tenha alertado já no terceiro parágrafo da Introdução de O Livro dos
Médiuns que muito se enganaria aquele que “supusesse encontrar nesta obra uma
receita universal e infalível para formar médiuns.” Lança mão, a seguir, de uma
comparação muito clara e objetiva, que esclarece o assunto à saciedade (os
destaques são nossos):
Se bem que cada um traga em si o
gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades
existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que
a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da
pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que
não têm o gênio de algumas dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam no emprego
de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo
consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto
quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o
emprego de modo útil, quando ela exista.
O caráter espontâneo da faculdade
mediúnica é ainda destacado no parágrafo 208 de O Livro dos Médiuns (o destaque
é nosso):
Se os rudimentos da faculdade
[mediúnica] não existem, nada fará que apareçam […].
No capítulo intitulado “Manifestações
dos Espíritos” de Obras Póstumas (parágrafo 6, no 34) encontramos esta densa
passagem (destaque nosso):
O desenvolvimento da faculdade
mediúnica depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium
e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos; depende,
portanto, do organismo e pode ser desenvolvida quando exista o princípio; não
pode, porém, ser adquirida quando o princípio não exista.
E no parágrafo 198 de O Livro dos
Médiuns, que trata da diversidade das faculdades mediúnicas, lemos ainda:
Em erro grave incorre quem queira
forçar a todo custo o desenvolvimento de uma faculdade que não possua. Deve a
pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça possuir o gérmen. Procurar à
força ter as outras é, antes de tudo, perder tempo, e, em segundo lugar, perder
talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.
Encerrando esse parágrafo, Kardec
transcreve comunicação mediúnica de Sócrates sobre o desenvolvimento da
mediunidade, que contém grave advertência:
Quando existe o princípio, o
gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais inequívocos.
Limitando-se à sua especialidade, pode o médium tornar-se excelente e obter
grandes e belas coisas; ocupando-se de tudo, nada de bom obterá. Notai, de
passagem, que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas faculdades é
uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nunca deixam impune. Os bons
abandonam o presunçoso, que se torna então joguete dos mentirosos.
Infelizmente, não é raro verem-se médiuns que, não contentes com os dons que
receberam, aspiram, por amor-próprio ou ambição, a possuir faculdades
excepcionais, capazes de os tornarem notados. Essa pretensão lhes tira a
qualidade mais preciosa: a de médiuns seguros.
Apenas como exemplo de opinião de
um outro autor, corroborativa da de Allan Kardec, vejamos como Emmanuel
responde à questão 384 de seu livro O Consolador, questão essa que versa
especificamente sobre o tema que estamos focalizando:
Dever-se-á provocar o
desenvolvimento da mediunidade?
A mediunidade não deve ser fruto
de precipitação nesse ou naquele setor da atividade doutrinária, porquanto, em
tal assunto, toda a espontaneidade é indispensável, considerando-se que as
tarefas mediúnicas são dirigidas pelos mentores do plano espiritual.
Logo em seguida, em resposta à
questão 386, o conceituado Espírito reitera:
Ninguém deverá forçar o
desenvolvimento dessa ou daqula faculdade, porque, nesse terreno, toda a
espontaneidade é necessária; observando-se contudo, a floração mediúnica
espontânea, nas expressões mais simples, deve-se aceitar o evento com as
melhores disposições de trabalho e boa-vontade […].
Precisamos portanto estar
vigilantes quanto à opinião, infelizmente tão comum no meio espírita, de que as
pessoas que aparecem nas casas espíritas devem, cedo ou tarde, ser encaminhadas
às chamadas “sessões de desenvolvimento mediúnico”. São dois os motivos mais
freqüentemente alegados para esse tipo de recomendação: 1) o empenho e
dedicação com que alguém se interesse pelo Espiritismo, sugerindo, segundo
julgam, que tem “todas as condições” para exercer a mediunidade; 2) os
desequilíbrios variados de saúde ou de comportamento que apresente, notadamente
quando venham desafiando a perícia dos médicos.
Ora, no primeiro caso dever-se-ia
ponderar que as boas disposições da pessoa deverão ser aproveitadas antes de
mais nada em seu aperfeiçoamento intelectual e moral, e, em se tratando de sua
colaboração nas atividades do centro espírita, naquele setor ao qual mais se
ajuste por sua formação profissional, seus interesses e disponibilidades, quais
sejam a condução de estudos, a evangelização infanto-juvenil, a administração,
a biblioteca, as visitas fraternas, a costura de enxovais, a faxina, a
distribuição de alimentos, a acolhida aos novos freqüentadores etc., ou os
trabalhos mediúnicos, se os sinais de mediunidade se apresentarem de forma
espontânea.
No segundo caso, que é o mais
freqüente, seria preciso compreender que o mero fato de alguém encontrar-se
desequilibrado significa que não pode ser inserido no grupo mediúnico, sob o
risco de comprometer o seu bom funcionamento. A mediunidade em si é uma
faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com os desajustes físicos,
mentais e espirituais da criatura. Estes surgem por motivos específicos, e requerem
o tratamento médico, psicológico ou espírita adequado ao caso. Somente após seu
retorno à normalidade é que a pessoa poderá participar, como médium, dos
trabalhos mediúnicos, se a faculdade surgir espontaneamente. O exercício da
mediunidade não é recomendável na presença de determinadas enfermidades
físicas, como por exemplo, nas doenças contagiosas, ou onde o equilíbrio
orgânico esteja “por um fio” e a atividade mediúnica envolva situações que
emocionem muito o médium. No caso dos desequilíbrios mentais e espirituais, o
exercício mediúnico não pode nunca ser iniciado, ou continuado. Um médium
nessas condições não poderá contribuir positivamente, além de gerar
dificuldades para o grupo, facilitando mesmo a atuação de Espíritos
interessados na instalação da desarmonia, dos melindres, das suspeitas, do
enregelamento das relações entre os membros.
O desenvolvimento mediúnico a ser
promovido nos centros espíritas não deve nunca ser entendido como o aprendizado
de técnicas e métodos para fazer surgir a mediunidade, pois que não os há nem
pode haver, mas exclusivamente como o aprimoramento e direcionamento útil e
equilibrado das faculdades surgidas de forma natural, o que pressupõe o
aperfeiçoamento integral do médium, por meio do estudo sério e de seus esforços
incessantes para amoldar suas ações às diretrizes evangélicas.
Ressaltemos, outrossim, que os
núcleos espíritas não deverão iniciar qualquer trabalho mediúco, quer de
desenvolvimento (no sentido correto do termo), quer, menos ainda, de
assistência aos Espíritos enfermos, se não estiverem seguros de que dispõem de
colaboradores suficientemente preparados, por seus conhecimentos doutrinários,
por seu equilíbrio psicológico e por sua conduta cristã, que disponham de tempo
para encetar com regularidade tão delicada tarefa.
Resumindo o que foi visto nesta
seção:
A mediunidade é uma faculdade natural, que surge espontaneamente.
Não se deve procurar desenvolvê-la enquanto não aflorar por si só.
O desenvolvimento da mediunidade deve ser entendido unicamente como a sua educação, o seu aprimoramento, a sua disciplina, o seu direcionamento útil para o bem.
A mediunidade não é a causa primária dos desequilíbrios orgânicos e psicológicos.
O exercício da mediunidade não
deve ser colocado como a culminação obrigatória das atividades do cooperador da
casa espírita.
Os mecanismos da mediunidade
Na presente seção procuraremos
reunir alguns informes sobre os mecanismos da faculdade mediúnica, ou seja,
sobre como se dá o fenômeno mediúnico. A fonte básica continuará sendo Allan
Kardec. Iniciemos com este trecho, já parcialmente transcrito, do capítulo
“Manifestações dos Espíritos” de Obras Póstumas (§ 6, no 34; o destaque é
nosso):
O fluido perispirítico é o agente
de todos os fenômenos espíritas, que só se podem produzir pela ação recíproca
dos fluidos que emitem o médium e o Espírito. O desenvolvimento da faculdade
mediúnica depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium
e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos.
Esmiuçando as informações aqui
contidas, notamos:
O perispírito desempenha papel de
capital importância no processo mediúnico.
Sendo o perispírito “o agente de
todos os fenômenos espíritas”, e estes só podendo produzir-se pela ação
recíproca dos fluidos que emitem o médium e o Espírito, temos como regra sem
exceções que, ocorrendo um fenômeno de comunicação com o mundo espiritual,
necessariamente haverá a participação de um médium. Em alguns casos, como em
certas manifestações de efeitos físicos, não se nota a presença do médium, mas
podemos estar certos de que haverá alguém, em algum lugar, servindo de médium,
ainda mesmo que este não esteja consciente do papel que desempenha. Também
percebemos que serão vãos os esforços de certos pesquisadores que, desprezando
a riquíssima contribuição do Espiritismo para o estudo daquilo que
(impropriamente) denominam “paranormalidade”, tentam detectar o Espírito
unicamente por meio de aparelhos. Se algum instrumento chegar a registrar um
espírito, é porque houve a participação oculta de algum médium. Neste caso,
seria mais confiável analisar a manifestação diretamente, sem o recurso indireto
de instrumentos, que sempre constituem fonte adicional de incertezas.
A presença da faculdade mediúnica
em alguém liga-se à possibilidade de seu perispírito “expandir-se”. Veremos
logo mais que essa “expansão” do corpo espiritual pode ser entendida como a sua
parcial desvinculação do corpo físico.
A efetivação da comunicação exige,
além da “expansão” do perispírito do médium, a assimilação deste com o
perispírito do Espírito comunicante, ou seja, tem de haver sintonia entre
ambos. Esse fato importante, de que o médium em geral não é capaz de
comunicar-se indiscriminadamente com todos os Espíritos, é exposto em Obras
Póstumas imediatamente após o trecho que acabamos de transcrever (§ 6, no 35;
os grifos são nossos):
As relações entre os Espíritos e os
médiuns se estabelecem por meio dos respectivos perispíritos, dependendo a
facilidade dessas relações do grau de afinidade existente entre os dois
fluidos. Alguns há que se combinam facilmente, enquanto outros se repelem,
donde se segue que não basta ser médium para que uma pessoa se comunique
indistintamente com todos os Espíritos. Há médiuns que só com certos Espíritos
podem comunicar-se ou com Espíritos de certas categorias, e outros que não o
podem a não ser pela transmissão do pensamento, sem qualquer manifestação
exterior.
No exame do assunto do item 3,
podemos colher subsídios em André Luiz, o autor espiritual que tanto tem
contribuído para a extensão de nosso conhecimento científico acerca da
mediunidade. Em sua obra Evolução em Dois Mundos, ao analisar a fase evolutiva
em que se elaborava a faculdade de desprendimento do veículo perispiritual
durante o sono (capítulo 17, item “Mediunidade espontânea”), adianta esta
valiosa informação (grifamos):
Consolidadas semelhantes relações
com o Plano Espiritual […], começaram na Terra os movimentos de mediunidade
espontânea, porquanto os encarnados que demonstrassem capacidades mediúnicas
mais evidentes, pela comunhão menos estreita entre as células do corpo físico e
do corpo espiritual, em certas regiões do campo somático, passaram das
observações durante o sono às da vigília, a princípio fragmentárias, mas
acentuáveis com o tempo […].
Vemos, assim, que o respeitado
cientista deixa entrever a correlação íntima entre a possibilidade de contato
com a realidade espiritual durante a vigília (mediunidade) e um certo
“afrouxamento” das ligações entre as células do perispírito e as suas
correspondentes do corpo material. Prosseguindo, André Luiz explicita mais essa
correlação:
Quanto menos densos os elos de
ligação entre os implementos físicos e espirituais, nos órgãos da visão, mais
amplas as possibilidades na clarividência, prevalecendo as mesmas normas para a
clariaudiência e modalidades outras, no intercâmbio entre as duas esferas […].
Refletindo um pouco sobre as
assertivas de André Luiz, verificamos, inicialmente, que não conflitam com a
explicação dada por Kardec, em termos da capacidade de expansão do perispírito
do médium. Há, pelo contrário, até um reforço, já que a noção de “expansão” é
aqui suficientemente abrangente e flexível para permitir ulteriores elaborações
e detalhamentos, dentro da natureza eminentemente progressiva do Espiritismo.
Podemos compreender, deste modo, a “expansibilidade” do perispírito como a sua
faculdade de desvinculação parcial e temporária do corpo físico, passando,
nesse estado especial, a partilhar da realidade do mundo espiritual para nela
colher impressões diversas, sem, no entanto, perder a possibilidade de atuação
sobre o corpo denso.
É fundamental deixar claro que o
que acabamos de expor não corrobora de modo algum a ideia popular de que no
processo mediúnico o Espírito do médium “sai” e “dá lugar” ao Espírito
comunicante, que passaria então a servir-se diretamente do corpo do médium. Os
Instrutores Espirituais já esclareceram a Kardec, no importante capítulo “Do
papel do médium nas comunicações espíritas” de O Livro dos Médiuns que essa ideia
não corresponde à realidade. A mensagem sempre passa pelo Espírito do médium,
mesmo quando ele não guarda disso a consciência ao despertar do transe. Vejamos
o que dizem no item sexto do parágrafo 223:
O Espírito que se comunica por um
médium transmite diretamente o seu pensamento, ou este tem por intermediário o
Espírito do médium?
“É o Espírito do médium que é o
intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para falar e por ser
necessária uma cadeia entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é preciso
um fio elétrico para comunicar à grande distância uma notícia e, na extremidade
do fio, uma pessoa inteligente que a receba e transmita.”
Compreendemos então que, em última
instância, o comando do veículo físico só pode ser feito pelo seu próprio
“dono”. Poderíamos dizer que o corpo material é feito “sob medida” para cada
Espírito, e que não “serve” para nenhum outro. O Espírito estranho não tem como
agir diretamente sobre as células materiais formadas sob a influência de outro
Espírito e para o seu próprio uso.
É interessante notar que nas
questões seguintes à transcrita os Espíritos frisam mesmo enfrentando uma
oposição inicial de Kardec que essa é uma regra absoluta, sem exceções, nem
mesmo na mediunidade dita “mecânica”, ou ainda nos casos de efeitos físicos
onde uma mensagem inteligente é transmitida (tiptologia, escrita por meio de
pranchetas etc). Vemos, na questão 10 do referido parágrafo, que os Espíritos
expressam indiretamente sua desaprovação a esse modo de denominar a mediunidade
na qual o médium não guarda consciência do conteúdo da comunicação: o médium
jamais atua como máquina, mecanicamente.
Resumindo o conteúdo desta seção:
O perispírito desempenha papel essecial em todos os processos mediúnicos.
A faculdade mediúnica liga-se à possibilidade de o perispírito desvincular-se parcialmente do corpo físico durante a vigília.
A comunicação não se efetiva sem que haja sintonia entre os perispíritos do médium e do Espírito.
A comunicação espiritual, ainda que de efeitos físicos, sempre passa pelo Espírito do médium.
Fonte: https://espirito.org.br/
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