Por Vinícius
Lousada
O
Espiritismo sobre um ponto de vista novo - Quando Allan Kardec começou a
publicar a Revista Espírita, passou a fazer circular de forma mais sistemática
a produção em torno de um novo campo de pesquisas: o da investigação positiva
em torno do Espírito.
No
contexto das academias, os cientistas se pautavam no paradigma positivista ou
no espírito positivo advogado por Comte, que pretendia superar os estados
teológicos e metafísicos do pensamento humano, configurando-se num olhar
investigativo guindado à apreciação sistemática dos fatos existentes.
Conforme
a perspectiva adotada por esse ícone do positivismo, uma lei geral do movimento
fundamental da humanidade remetia ao entendimento de que as teorias científicas
deveriam aproximar-se cada vez mais da considerada realidade dos objetos de
estudo, numa pretensão de verdade, controle e exatidão.
Em
toda a sua obra, onde partilhava os saberes da Ciência do Infinito, Kardec
ressaltava o caráter científico do Espiritismo procurando firmá-lo e difundi-lo
através da rigorosidade metodológica que seu quefazer de pesquisador do
invisível exigia.
Ao
afirmar que o Espiritismo é uma ciência positiva (1), Allan Kardec queria que a
Doutrina Filosófica dos Espíritos fosse apreciada por um novo prisma. Pois,
segundo ele, o Espiritismo é a ciência que se ocupa, pela observação e controle
do fenômeno espírita, das relações entre o mundo visível e invisível, tendo
revelado com o elemento espiritual uma das leis da natureza ignorada pela
ciência materialista até então: a ação do Espírito sobre a matéria.
Assim,
atendendo aos critérios das ciências positivas do século XIX, sendo elaborado
na observação de fatos e não em especulações hipotéticas, o Espiritismo um dia
adquiriria cidadania entre as demais.
Uma
ciência interexistencial - Sendo uma ciência cujo método foi elaborado por
Kardec, o Espiritismo pelo próprio era definido como uma produção coletiva e
progressiva. Aliás, ele jamais se intitulou o seu fundador querendo para si os
louros de sua dedicação, apesar de a historiografia registrar, de forma
inequívoca, a fundação desse campo de pesquisa pelo Prof. Rivail.
Ocorre
que Kardec tinha a percepção de que as inteligências invisíveis capazes de
interagir de forma objetiva e subjetiva com o mundo material foram permitindo o
registro e o controle científico de suas intervenções dentro de uma
programática superior que definia a desopacização do mundo espírita aos olhos
das criaturas domiciliadas na carne.
Desse
modo, o mestre foi ajustando, no processual de seu quefazer, seus pressupostos
teóricos e metodológicos ao objeto de estudo, apontando uma obviedade por
demais atual, ao menos no campo das ciências humanas, donde provenho: há de se
considerar que a especificidade de certo objeto científico demanda uma
metodologia e técnicas de investigação específicas para a apreensão do mesmo.
Essa
atitude de Kardec fez com que sua pesquisa se diferenciasse e muito de outras
que lhe precederam, pois, ao admitir as escolhas, a vontade, os limites e as
possibilidades evolutivas das individualidades espirituais na produção das manifestações
inteligentes e materiais, alargou o horizonte da investigação de modo a evitar
que se enquadrasse o fenômeno espírita às estruturas conceituais rígidas e se
descartassem os dados que os instrumentos, produzidos no âmbito de um paradigma
materialista, comumente consideravam inválidos.
O que
caracterizaria um avanço epistemológico para o campo das ciências da alma, em
pleno século XIX, embora admirado pela aposta na experimentação, foi
compreendido inicialmente por Richet (2), o fundador da Metapsíquica, por
credulidade exagerada, como talvez também teriam imaginado outros pesquisadores
que não se aprofundaram na produção de Kardec.
Enfim,
os Espíritos igualmente pautaram o trabalho científico de Kardec a partir de
suas manifestações que, em pleno tempo de elogio à razão e à experimentação,
organizaram verdadeira invasão ao mundo dos denominados vivos afetando os
horizontes culturais da Ciência à Religião.
E, no
que tange à composição do conteúdo filosófico do Espiritismo, o mestre Allan
Kardec teve o cuidado de estabelecer dois critérios de exame: o da razão e o do
controle universal do ensino dos Espíritos.
A
razão, ou o bom senso, era adotada como filtro principal, afastando o
conhecimento produzido, em regime de colaboração entre médiuns, Espíritos e
Kardec, de qualquer mescla com superstições ou dogmas.
O
segundo critério, o do controle universal, demonstra que o Espiritismo não é
fruto de uma concepção individual, da opinião de um sábio ou um Espírito,
apenas. Aliás, característica marcante do fazer científico consiste no regime
de colaboração, de partilha de saberes mediante a comunicação de métodos,
experiências, dados e análises nos diferentes campos de pesquisa, ou seja, a
produção coletiva.
Para
levar a efeito tal controle, Kardec se utilizava de variados médiuns e
Espíritos, entre comunicações espontâneas e evocações, para apreender a solução
de diversos problemas filosóficos e questões sobre o mundo dos Espíritos a fim
de comparar, após a análise severa da razão, o conteúdo daquelas e, com base na
concordância coletiva, estabelecer os princípios da Doutrina Espírita.
Estudando
Kardec - “Se há um meio de chegar à verdade, seguramente é pela concordância e
pela racionalidade das comunicações, auxiliadas pelos meios que temos à nossa
disposição para constatar a superioridade ou a inferioridade dos Espíritos. Ao
deixar de ser individual para se tornar coletiva, a opinião adquire um maior
grau de autenticidade, já que não pode ser considerada como resultado de uma
influência pessoal ou local. Os que ainda se acham em dúvida terão uma base
para fixar as ideias, porquanto será irracional pensar que aquele que em seu
ponto de vista está só, ou quase só, tenha razão contra todos.” (3)
Referências:
(1)
KARDEC, Allan. O Espiritismo é uma ciência positiva. In: KARDEC, Allan. Revista
Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano sétimo – 1864. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2008, P. 434
(2)
MAGALHÃES, Samuel Nunes. Charles Richet: o apóstolo da ciência e do
espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2007, p. 160.
(3) KARDEC, Allan. Controle do Ensino Espírita. In: KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano sétimo – 1862. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2008, P. 36.
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