Superioridade da natureza de Jesus
Os fatos
relatados no Evangelho e que foram até agora considerados miraculosos
pertencem, na sua maioria, à ordem dos fenômenos psíquicos, isto é, os que têm
como causa primeira as faculdades e os atributos da alma. Confrontando-os com
os que ficaram descritos e explicados no capítulo anterior, reconhecer-se-á sem
dificuldade que há entre eles identidade de causa e de efeito. A História
registra outros fatos análogos, em todos os tempos e no seio de todos os povos,
pela razão de que, desde que há almas encarnadas e desencarnadas, os mesmos
efeitos forçosamente se produziram. Pode-se, é verdade, no que se refere a esse
ponto contestar a veracidade da História; mas hoje eles se produzem sob os
nossos olhos e, por assim dizer, à vontade e por indivíduos que nada têm de
excepcionais. Basta o fato da reprodução de um fenômeno, em condições
idênticas, para provar que ele é possível e se acha submetido a uma lei, não
sendo, portanto, miraculoso.
O princípio
dos fenômenos psíquicos repousa, como já vimos, nas propriedades do fluido
perispirítico, que constitui o agente magnético; nas manifestações da vida
espiritual durante a vida corpórea e depois da morte; e, finalmente, no estado
constitutivo dos Espíritos e no papel que eles desempenham como força ativa da
natureza. Conhecidos estes elementos e comprovados os seus efeitos, tem-se,
como consequência, de admitir a possibilidade de certos fatos que eram
rejeitados enquanto se lhes atribuía uma origem sobrenatural.
Sem nada
prejulgar sobre a natureza do Cristo, cujo exame não entra no quadro desta
obra, e não o considerando, por hipótese, senão como um Espírito Superior, não
podemos deixar de reconhecê-lo como um dos Espíritos de ordem mais elevada e,
por suas virtudes, colocado muitíssimo acima da humanidade terrestre. Pelos
imensos resultados que produziu, a sua encarnação neste mundo forçosamente há
de ter sido uma dessas missões que a Divindade somente confia a seus
mensageiros diretos, para cumprimento de seus desígnios. Mesmo sem supor que
Ele fosse o próprio Deus, mas um enviado de Deus para transmitir sua palavra
aos homens, seria mais que um profeta, porquanto seria um Messias Divino.
Como homem,
tinha a organização dos seres carnais, mas como Espírito puro, desprendido da
matéria, havia de viver mais da vida espiritual do que da vida corpórea, de
cujas fraquezas não era passível. A superioridade de Jesus com relação aos
homens não resultava das qualidades particulares do seu corpo, mas das do seu
Espírito, que dominava a matéria de modo absoluto, e da do seu períspirito,
haurido da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. Sua alma não
devia achar-se presa ao corpo senão pelos laços estritamente indispensáveis.
Constantemente
desprendida, ela decerto lhe dava dupla vista, não só permanente, como de
excepcional penetração e muito superior à que comumente possuem os homens
comuns. O mesmo havia de dar-se nele com relação a todos os fenômenos que
dependem dos fluidos perispiríticos ou psíquicos. A qualidade desses fluidos
lhe conferia imensa força magnética, secundada pelo desejo incessante de fazer
o bem.
Agiria como
médium nas curas que operava? Poder-se-á considerá-lo poderoso médium curador?
Não, visto que o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os
Espíritos desencarnados. Ora, o Cristo não precisava de assistência, pois que
era Ele quem assistia os outros. Agia por si mesmo, em virtude do seu poder
pessoal, como, em certos casos, o podem fazer os encarnados, na medida de suas
forças. Que Espírito, aliás, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e
encarregá-lo de os transmitir? Se porventura Ele recebia algum influxo
estranho, esse só de Deus poderia vir. Segundo a definição dada por um
Espírito, Ele era médium de Deus.1
Nota do
Editor
No livro
Obras póstumas, o Codificador discorre sobre interessante capítulo acerca da
natureza do Cristo, matéria que tem sido debatida exaustivamente desde os
primórdios do Cristianismo, sem, contudo, ter sido resolvida em definitivo
pelas religiões cristãs até os nossos dias.
Segundo
Allan Kardec, foi a divergência das opiniões sobre este ponto que deu origem à
maioria das seitas em que se fragmentou a Igreja, visto que os chefes de cada
uma delas, embora homens de talento, esclarecidos e versados na ciência
teológica, apoiavam suas opiniões mais em abstrações do que em fatos,
recorrendo aos dogmas na expectativa de descobrir o que continham de plausível
ou de irracional quanto à natureza de Jesus e sobre outros pontos.
Teriam tido
mais sucesso se houvessem recorrido às palavras do próprio Mestre, recolhidas
pelos evangelistas e publicadas após a sua passagem na Terra. De fato, quem
melhor do que o Cristo de Deus para discorrer sobre a sua própria natureza?
Como nenhum historiador profano contemporâneo falou a respeito dele, a única
fonte confiável para se chegar ao âmago da questão é buscar a letra e o
espírito da Boa-Nova. Por isso os autores sacros, ainda de acordo com Allan
Kardec, nada mais conseguiram do que girar dentro do mesmo círculo, dar a sua
apreciação pessoal, deduzir consequências de acordo com o seu ponto de vista
pessoal, comentar sob novas formas e com maior ou menor brilhantismo o
amontoado caótico de opiniões contraditórias.
Dentre
tantos pontos que a exegese vem explorando, nada tem suscitado mais paixão do que
o referente à divindade do Cristo. Seria Jesus o próprio Deus? Os milagres
provariam a sua divindade? Como interpretar certas passagens contidas no
Evangelho, que supostamente atestariam a ideia de que Jesus e o Pai são
expressões de um mesmo Ser divino, coeternos e incriados, iguais em bondade,
sabedoria, onisciência, onipotência e justiça em graus superlativos?
Decerto, não
foram as palavras de Jesus que autorizaram os teólogos a legislar sobre a sua pretensa
divindade, considerando-se que em várias passagens da Boa-Nova Ele protesta de
forma veemente contra tal aberração. O fato é que, após vinte séculos de lutas
e disputas vãs, durante os quais foi posta inteiramente de lado a parte mais
essencial da mensagem de Jesus – o ensino moral – a única que podia garantir a
paz para a Humanidade, as criaturas se acham cansadas dessas discussões
estéreis, que só perturbação e incredulidade têm gerado, sem que de modo algum
tenham satisfeito à razão.
Em favor da
união que deve reinar entre os espíritas, deixemos de vez as abstrações que nos
dividem, buscando em Allan Kardec a segura orientação, a bússola inviolável que
nos fará chegar sem atropelos ao porto seguro. E sobre a natureza de Jesus,
objeto desta matéria tão fascinante, como acerca de tantos outros pontos que
mereceram a judiciosa apreciação do Codificador da Doutrina Espírita, jamais
titubeemos: permaneçamos com ele!
Fonte:
Revista Reformador
REFERÊNCIA:
1 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. cap. 15, its. 1 e 2.
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