Por Artur
Mascarenhas
Em pleno
início do século XXI e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos que nos
aguardam neste novo milênio, somos levados a reavaliar a postura do Espiritismo
perante a Ciência. Embora Kardec tenha enunciado que “O Espiritismo e a Ciência
se completam um pelo outro” eles permanecem separados, sobretudo porque o
preconceito científico e sistemático da chamada “Ciência Oficial” (ou
acadêmica), mantendo sua postura materialista e céptica, leva à negação a
priori dos fenômenos espíritas, tomados como superstição ou fraude e, consequentemente,
rotulando o Espiritismo como destituído de bases científicas.
O
Espiritismo é definido por Kardec como “a ciência que estuda a origem, a
natureza e a destinação dos Espíritos, bem como sua relação com o mundo
corpóreo. É ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma filosofia de consequências
morais”.
Por outro lado,
uma boa definição de ciência é “um conjunto organizado de conhecimentos
relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a
observação, a experiência dos fatos e um método próprio” .Assim dois elementos
são essenciais para ter-se uma ciência: o objeto e o método de estudo deste
objeto, que de acordo a definição acima, precisa ser adequado ao objeto.
Classicamente
falando, a ciência se baseia no método indutivo, que parte do particular para o
todo, sendo, portanto, reducionista, empirista e cartesiana. Um dos critérios
citados como de máxima importância seria a da reprodutibilidade dos
experimentos, em qualquer parte do mundo, por qualquer pessoa, desde que as
condições fossem mantidas as mesmas. Mas se formos rígidos no método clássico,
deixaríamos de considerar como ciências a História, a Sociologia, a Psicologia,
etc., o que nos parece completamente absurdo, desde que não se produzam fatos
históricos em laboratório, e tão pouco se reproduzem comportamentos em pessoas
submetidas às mesmas condições. O que difere as Ciências Humanas das Ciências
Exatas ou Naturais são justamente o objeto e o método, embora em alguns casos o
objeto pode ser mesmo: o homem.
Assim é que
o Espiritismo, por possuir um objeto de estudo completamente alheio à “Ciência
Oficial”, ou seja, o espírito ou princípio inteligente, requer um método
próprio, adequado. Kardec define este método em relação à fenomenologia
espírita quando usa o termo “ciência de observação”, a qual consiste na
observação criteriosa dos fatos, buscando entender suas origens, suas causas.
Também a História é uma ciência de observação, e assim como não se reproduzem
fatos históricos, não se pode exigir a reprodução inequívoca de fenômenos
espíritas, desde que o objeto de estudo é inteligente, emocional e volitivo – o
Espírito.
Para o
Espiritismo, a existência do Espírito e de sua comunicabilidade é um fato,
decorrente do axioma de que “todo efeito inteligente precisa ter,
necessariamente, uma causa inteligente”. O que importa é o controle sobre a
legitimidade da comunicação que se obtém através dos fenômenos mediúnicos, quer
de efeitos físicos ou de efeitos inteligentes, e para tanto Kardec definiu um
método doutrinário próprio, sumarizado por Herculano Pires em quatro pontos
principais:
“I) Escolha
de colaboradores mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista moral, quanto
da pureza das faculdades e da assistência espiritual;
“si) Análise
rigorosa das comunicações, do ponto de vista lógico, bem como do seu confronto
com as verdades científicas demonstradas, pondo-se de lado tudo aquilo que não
possa ser justificado;
“si)
Controle dos Espíritos comunicantes, através da coerência de suas comunicações
e do teor de sua linguagem;
“iv)
Consenso universal, ou seja, concordância de várias comunicações, dadas por
médiuns diferentes, ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto”.
Muito dos
chamados pesquisadores espíritas envidam esforços para a comprovação da
existência dos Espíritos e da imortalidade da alma, mas freqüentemente empregando
os métodos da Química, da Física, da Biologia, etc., que são adequados à
matéria, mas não ao Espírito. O máximo que poderão conseguir é um melhor
entendimento dos fenômenos de efeito físico e do perispírito, que é a parte
material do Espírito, o seu corpo de manifestação, mas jamais do princípio
inteligente, que é imaterial e foge a todas as técnicas de investigação da
matéria. Enquanto isso, a Ciência Espírita, baseada no método kardecista, foi
praticamente abandonada pelos espíritas…
Voltando ao
confronto Ciência e Espírito, embora à primeira vista há conceitos espíritas
que parecem ser desmentidos ou postos em dúvida pela Ciência, o desenvolvimento
da ciência no século passado muitas vezes apontou na direção da confirmação dos
princípios espíritas. A desintegração da matéria em partículas cada vez mais
elementares e a interconversão matéria/energia, como estabelecido pelas
Mecânicas Quântica e Relativística, respectivamente, apontam a possibilidade de
existência uma “matéria elementar”– o que é coerente com o princípio espírita
da existência de um fluido universal (ou cósmico), proposto pelos Espíritos
Codificadores.
A medicina
psicossomática, a escrita automática, o corpo bioplásmico, a terapia de vidas
passadas (TVP), a psicologia transpessoal, cada uma em sua própria área de
atuação, gradativamente vêm fazendo avanços que confirmam a teoria espírita,
mas não provam por “a mais b” a existência do Espírito e sua sobrevivência ao
corpo, permanecendo muitas vezes injustamente marginalizadas do ponto de vista
acadêmico.
Entretanto,
consideramos precipitado substituir a terminologia espírita pela terminologia
científica, pois poderemos incorrer em graves erros, que podem levar à
descaracterização da Doutrina Espírita. Alguns confrades espíritas, afoitos em
respeitar a natureza evolutiva do Espiritismo, como estabelecido por Kardec em
“A Gênese” 1, substituíram em seus escritos a palavra fluido por energia,
chamam o perispírito de corpo eletromagnético do Espírito e alguns chegaram a
afirmar que o princípio vital nada mais seria que o DNA…
Lembremos o
ensinamento do codificador: “Melhor é recusar nove verdades, a aceitar uma
única mentira”.
O
Espiritismo é uma ciência sim! Mas é preciso respeitar-lhe objeto e método.
Lúcido foi Kardec, ao enunciar que “o Espiritismo e a Ciência se completam um
pelo outro; a ciência, sem o Espiritismo, se acha impossibilitada de explicar
certos fenômenos, unicamente pelas leis da matéria; o Espiritismo, sem a
ciência, ficaria sem apoio e exame” 1.
O autor é
bacharel e mestre em Química pela UFBA, doutorando em Química pela UNICAMP.
Iniciou seus estudos espíritas no CEHC em 1989, é sócio fundador da Sociedade
de Educação Espírita da Bahia – SEEB e criador e moderador da lista eletrônica
“Evangelho-na-Net”, através da qual distribui diariamente mensagens espíritas
de caráter moral (Evangelho-na-Net-subscribe@yahoogroups.com).
[1] Kardec, A., A Gênese, LAKE.
[1] Kardec, A., O que é o Espiritismo, FEB.
[1] Dicionário Aurélio Eletrônico.
[1] Pires, H., Ciência Espírita, FEESP.
[1] Pires, H., in “Introdução ao Livro dos Espíritos”, O Livro dos Espíritos, LAKE.
[1] Kardec, A., O Livro dos Médiuns, LAKE.
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