TENHA PACIÊNCIA, MEU FILHO
Quando Dona Maria João de Deus
desencarnou, em 29 de setembro do 1915, Chico Xavier, um de seus nove filhos,
foi entregue aos cuidados de Dona Rita de Cassia, velha amiga e madrinha da
criança.
Dona Rita, porém, era obsidiada e,
por qualquer bagatela, se destemperava, irritadiça.
Assim é que o Chico passou a
suportar, por dia, várias surras de vara de marmeleiro, recebendo, ainda, a
penetração de pontas de garfos no ventre, porque a neurastenica e perversa
senhora inventara esse estranho processo de torturar.
O garoto chorava muito,
permanecendo, horas e horas, com os garfos dependurados na carne sanguinolenta
e corria para o quintal, a fim de desabafar-se, porque a madrinha repetia,
nervosa:
- Este menino tem a diabo no
corpo.
Um dia, lembrou-se a criança de
que sua mãezinha orava sempre, todos os dias, ensinando-o a elevar o pensamento
a Jesus e sentiu falta da prece que não encontrava em seu novo lar.
Ajoelhou-se sob velhas bananeiras
e pronunciou as palavras do Pai Nosso que aprendera dos lábios maternais.
Quando terminou, oh! maravilha!
Sua progenitora, Dona Maria João
de Deus, estava perfeitamente viva ao seu lado.
Chico, que ainda não lidara com as
negações e dúvidas dos homens, nem por um instante pensou que a mãezinha
tivesse partido para as sombras da morte.
Abraçou-a, feliz; e gritou:
- Mamãe, não me deixe aqui...
Carregue-me com a senhora...
- Não posso, - disse a entidade,
triste.
- Estou apanhando muito, mamãe!
Dona Maria acariciou-o e explicou:
- Tenha paciência, meu filho. Você
precisa crescer mais forte para o trabalho. E quem não sofre não aprende a
lutar.
- Mas, - tornou a criança - minha
madrinha diz que eu estou com o diabo no corpo...
- Que tem isso? Não se incomode.
Tudo passa e se você não mais reclamar, se você tiver paciência, Jesus ajudará
para que estejamos sempre juntos.
Em seguida, desapareceu.
O pequeno, aflito, chamou-a em
vão.
Desde desse dia, no entanto,
passou a receber o contacto de varas e garfos sem revolta e sem lágrimas.
- Chico é tão cínico - dizia Dona
Rita, exasperada, que não chora, nem mesmo a pescoção.
Porque a criança explicasse ter a
alegria de ver sua mãe, sempre que recebia as surras, sem chorar, o pessoal
doméstico passou a dizer que ele era um "menino aluado".
E, diariamente, à tarde, com os
vergões na pele e com o sangue a correr-lhe em pequeninos filetes do ventre o
pequeno seguia, de olhos enxutos e brilhantes, para o quintal!, a fim de
reencontrar a mãezinha querida, sob as velha árvores, vendo-a e ouvindo-a,
depois da oração.
Assim começou a luta espiritual do
médium extraordinário que conhecemos.
O ANJO BOM
Dois anos do surras incessantes.
Dois anos vivera o Chico junto da
madrinha.
Numa tarde muito fria, quando
entrou em colóquio com Dona Maria João de Deus, Chico implorou:
- Mamãe, se a senhora vem nos ver,
porque não me retira daqui?
O Espírito carinhoso afagou-o e
perguntou:
Por que está você tão aflito?
Tudo, no mundo, obedece a vontade de Deus...
- Mas a senhora sabe que nos faz
muita falta...
A mãezinha consolou-o e explicou:
- Não perca a paciência. Pedi a
Jesus para enviar um anjo bom que tome conta de vocês todos.
E sempre que revia a progenitora,
o menino indagava:
- Mamãe, quando é que a anjo
chegará?
- Espere, meu filho! - era a
resposta de sempre.
Decorridos dois meses, a Sr. João
Cândido Xavier resolveu casar-se em segundas núpcias.
E Dona Cidália Batista, a segunda
esposa, reclamou os filhos de Dona Maria João de Deus, que se achavam
espalhados em casas diversas.
Foi assim que a nobre senhora
mandou buscar também o Chico.
Quando a criança voltou ao antigo
lar contemplou a madrasta que lhe estendia as mãos...
Dona Cidália abraçou-o e beijou-o
com ternura a perguntou:
- Meu Deus, onde estava este menino
com a barriga deste jeito?
Chico, encorajado com a carinho
dela, abraçou-a também, como o pássaro que sentia saudades do ninho perdido.
A madrasta bondosa fitou-o bem nos
olhos e indagou:
- Você sabe quem sou, meu filho?
- Sei sim. A senhora é o anjo bom
de que minha mãe já falou...
E, desde então, entre as dois, brilhou a amor puro com que o Chico seguiu a segunda mãe, até a morte.
GAMA, Ramiro. Lindos Casos de Chico Xavier. LAKE.
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