Por José Herculano Pires
O pensamento pedagógico, orientador dos
processos educacionais superiores, resulta da reflexão sobre os problemas da
educação. Jesus não era um educador no sentido comum da palavra. Não possuía,
como homem, nenhum experiência educativa. Sua profissão era a do pai, segundo a
tradição familiar: carpinteiro. Deixando de lado os problemas referentes à sua
origem e natureza divinas e encarando humanamente os fatos poderíamos falar
numa Pedagogia de Jesus?
A História nos mostra o aparecimento de
gênios que superaram por si mesmos as deficiências de sua formação cultural e
deram lições aos mestres qualificados. Esse é um capítulo que constitui
verdadeiro mistério da Ontogênese, a ciência que trata da formação dos seres.
Mas no Espiritismo o problema se esclarece facilmente com a lei da
reencarnação. Esta lei nos explica que os espíritos se encarnam em diferentes
graus de evolução, o que por sua vez explica as vocações que superam o meio
cultural em que nascem certas criaturas e consequentemente resolve o problema
da genialidade.
O que revela a existência de um pensamento
pedagógico na orientação educacional dada por um mestre não são os seus
títulos, são as coordenadas e a estrutura do seu ensino. Toda pedagogia se
funda numa filosofia. No caso de Jesus a filosofia básica é a dos Evangelhos.
Essa filosofia, que é a própria essência do Cristianismo, fornece a Jesus as
diretrizes e dela resulta o reconhecimento, já largamente efetuado no plano
pedagógico, de uma verdadeira Pedagogia de Jesus.
Francisco Arroyo, em sua monumental
"História Geral da Pedagogia", sustenta o seguinte:
"Com o Cristianismo aparece um
novo tipo histórico de educação. –– Jesus é o modelo perfeito do mestre
cristão. Clemente de Alexandria chama-o de Pedagogo da Humanidade".
O mesmo autor nos fornece esta breve mas
expressiva lista de obras a respeito: "Cristo como mestre e educador, de
S. Raue, Berlim, 1902; "Didática de Cristo", Metzler, publicado em
Kempton, 1908; "Jesus, educador de seus apóstolos", G. Delbrel, Paris,
1916".
Os historiadores da Educação e da Pedagogia, entre os quais Monroe, Hubert, Luzuriaga, Marrou, Riboulet, Messer, Bonatelli, todos reconhecem a existência de uma Pedagogia de Jesus que deu origem às várias formas da Pedagogia Cristã, nascida, como nota Arroyo, entre as formas pedagógicas da Humanistas latina e da Paidéia grega. Não se trata, pois, de uma novidade ou de um problema controverso, mas de assunto pacífico no campo pedagógico.
Fundamentos pedagógicos
Os fundamentos pedagógicos do ensino de
Jesus estão na sua concepção do mundo, abrangendo o homem e a vida. Essa
cosmovisão se opõe à concepção pagã e à concepção judaica. Jesus, assim, não é
apenas um reformador religioso, mas um filósofo na plena acepção da palavra.
Ele modifica a visão antiga do mundo e essa modificação atinge a todas as
filosofias do tempo, não obstante os pontos de concordância existentes com
várias delas. Bastaria isso para nos mostrar, à luz da Ciência da Educação, a
legitimidade da tese que inclui Jesus entre os grandes educadores e pedagogos,
colocando-o mesmo à frente de todos. Não se trata de uma posição religiosa, mas
de uma constatação científica.
A comparação entre a ideia de Deus do Velho
Testamento e a ideia de Deus do Novo Testamento mostra-nos a diferença entre o
mundo judeu e o mundo cristão. O Deus de Jesus é o pai de todas as criaturas,
sem distinção de raças ou posições sociais. Essa paternidade universal
determina a fraternidade universal. O Deus-Pai do Evangelho não é vingativo nem
irado, não comanda exércitos para destruir povos e nações, mas ama a todos os
seus filhos, quer a salvação de todos e a todos concede o seu perdão generoso.
Como diria Paulo mais tarde, o tempo da lei e da força fora substituído pelo
tempo da graça e do amor.
Os deuses olímpicos, cheios de paixões
humanas, e os deuses brutais dos fenícios e dos babilônios, os deuses
monstruosos dos egípcios, dos indianos e dos chineses são substituídos pelo
Deus-amor e paternal do Evangelho. O próprio Jeová irascível dos judeus,
ciumento e vingativo, perde o seu poder sobre o mundo. Os pobres, os doentes,
os sofredores, os escravos deixam de ser os condenados dos deuses e passam à
categoria de bem-aventurados. A virtude não está mais na bravura e no heroísmo
sangrento de gregos e romanos, mas na paciência e no perdão. Dar é melhor do
que conquistar, humilhar-se é melhor do que vangloriar-se, responder ao mal com
o bem é a regra da verdadeira pureza espiritual. Os mortos não estão mortos,
nem mergulhados nas entranhas da terra à espera do juízo final, mas estão mais
vivos que os vivos.
Da velha lei judaica não é modificado um só
ponto referente ao bom procedimento do homem da Terra, mas tudo o mais é
substituído pelo contrário. O culto a Deus é virado pelo avesso: nada mais de
sacrifícios materiais, de rituais simbólicos, de privilégios sacerdotais. O
único sacrifício é o das más paixões, do orgulho, da arrogância, da cupidez. A
vaidade e a ambição devem dar lugar à humildade e à renúncia. A ignomínia da
cruz transforma-se em santificação. As pitonisas e os oráculos são substituídos
pelas manifestações mediúnicas das reuniões evangélicas, como vemos em Paulo, I
Coríntios.
O objetivo da vida humana não é mais a
conquista do céu pelo violência, mas a implantação do Reino de Deus na Terra.
As riquezas e o poder não são coisas desejáveis e invejáveis, mas fascinações
perigosas que podem levar a criatura humana à perdição. As crianças não são
desprezíveis, mas as preferidas de Deus, e para nos tornarmos dignos d'Ele temos
de nos fazer crianças. Matar os pequeninos, os inocentes, os indefesos não é
prova de valentia e de coragem, mas crime aos olhos de Deus.
Não se consegue a salvação pela obediência à lei e pelos rituais do culto (as obras da lei), mas pelo aperfeiçoamento do espírito, pela purificação do coração, pela educação integral da criatura. Por isso é preciso nascer de novo –– não em forma simbólica, mas naquele sentido que Nicodemos não podia compreender: nascer da água e do espírito (a água era o símbolo da matéria, do poder fecundante e gerador), nascer para se redimir, não da desobediência de Adão e Eva, mas dos seus próprios erros, como aconteceu ao cego de Jericó, como sucedera a Elias reencarnado em João Batista.
A Pedagogia da esperança
Desses princípios fundamentais resultava
logicamente a Pedagogia da Esperança. A educação não era mais o ajustamento do
ser aos moldes ditados pelos rabinos do Templo, a imposição de fora para dentro
da moral farisaica, mas o despertar das criaturas para Deus através dos
estímulos da palavra e do exemplo. A salvação pela graça não era um privilégio
de alguns, mas o direito de todos. Jesus ensinava e exemplificava e seus
discípulos faziam o mesmo. Chamava as crianças a si para abençoá-las e
despertar-lhes, com palavras de amor, os sentimentos mais puros. Nem os
apóstolos entenderam aquela atitude estranha: um rabi cheio da sabedoria da
Torá perder tempo com as crianças ao invés de ensinar coisas graves aos homens.
Mas Jesus lhes disse: "Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o
Reino dos Céus".
Sua condição de mestre é afirmada por ele
mesmo: "Vós me chamais mestre e senhor, e dizeis bem, porque eu o
sou". Sim, ele é o mestre do Mundo, o senhor dos homens, de todos os
homens, sem qualquer distinção. Cada criatura humana é para ele um educando, um
aluno, como escreveu o Dr. Sérgio Valle: "matriculado na Escola da
Terra". Assim, a Terra não é mais o paraíso dos privilegiados e o inferno
dos condenados. É a grande escola em que todos aprendemos, em que todos nos
educamos. A Pedagogia da Esperança oferece a todos a oportunidade de salvação,
porque a salvação está na educação.
Vejamos este expressivo trecho de Francisco
Arroyo em sua "História Geral da Pedagogia":
"Jesus possui todas as qualidades
do educador perfeito. Os recursos pedagógicos de que se serve conduzem o
educando, com feliz e profunda alegria, à verdade essencial dos seus ensinos.
Por isso pode sacudir e despertar a consciência adormecida do seu próprio povo,
asfixiado sob o peso excessivo da lei mosaica e da política imperialista da
época".
"Os ensinos de Jesus são sempre
adaptados aos ouvintes. Ele pronuncia as suas palavras de forma compreensível
para todos, sempre nas ocasiões mais oportunas. Recorre frequentemente às
imagens e parábolas, dando maior plasticidade às suas ideias".
"A Pedagogia do mestre é também
gradual. Não cai jamais em precipitações que possam fazer malograr o
aprendizado. Semeia e espera que as sementes germinem e frutifiquem: Tenho ainda
muito a vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora".
"Como todo educador genial, Jesus
emprega em alto grau a arte de interrogar, de expor, de excitar o interesse dos
discípulos. Seus colóquios decorrem sempre num ambiente de incomparável
simpatia. É digno, severo, paciente, segundo as circunstâncias e os
interlocutores".
Os seus ensinos são claros e
intuitivos. Cria figuras literárias e busca exemplos da vida cotidiana para
esclarecer o seu pensamento. Aperfeiçoou a forma da parábola e revestiu-a de
incomparável esplendor" (Riboulet).
"Seus ensinos têm um toque de autoridade (Eu sou o caminho, a verdade e a vida, todo o poder me foi concedido). Mas exerce com suavidade a sua autoridade.
Do livro Pedagogia Espírita, Ed. EDICEL
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