Por Angélica
dos Santos Simone
O
Espiritismo apresenta-se como uma das ferramentas, dentre várias, para se
compreender as dinâmicas da natureza espiritual que está diretamente
relacionada com as dinâmicas da natureza material. Ele não é a primeira nem
será a última teoria, que se transformou em método de análise, compilada com o
objetivo de explicar determinados fenômenos, que estão além da compreensão dos
cientistas materialistas.
Falamos no
Espiritismo enquanto ciência. Mas por que ele foi considerado pelo próprio
codificador como uma ciência? Apoiemos a nossa reflexão na definição de Allan
Kardec para o que seja o Espiritismo, na obra intitulada “O que é o
Espiritismo”:
“O
Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina
filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem
estabelecer com os Espíritos; como filosofia, ele compreende todas as
consequências morais que decorrem dessas relações”. (KARDEC, 2007, p.12 [grifo nosso].)
Em nenhum
momento Kardec cita o Espiritismo como uma religião, ele considera a ocupação
de esclarecer os problemas morais da humanidade para a Filosofia, que cumpre
esta tarefa há mais de seis mil anos. (1) Novamente na mesma obra, ele ressalta
o caráter científico da doutrina espírita:
“O
Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da destinação dos
Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal”. (KARDEC, 2007, p.12
[grifo nosso].)
O
Espiritismo foi compilado segundo um método científico, qual seja o cumprimento
de algumas etapas, as quais respeitarão o rigor científico, utilizado por
cientistas de todas as áreas do conhecimento. São elas:
Coleta de
dados: nesta primeira etapa, Kardec iniciou o processo a partir da observação
do fenômeno das mesas girantes, realizando levantamento de onde ocorria este
fenômeno e estabelecendo contato com os médiuns envolvidos, que lhe ofereciam
as suas experiências.
Registro e
armazenamento: Kardec, durante a atividade de observação e levantamento de
dados, registrava a sua percepção dos fenômenos, ao mesmo tempo em que surgiam
dúvidas, as quais posteriormente seriam esclarecidas pelos Espíritos envolvidos
no projeto de codificação.
Processamento:
podemos inferir que esta foi a fase mais longa e exaustiva para o codificador e
sua equipe, pois é a fase em que mais exige da capacidade de concentração do
cientista. Qualquer deslize pode ser fatal para a compreensão de sua teoria
(mesmo com tanta precisão, as gerações posteriores ainda interpretam de maneira
distorcida). Nesta etapa, o processamento dos dados, a sua organização em uma
sequência lógica, o esclarecimento das dúvidas surgidas com a reflexão e com os
testes, a inserção de novos itens e a extinção de informações desnecessárias, a
adoção da linguagem a ser utilizada para que a proposta seja transmitida da
maneira mais didática possível são as exigências do método científico seguido à
risca pelo codificador.
Ao se
respeitar tais etapas, aquele que não possui amor pelo que faz, cede no
aparecimento da primeira dificuldade. O objetivo de Kardec, como um verdadeiro
cientista, foi o de construir a teoria sobre um alicerce firme, ao mesmo tempo
em que deveria ser flexível para que o futuro consiga dar conta de suas
renovações, acompanhando a evolução do conhecimento humano. Uma teoria
construída sobre os rigores do método é passível de sofrer lapidações com o
passar do tempo, sem que seja anulada por completo, sempre mantendo a sua
essência. Uma teoria verdadeira sempre será atual, independente do período
histórico onde foi construída, ela contemplará a humanidade e será moldada de
acordo com cada diversidade de interpretação, sem que para isso tenha que
perder o seu núcleo.
Na fase de
processamento dos dados, Kardec e os Espíritos organizaram as perguntas e as
respostas na forma de setores, respeitando o aprofundamento crescente da
teoria. Podemos observar que os livros básicos: dos médiuns, dos Espíritos e o
Evangelho, cada um destes segue uma sequência que parte do pensamento simples,
com poucas variáveis e de fácil interpretação até o mais complexo, com mais
elementos a serem explorados e compreendidos e um conteúdo que exige mais
conhecimento de outras fontes por parte do leitor, para que ele não caia no
erro das interpretações simplórias. Como um exímio cientista e educador,
preocupado em corresponder ao processo cognitivo dos leitores, principalmente
os iniciantes, Kardec utilizou toda a sua capacidade natural de transmissão do
conhecimento, da maneira mais didática possível, para que esta proposta não
ficasse limitada a apenas uma elite intelectual.
Resultado
final: todo trabalho científico só é válido se ele consegue, depois de tantos
percalços, responder ao primeiro questionamento que surgiu na mente do
pesquisador, pois, do contrário, ele se transforma em divagações. Conseguimos
ver que Kardec foi feliz em seu trabalho, pois apesar da abordagem ter permeado
uma extensa área do fenômeno espiritual, ele não perdeu o foco. Com a
finalização de seu trabalho, Allan Kardec, que ainda será bibliografia básica
de todas as ciências, alcançou a totalidade do conhecimento nesta fase da
evolução do homem terrestre.
Aqueles que
estudam a sua obra, com outros olhos que não os do egoísmo, conseguem perceber
que a proposta do Espiritismo é de apoiar tanto as ciências, quanto as
religiões, no esclarecimento dos eventos onde causa e consequência se
entremeiam em Espírito e Matéria. Como ditado acima, Kardec descobriu, durante
os seus estudos, que o método científico, quando livre de pré-conceitos, é
capaz de alcançar um universo jamais imaginado pelo cientista materialista.
O
Espiritismo, através do método científico, compreendeu que as relações entre os
Espíritos são permeadas pela conduta moral, aquela já ensinada por Jesus
Cristo, e não pelas religiões.
O
Espiritismo veio para fazer parte tanto das sociedades orientais quanto
ocidentais, para todas as etnias, crenças e pensamentos. Ele veio para unir e
não para ser mais uma religião que divide e se apropria de sua patente.
(1) Nota da
Redação: Para a maioria dos espíritas, excetuados os adeptos do chamado
Espiritismo laico, o Espiritismo é também religião, pois a própria obra
kardequiana o define como tal de forma inequívoca. Em seu discurso “O Espiritismo é uma
religião?”, publicado na Revue Spirite de dezembro de 1868, Allan Kardec
perguntou: “O Espiritismo é uma religião?” E, em seguida, respondeu: “Ora, sim,
sem dúvida, senhores”. Mais adiante
indagou: “Por que, então, declaramos que o Espiritismo não é uma religião?” E
ele mesmo esclareceu: “Porque não há uma palavra para exprimir duas ideias
diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de
culto; desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem”.
Trata-se, pois, de uma religião não hierarquizada, sem pastores nem sacerdotes,
sem cultos nem rituais, mas com um objetivo definido, que é religar a criatura
ao Criador.
Bibliografia:
LIBAULT, André. Os quatro níveis da pesquisa geográfica. In: Métodos em questão. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1971.
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. São Paulo: IDE, 2007.
O Livro dos Espíritos. São Paulo: FEESP, 2007.
O Livro dos Médiuns. São Paulo: IDE, 2005.
O Evangelho
segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
A autora é natural de São Paulo, Bacharel e Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, é professora de francês, massoterapeuta oriental e pintora. Atualmente realiza mestrado na área de Geografia Física pela Universidade de São Paulo - USP, pesquisando a percepção da paisagem em imigrantes.
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