sábado, 30 de julho de 2016

A Mediunidade


Eu não saberia dizer a relação existente entre mediunidade e sofrimento... Os meus instantes mais produtivos na mediunidade foram também os de maior luta. Reclamar das dificuldades que tenho enfrentado seria negar as bênçãos que a mediunidade me tem proporcionado no trabalho com os Bons Espíritos.

Certa vez, um repórter me perguntou se eu estaria disposto a começar tudo outra vez... É claro que recomeçaria. Para mim, a mediunidade na Doutrina Espírita tem sido uma alegria. O que eu não sei é se os Espíritos Amigos estariam dispostos a recomeçar comigo... As minhas imperfeições são tantas... Creio que tenho dado a eles, os Espíritos Benfeitores, mais trabalho, ou seja, eles têm tido mais trabalho comigo do que eu propriamente tenho trabalhado com eles...

Quem mais sofre no mundo é quem tem mais tempo para si mesmo. Quando o sofrimento alheio nos incomoda, o nosso não nos incomoda tanto... Eu tinha que ir para o "Luiz Gonzaga" escutar o povo, escutando aquela fila, acabava me convencendo de que o que eu sofria não era nada... A gente tem a mania de dramatizar em excesso a própria dor!

Passei fome, passei frio - Pedro Leopoldo sempre fez muito frio, ventava muito... A nossa casa não era forrada... Às vezes, a gente não tinha o que comer - era uma panela ou duas no fogão... Mas ninguém em casa morreu por causa das privações que passávamos. A gente comia só arroz, chuchu... De vez em quando, uma mandioca, ovos; carne era muito difícil... Sempre tive muito bom apetite. Caso tivéssemos tido excesso de comida em casa, eu haveria de me empanturrar... E a mediunidade?! Como eu seria capaz de produzir de barriga cheia, se, muitas vezes, os Espíritos Amigos aproveitavam os minutos que me sobravam da folga do almoço para escrever?! Penso que tudo que passei na Vida tinha uma razão de ser; o meio aparentemente adverso em que eu nasci era o que eu necessitava para servir na condição de médium...

Não há problema que não possa ser solucionado pela paciência. A paciência desarticula os mecanismos do mal... Aquele que não se altera diante da prova, não reagindo às provocações, ignora o mal... A impaciência é a reação que quem nos provoca está esperando. A melhor maneira de frustrar o mal é colocar em prática as sugestões do bem. Não me considero um homem de paciência, mas, se acaso não tivesse aprendido com os Bons Espíritos algo do valor dessa virtude, eu teria criado mais sérios embaraços para a minha própria vida... Os obstáculos no exercício da mediunidade sempre me foram um desafio constante. Não me lembro de um só dia que tivesse atravessado sem problemas...

Muitos companheiros espíritas nunca puderam entender o meu contato com o povo; prefeririam que eu ficasse apenas na mediunidade, na produção de livros... Ora, se me fosse dado escolher entre a tarefa da mediunidade com os livros e o serviço da mediunidade com os sofredores, eu ficaria com os sofredores, pois também me considero um espírito sofredor; ficaria com aqueles que me consolariam com as suas dores - dores semelhantes àquelas que eu também sinto... De modo que, embora respeite profundamente a opinião dos confrades, fico com a minha necessidade espiritual. Deus me livre da solidão de um gabinete, onde apenas os espíritos me fizessem companhia!...

Não consigo entender mediunidade sem espírito de sacrifício. Quem abraça a mediunidade esperando isentar-se de dificuldades, está cometendo um equívoco muito grande. Não há uma só página da Codificação em que Allan Kardec tenha dito que as coisas para os médiuns seriam amenas. Mediunidade é um compromisso que sempre me pesou muito. Sou feliz na minha condição de médium; a mediunidade, sem dúvida, é uma alegria, mas uma alegria que não nos permite extrapolar...

A caridade sempre foi a força que me sustentou; tudo sempre valeu a pena por causa dela... Quando ficava muito aborrecido comigo mesmo, com as minhas imperfeições e erros, procurava a periferia da cidade, visitando as favelas... Sempre encontrei na prática do bem a mensagem de consolação e o conforto espiritual de que me achava carente! Eu pensava comigo: Meu Deus, a minha vida não é tão inútil assim!... "As pessoas se alegravam com a minha presença; eu me sentava com elas e ficávamos longos minutos conversando... Éramos iguais. Ali, eu pensava em muita coisa... Aqueles irmãos e irmãs ignoravam o meu mundo de lutas, as críticas que recebia, as calúnias, os ataques da imprensa, a incompreensão dos companheiros... Eu voltava refeito para casa. Trocava um pedaço de pão por energia para o dia seguinte. O sorriso daquela gente me acompanhava... Aquelas senhoras pobres me abençoavam... O médium que vive distante da vivência na caridade não possui retaguarda... Emmanuel me ensinou isto. Ele me dizia: - "Chico, deixemos os nossos escritos"; a página mediúnica pode esperar um pouco; é hora de você se reabastecer... Vamos para a periferia!" E eu ia com ele ou ele comigo, não sei... Quando na minha cabeça eu já tinha esquecido tudo, voltava para a psicografia... Sem a caridade, o médium não consegue sustentar o vínculo com a sua própria espiritualidade!...

Compreendendo que todos os atos de filantropia são sementes de solidariedade humana que não nos é lícito menosprezar. Sem qualquer ideia de bajulação, acredito que a Igreja Católica sempre fez por nós o melhor que ela consegue; e se não faz ainda melhor, é que todo o Cristianismo, seja neste ou naquele setor que o reflete, será sempre a imagem de nós mesmos. Se nos melhorarmos individualmente, estaremos elevando todo o grupo a que nos ajustamos. Cremos que a caridade, em nossas obras sociais, será sempre necessária, em suas demonstrações e vivências, porquanto, de um modo ou de outro, seremos sempre requisitados ao amparo mútuo, ainda mesmo quando tivermos resolvido o problema urgente da educação e da distribuição do trabalho, em nossa vida coletiva.


Chico Xavier

Trechos de citações proferidas pelo médium Chico Xavier publicadas no livro, O Evangelho de Chico Xavier, de Carlos A. Baccelli.
Sobre o autor

Francisco Cândido Xavier (2 de abril de 1910, Pedro Leopoldo, Minas Gerais - 30 de junho de 2002, Uberaba, Minas Gerais), Chico Xavier psicografou mais de 450 livros, tendo vendido mais de 50 milhões de exemplares e sendo o escritor brasileiro de maior sucesso comercial da história, mas sempre cedeu todos os direitos autorais dos livros, em cartório, para instituições de caridade.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

No Álbum da Compaixão


Observa: toda a Natureza, por livro de Deus, em qualquer parte, parece um cântico de louvor ao auxílio.

Ignoro se já pensaste nas primeiras árvores da Terra, inclinando-se para as aves fatigadas, a fim de que aprendessem a entretecer os próprios ninhos, nos braços fortes que lhes estendiam.

Nem sei se já meditaste na piedade das flores primitivas do mundo para com as abelhas cansadas e famintas, convidando-as pelo próprio perfume, a lhes retirarem as pequeninas sobras de alimento nas corolas acolhedoras, a fim de que não tombassem na exaustão, quando à procura de recursos que lhes facultassem o fabrico do mel.

Até hoje as árvores não se queixam dos pássaros que lhes deixam os ramos menos limpos e as flores não protestam contra as abelhas quando lhes aparecem, através de sucessivos enxames, a lhes dilapidarem as pétalas nutrientes.

Árvores e abelhas sabem, instintivamente, que a Divina Providência não lhes faltará com a chuva a lavar-lhes todas as folhas e com o acréscimo de seiva, destinadas a reajustar-lhes o sustento.

Não será semelhante lição dos agentes simples da natureza determinada mensagem da vida, concitando-nos à prática da bondade, de uns para com os outros?

Onde estiveres, compadece-te de teus irmãos.

Esse precisa apoiar-se em teus ombros para a caminhada difícil, aquele te aguarda o concurso fraterno, de modo a manter-se de pé, na marcha dos dias.

Abençoa e socorre sempre.

Em muitas ocasiões, penso que o ensinamento do Cristo, acerca do perdão, se revestiu de outras derivações no campo das atitudes.

Algum dos companheiros haverá perguntado ao Senhor:

Mestre, quantas vezes, devo auxiliar meus irmãos?

E, decerto, Jesus terá respondido:

Não te digo que auxilies uma vez, mas setenta vezes sete vezes.


Meimei (Espírito)


Sobre o autor

Irma de Castro Rocha (,22 de outubro de 1922, na cidade de Mateus Leme - MG - 01 de Outubro de 1946, Belo Horizonte-MG) mais conhecida como Meimei foi uma mulher culta, exemplo de humildade e caridade tornando-se um dos espíritos que se manifestou através das mensagens psicografadas pelo médium mineiro, Chico Xavier.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Considerando a Obsessão


Com etiologia muito complexa, a alienação por obsessão continua sendo um dos mais terríveis flagícios para a Humanidade.

Não significando a morte o fim da vida, antes o inicio de nova expressão de comportamento, em que o ser eterno retorna ao Mundo Espiritual donde veio, a desencarnação liberta a consciência que jazia agrilhoada aos liames carnais, ora desarticulando, ora ampliando as percepções que melhor se fixaram nos painéis da mente, fazendo que o ser, agora livre do corpo físico, se revincule ou não aos sítios, pessoas ou aspirações que sustentou durante a vilegiatura carnal.

O amor, por constituir alta aspiração do Espírito, mantém-no em comunhão com os objetivos superiores que lhe representam sustento e estímulo, na marcha do progresso. Assim, também, o ódio e todo o seu séqüito de paixões decorrentes do egoísmo e do orgulho, reatam os que romperam os grilhões da carne àqueles que foram motivo das suas aflições e angústias, especialmente se se permitiram guardar as idéias e reações negativas equivalentes.

Sutilmente a princípio, em delicado processo de hipnose, a idéia obsidente penetra a mente do futuro hóspede que, desguardado das reservas morais necessárias à manutenção de superior padrão vibratório, começa a dar guarida ao pensamento infeliz, incorporando-o às próprias concepções e traumas que vêm do passado, através de cujo comportamento cede lugar à manifestação ingrata e dominadora da alienação obsessiva.

Vezes outras, através do processo da agressividade violenta, com que a indução obsessiva desorganiza os registros mentais da alma encarnada, produz-se o doloroso e lamentável domínio que se transforma em subjugação de longo curso.

Noutras oportunidades, inspirando sentimentos nefastos, latentes ou não no paciente desavisado, os desencarnados em desdita nele instalam o seu baixo teor vibratório, logrando produzir variadas distonias psíquicas e emocionais, que o atormentam e desgovernam, graças à inditosa dependência em que passa a exaurir-se, a expensas da vontade escravizante do hóspede que o encarcera e aflige...

Pululam por toda parte os vinculados gravemente às Entidades perturbadoras do Mundo Espiritual inferior.

Obsidiados, desse modo, sim, somos quase todos nós, em demorado trânsito pelas faixas das fixações tormentosas do passado, donde vimos para as sintonias superiores que buscamos.

Muito maior, portanto, do que se supõe, é o número dos que padecem de obsessões, na Terra.

Lamentavelmente, esse grande flagelo espiritual que se abate sobre os homens, e não apenas sobre eles, já que existem problemas obsessivos de várias expressões, como os de um encarnado sobre outro, de um desencarnado sobre outro, de um encarnado sobre um desencarnado e, genericamente, deste sobre aquele, não tem merecido dos cientistas nem dos religiosos o cuidado, o estudo, o tratamento que exige.

Antes, vinculados a preconceitos injustificáveis, os cientistas e religiosos se entregavam à indiferença, quando não à perseguição sistemática aos portadores de obsessões, acreditando que, ao destruírem as vítimas de tão grave enfermidade, aniquilavam a ignorada causa do problema...

Aliás, ainda hoje, a situação é idêntica, variando, apenas, na forma de encarar a questão.

Mesmo as modernas Ciências, que se preocupam em conhecer profundamente a psique humana, colocam, a priori, os problemas obsessivos à margem, situando-os em posições muito simplistas, já que os seus pesquisadores se encontram atados a raciocínios e conclusões de fisiologistas e psicólogos do século passado, que se diziam livres de qualquer vinculação com a alma...

Repontam, é verdade, aqui e ali, esforços individuais, tentando formular respostas claras e objetivas às tormentosas interrogações da afligente quão severa problemática, logrando admitir a possibilidade da interferência da mente desencarnada sobre o deambulante do escafandro orgânico.

Terapêutica salutar, porém, para a magna questão, é a Doutrina Espírita. Não apenas como profilaxia, mas, ainda, como terapêutica eficiente, por assentar as suas lições e postulados nos sublimes ensinamentos de Jesus Cristo, com toda a justiça cognominado “O Senhor dos Espíritos”, graças à sua ascendência, várias vezes demonstrada, ante as Entidades ignorantes, perturbadoras e obsessoras.

A Allan Kardec, o ínclito Codificador do Espiritismo, coube a tarefa de aprofundar sondas e bisturis no organismo e na etiologia das alienações por obsessão, projetando luz, meridiana sobre a intricada enfermidade da alma. Kardec não somente estudou a problemática obsessiva, como também ofereceu medidas profiláticas e terapêutica salutar, firmado na informação dos Espíritos Superiores, na vivência com os obsidiados, como pela observação profunda e meticulosa com que elaborou verdadeiros tratados de Higiene Mental, que são as obras do Pentateuco Espírita, esse incomparável monólito de luz, que inaugurou era nova para a Ciência, para a Filosofia, tornando-se o Espiritismo a Religião do homem integral, da criatura ansiosa por religação com o seu Criador.

Diante de qualquer expressão em que se apresentem as alienações por obsessão ou em que se manifestem suas seqüelas, mergulhemos a mente e o coração no organismo da Doutrina Espírita, e, procurando auxiliar o paciente encarnado a desfazer-se do jugo constrangedor, não olvidemos o paciente desencarnado, igualmente infeliz, momentaneamente transformado em perseguidor ignorante, embora se dizendo consciente, mas sofrendo, de alguma forma, pungentes dores morais.

Concitemos o encarnado à reformulação de idéias e hábitos, à oração e ao serviço, porquanto, através do exercício da caridade, conseguirá, sensibilizar o temporário algoz, que o libertará, ou granjeará títulos de enobrecimento, armando-se de amor e equilíbrio para prosseguir em paz, jornada a fora.

... E em qualquer circunstância procuremos em Jesus, Mestre e Guia de todos nós, o amparo e a proteção, entregando-nos a Ele através da prece e da ação edificante, porque somente por meio do amor o homem será salvo, já que o amor é a alma da caridade.

Obsessões e obsidiados são as grandes chagas morais dos tumultuados dias da atualidade. Todavia, a Doutrina Espírita, trazendo de volta a mensagem do Senhor, em espírito e verdade, é o portal de luz por onde todos transitaremos no rumo da felicidade real que nos aguarda, quando desejemos alcançá-la.


Manoel Philomeno de Miranda (espírito)


Sobre o autor

Manoel Philomeno de Miranda, segundo a ortografia vigente Manuel Filomeno de Miranda, (Conde- BA, 14 de novembro de 1876 — Salvador-BA, 14 de julho de 1942) foi um destacado colaborador espírita brasileiro. A partir da década de 1970, o seu nome foi adotado em psicografias, através da mediunidade de Divaldo Franco.

domingo, 24 de julho de 2016

A Vida


A Natureza está sempre a enviar mensagens sobre a vida. O homem persiste em não ouvi-la.

O cactus, por exemplo, na aspereza de sua forma externa, espinhos e desarmonia, encerra no seu interior a beleza de suas flores. Sutileza da mensagem: se há vida, há a presença do seu CRIADOR, na beleza do imponderável que representa o Eterno.

Assim se passa com a humanidade.

Na rude aparência externa de imperfeição do ser, no seu interior há sempre a beleza, pois aí Deus está presente. O grande objetivo da vida no nosso plano físico é fazer o homem sentir essa presença através da evolução, muitas vezes sob a pressão da dor.

A verdadeira VIDA não é uma síntese de substância proteicas, mas consiste no princípio que essa síntese estabelece e dirige; a vida não reside somente na evolução das formas, mas na evolução do centro imaterial que as anima; a vida não está na química complexa do mundo orgânico, mas no psiquismo que a guia.

A maior parte dos seres humanos e todos os animais vivem sem nada saber. Apenas obedecem aos impulsos da vida, que para eles tudo sabe.

A nossa VIDA atual apresenta-se, muitas vezes, como um fenômeno sem causas e sem efeitos, se considerada isoladamente. Para ser compreendida, é preciso concebê-la em função das vidas precedentes que a prepararam e das vidas futuras que a completarão.

A plenitude da VIDA está em Deus e o ser a conquista subindo para Ele com a evolução, enquanto a perde afastando-se Dele com a involução. Como o que não morre não pode ter nascido, assim o que existia antes do nascimento não pode morrer. O que não nasceu com a VIDA , não morre quando a vida cessa.

É certo que a VIDA pensa. Vemos seus efeitos, que nos revelam uma extraordinária sabedoria, porém, a vida não formula seu pensamento com palavras, como fazemos nós. Ela age, não fala. Sua linguagem é concreta, manifestando-se materializada nos fatos.

A VIDA é dura para quem pensa primeiro nos próprios deveres, numa sociedade em que geralmente cada um costuma pensar antes de tudo nos próprios direitos.

A VIDA é feita para evoluir, ainda que o faça através da dor, para uma alegria cada vez maior.

A VIDA é grande e bela, mesmo na dor mais atroz e tenaz é sempre digna de ser vivida.

A VIDA é para todos uma viagem, e cada trajeto dela representa um trecho percorrido pelo homem no caminho de sua evolução.

A VIDA é sempre positiva, construtiva, saneadora. Somos nós que tomamos o caminho negativo. Ela vem a nosso encontro para salvar-nos, empurrando-nos do caminho errado para o certo.

A VIDA é verdadeiramente um caminho e, nas vicissitudes de cada dia, a alma elabora o seu destino. A VIDA enveredou por um caminho novo, para o psiquismo, que é o primeiro grau da espiritualização. É necessário não esquecer que a VIDA é uma escola, e uma escola é feita de contínuas provas a serem superadas.

A VIDA não é feita para gozar, mas para aprender. Compreendido isto, logicamente se vê que tudo está em seu justo lugar e funciona como deve.

É necessário ter compreendido que a VIDA é uma escola, um laboratório experimental. Elevar-se é a grande meta da VIDA , elevar­-se pelos caminhos do espírito.

A VIDA não é ócio, mas esforço de conquista.

A VIDA no além-túmulo significa um acordar na profundeza do inconsciente, enquanto no período da matéria, a consciência fica limitada à superfície do “eu”. Mas é naquela profundeza que está escrita a história do indivíduo e está escondida a parte mais importante e secreta da sua personalidade, aquela que é tarefa da psicanálise descobrir.

A VIDA possui uma sabedoria íntima, muito acima de nossa vontade e conhecimento, da qual somos grandemente devedores, por termos chegado até aqui e conseguirmos sobreviver a cada minuto.

Caminhando, caminhando, chega-se ao último ato. Aparece o extremo horizonte para além do qual cai o pano. Na velhice quem viveu apenas para o presente, na matéria, olha para trás com saudade, agarrando-se ao passado que lhe foge. Quem viveu em função do futuro, no espírito, olha para a frente cheio de esperança na direção de nova VIDA que o espera.

O primeiro é verdadeiramente velho, espírito e corpo. O segundo é velho apenas no corpo, mas é jovem na alma. Para quem viveu preso à Terra, é o fim. Para quem viveu olhando para o alto, é o princípio.

Se cada dia tiverdes sabido criar no espírito e na eternidade, se tiverdes dado a cada ato esse objetivo mais alto e mais substancial, tereis caminhado com o tempo e não direis: o tempo passou! Tereis renovado vossa juventude com vosso trabalho e não tereis envelhecido tristemente. Então não direis mais da vida : vanitas vanitatum.

O ponto máximo de vossa VIDA psíquica custa a chegar e, por vezes, só aparece no fim, muito depois da juventude do viço físico, última delicada flor da alma.

O verdadeiro objetivo de nossa existência, o de construirmos a nós mesmos, não pode ser alcançado no limitado número de experiências de uma só VIDA. Quanto mais nos elevamos, tanto menos estamos jungidos a formas de VIDA na matéria, e menor é a necessidade da carne, produto da conjunção sexual que é parte daquele mundo inferior e ilusório.

Quanto mais se caminha para o alto, tanto mais a vida se oferece abrindo as portas ao amor. Quanto mais se desce, tanto mais a VIDA se contrai em uma dura casca de egoísmo que não abre as portas ao amor.

Se a VIDA psíquica não é filha direta dos pais, tem parentesco com estes pela via da afetividade, que a chama e atrai para determinado ambiente.

Sem Amor por mais rica que seja a VIDA, ela é estúpida, sem objetivo destituída de sentido.
Tudo na VIDA é uma contínua luta entre a necessidade de conservação, a que preside o instinto do egoísmo, e a necessidade de expansão, a que preside o instinto altruísta do Amor.

A virtude deve engrandecer a vida, desenvolvê-la e não sufocá-la. A VIRTUDE está em usar tudo com medida e desprendimento, com a finalidade de viver, existir com o objetivo de evoluir.

Devemos ser virtuosos, porém com mais inteligência. Consiste a VIRTUDE em fazer a vida elevar-se, e não em mutilá-la e matá-la.

Quem procura verdadeiramente a VIRTUDE , procura-a em si mesmo e não nos outros e, se a possui, não a exibe para honrar-se.

A visão da presença de Deus não é uma abstração, mas é a percepção de uma realidade viva e positiva. Esta realidade objetiva alcança-se por evolução, atingida pelo grau de sensibilidade ou de desenvolvimento da capacidade perceptiva, pela perspicácia psíquica ou pela elevação mental.

A EVOLUÇÃO psíquica e a evolução morfológica estão ligadas, pois constituem o mesmo processo evolutivo. Uma não pode ser isolada da outra, porque a evolução morfológica só representa a expressão exterior da evolução do princípio espiritual e constrói para si mesmo, regendo-o, o seu organismo no plano físico.

A EVOLUÇÃO surge de dentro, e não de fora. Trata-se de um impulso espiritual, ignorado pelo ambiente externo, material. A EVOLUÇÃO , que passa do plano físico ao dinâmico e ao psíquico, transforma todo o universo num psiquismo. É preciso compreender o que Darwin e seus seguidores materialistas não compreenderam e não podiam compreender, isto é, que a EVOLUÇÃO é guiada por um fluxo vital e que sua substância é espiritual.


Pietro Ubaldi


Sobre o autor

Pietro de Alleori Ubaldi, melhor conhecido como Pietro Ubaldi (Foligno/Itália, 18 de Agosto de 1886 — São Vicente/Brasil, 29 de Fevereiro de 1972), foi um filósofo e pensador espiritualista italiano. Conhecido por Sistematizar e propagar a Doutrina Espírita, por meio da técnica das "Noures".

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Emoções que Curam


O amor ao próximo é a alma dos princípios cristãos.

A lei universal de amor nos permite e convida-nos à ação consoladora em favor das necessidades de nosso próximo. Entretanto, a ação no bem, por si mesma, não representa a cura pessoal.


Estender a mão que apoia e enxugar lágrimas são roteiros insubstituíveis de solidariedade e bondade a que todos somos chamados para propiciar o bem alheio, a cura e a redenção, entretanto, são caminhos individuais e intransferíveis, frutos do merecimento e do trabalho pessoal.


Quando o Mestre orientou os apóstolos para "curarem toda a enfermidade", antes de tudo, estava propondo a ação curativa de si mesmos e assim nasceriam para o amor; porque amar é construir relações afetivas capazes de fazer florescer o melhor de cada um de nós, dilatando o poder individual de cura e de iluminação interior.


Quem ama acolhe sua própria sombra interior com tão rica bondade, que conquista o poder de um descobridor de talentos de quantos se encontrarem à sua volta. Quem ama tem luz no olhar e destaca sempre o bem e a riqueza íntima de todos.


Embora consideradas emoções que causam sofrimentos, à luz do amor, podemos transformar a tristeza e a mágoa, o medo e a culpa, o orgulho e a inveja em adubos nutrientes no canteiro da alma, produzindo farta colheita de frutos. Estas são emoções que curam e, nessa transformação, reside o poder da cura pessoal.


A tristeza é um convite para o melhor ajustamento à realidade.


A mágoa é uma dor que nos sacode para que descubramos velhas ilusões no campo mental.

O Medo é um amigável indicador de que queremos responder acertadamente aos desafios, requisitando de nós mesmos maior preparo e atenção.

A culpa é uma exigente orientadora que nos convoca a rever crenças e valores.


O orgulho é uma força que, bem orientada, torna-se pilar da autoestima.


A inveja é uma pista concreta sobre talentos adormecidos nos recessos profundos da inteligência.


Curar não significa eliminar a parcela de sombra pertinente às nossas atitudes, pois nos porões sombrios da vida mental existem terrenos férteis para a semeadura em favor da iluminação da consciência.


Louvemos a vida e a oportunidade que nos foi entregue de curadores de nós próprios nas bênçãos da reencarnação e comecemos o quanto antes a cuidar do enfermo que está dentro de cada um de nós, promovendo-nos à condição de saudáveis filhos de Deus.


Esse trabalho interior de recuperação é um resultado de três ciclos que amadurecem a experiência emocional e psíquica. O 1º: o autoconhecimento; o 2º: a autotransformação; o 3º: o autoamor.



Ermance Dufaux (Espírito)

Do livro Emoções que Curam, do médium Wanderley Oliveira
Sobre o autor

Ermance De La Jonchére Dufaux nasceu em 1841, na cidade de Fontainebleau, França. Foi uma das médiuns escolhidas por Allan Kardec para a equipe responsável pela codificação da doutrina espírita.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

A Grande Tarefa do Espiritismo


Enquanto muitas pessoas procuram o Espiritismo para resolver problemas triviais da vida, embora reconheçamos que alguns são especialmente dolorosos, não percebem que a grande tarefa do Espiritismo é mostrar a sobrevivência da alma, e a finalidade evolutiva do existir, assim como a orientação ético-moral, emanada do Evangelho de Jesus de Nazaré.

Ao se conscientizar da sobrevivência, o homem, se liberta do terror com que encara a morte. No entanto, o Espiritismo responsabiliza-o, também, pela aplicação do seu aprendizado moral, alargando os horizontes do conhecimento.

Devemos considerar que não é apenas o Espiritismo que ensina a sobrevivência, todas as religiões o fazem, contudo, o Espiritismo dá uma nova dinâmica à imortalidade, tirando-a de uma situação estática, para a dinâmica.

Consideramos, também, que a estrutura doutrinária do Espiritismo, não se limita a pregar a sobrevivência, mas comprova-a através das pesquisas. Ao falar da reencarnação, não a apresenta como um dogma de fé, mas como lei natural.

Quanto ao Evangelho, ele é visto, pelo espiritismo, como um código moral, suscetível de erros, interpolações, adulterações, por isso, seguindo os passos de Allan Kardec, aceitamos sem tergiversações os ensinamentos morais do Evangelho. É, sobretudo, um livro humano, portanto, com as limitações humanas. Nele, encontramos os maravilhosos ensinamentos de Jesus de Nazaré, juntamente com textos distorcidos ou interessados em defender ideias, nem sempre condizente com o próprio evangelho.

O Espiritismo não pode ficar subordinado a imposições dogmáticas ou aos convencionalismos humanos. Em espiritismo não cabe o crer pelo crer, pois a fé deve ser racional.

Sabemos que para muitos as proposições espíritas são assustadoras. Unir fé e razão, assim como a religiosidade à filosofia e à ciência, e transformar a alma ou espírito em objetos de observações e pesquisas pode, realmente, desestruturar a mente humana.

Os místicos-religiosos, dificilmente aceitam as ideias espíritas. Aqueles que aprenderam ouvir e aceitar o que lhe dizem, desde crianças, sem questionar, não conseguem entender essa revolução conceptual. Ao contrário disso, aqueles que procuram novos rumos para as suas vidas, certamente encontrarão no espiritismo roteiro seguro para a emancipação do pensamento.

A fé espírita, afirma Herculano Pires, como já dizia Allan Kardec, é iluminada pela razão, mas a razão espírita, por sua vez, é iluminada pela fé, de maneira que não pode ser confundida com a razão céptica. Enquanto esta é espiritualmente estéril, a razão espírita é espiritualmente fecunda, abrindo para a mente humana perspectivas cada vez mais amplas de compreensão do homem, do mundo e da vida.


Amilcar Del Chiaro Filho

Sobre o autor:

Amilcar Del Chiaro Filho, nasceu em Catalão/GO – em 16 de abril de 1935, trabalhou como metalúrgico alguns anos e por sequelas da hanseníase teve que se afastar da profissão. Casou-se em 1958 com Leonil Maria Bucheroni Del Chiaro e como não tiveram filhos adotaram duas crianças. Iniciou-se no Espiritismo em 1954, tendo se tornado radialista em 1977, com a criação do programa Sol nas Almas, na Rádio Boa Nova, Emissora da Fundação Espírita André Luiz, trabalhando na produção e apresentação de inúmeros programas espíritas. Depois de 71 anos de muita luta, no dia 30 de novembro de 2006, desencarnou em São Paulo.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Curiosidade e Renovação


Disse Allan Kardec, em relação ao espiritismo, que "o período da curiosidade já passou". Estávamos na segunda metade do século 19.

A observação de Kardec está na parte final de O livro dos Espíritos – Conclusão 5. Teria passado mesmo? É a pergunta que muita gente ainda faz. Como não existe conceito absoluto na linguagem humana, devemos considerar que o período da pura curiosidade realmente já passou para aqueles que não se prendem mais à mesa mediúnica nem aos médiuns como o único ponto de interesse pelo espiritismo; mas ainda não passou para quantos ainda estão na fase inicial, durante anos a fio, consultando os mentores espirituais, sem um passo sequer no conhecimento aprofundado.

Tudo é relativo, todos sabem disto. Claro que o codificador se referia ao desenvolvimento natural do conhecimento através de etapas: primeiramente a curiosidade, o desejo de ver com os próprios olhos, a vontade incontida de falar com espíritos; depois naturalmente o raciocínio analítico, a reflexão; por fim, e pela ordem lógica, vem a convicção, a integração na doutrina. E daí por diante, não se para mais de estudar e observar, pois a "sede de saber" não admite limitações.

Houve, de fato, um período de curiosidade, aliás necessário, e foi o período em que todas as preocupações se concentraram na parte mediúnica do espiritismo. O elemento mediúnico nunca deixou nem deixaria de ser necessário e sempre importante, mas a fixação exclusiva no fenômeno, como se não houvesse mais motivação, com o tempo cedeu lugar a outra ordem de cogitações, que se polarizaram exatamente na Doutrina e suas consequências. Um campo novo, que se abriu para muita gente no ciclo histórico das primeiras obras espíritas. E, por isso mesmo, Allan Kardec frisou muito bem: a curiosidade passou.

Claro que há curiosidade no sentido comum de apenas querer ver, sem qualquer objetivo sério, e curiosidade no sentido especial de procurar a verdade ou adquirir conhecimento. Esta última expressão de curiosidade revela bom senso e honestidade de propósitos. É, enfim, uma curiosidade que a própria doutrina espírita suscita a cada passo. Mas o que ainda se nota, em grande parte, é a curiosidade vulgar, sem a mínima preocupação de estudo ou de enriquecimento espiritual, isto é, a curiosidade dos que procuram apenas espetáculo, e nada mais. Há outra forma de curiosidade, bem intencionada e às vezes piedosa, não há dúvida, mas improdutiva, porque não sai da rotina, não opera qualquer mudança de ideias ou de hábitos. É o caso, por exemplo, das pessoas que vão ao centro espírita somente por causa dos guias espirituais e, por isso mesmo, toda a atenção se dirige ao médium, a ninguém mais. De certo tempo em diante, a curiosidade rotineira termina criando a "idolatria do médium" e a "devoção dos guias". E o aprendizado? E a renovação da criatura? E a mudança de hábitos? Nada. Há pessoas que frequentam centros espíritas há cinco ou dez anos, ouvindo a palavra dos guias, pedindo mensagens e comparecendo religiosamente às sessões mediúnicas, mas continuam pensando como pensavam antes: ainda têm medo de "azar", ainda acreditam no inferno, ainda fazem penitência. Os hábitos religiosos continuam sendo os mesmos. Isto quer dizer que não aprenderam espiritismo, não receberam ou não absorveram esclarecimentos da doutrina. Ainda permanecem na fase inicial da curiosidade comum, não deram um passo adiante, pois não apresentam qualquer mudança. É o caminho para o fanatismo. Mas o espiritismo é uma doutrina renovadora. À medida que se estuda a doutrina e que se absorve o ensino espírita, naturalmente alguma coisa começa a mudar, aos poucos: a visão da vida e das coisas, a concepção de Deus e sua suprema justiça; a noção de responsabilidade e assim por diante.

Já se disse, e não faz mal repetir, que certas pessoas são capazes de caminhar muitos quilômetros à procura de um médium, com chuva ou com sol quente, seja lá onde for, mas não têm a paciência nem o interesse de ficar meia hora pelo menos no recinto de um centro para ouvir uma palestra, uma elucidação doutrinária. No entanto, como ainda ensina Allan Kardec, que o espiritismo progrediu sobretudo desde que foi compreendido em sua "essência íntima". É realmente a essência da Doutrina, o conhecimento da doutrina que se aprende a valorizar a comunicação dos espíritos e sua significação no progresso moral. Enquanto a mesa mediúnica for apenas objeto de curiosidade ou simples motivo de devoção, não há renovação, não há progresso no conhecimento do espiritismo. Mas temos de reconhecer, finalmente, que a orientação de origem tem muita influência, sob este ponto de vista. Há centros que fazem questão de dar preferência aos trabalhos mediúnicos, como se fossem a razão de ser de sua existência, enquanto a doutrina fica em segundo plano e às vezes nem é comentada nas reuniões... Então, os frequentadores assíduos, se habituam à rotina e não entendem o espiritismo a não ser pela via mediúnica. Se é assim que entendem o espiritismo, evidentemente não se interessam pelas explanações doutrinárias. Lembro-me bem de um centro espírita, que frequentei no bairro de São Cristóvão, há muitos anos, nos primeiros contatos que tive com o espiritismo. O presidente era o médium da casa e fazia tudo: doutrinava mediunizado, dirigia o serviço de passes, cuidava das desobsessões etc. Nenhum livro da doutrina. Toda a assistência via o centro exclusivamente pela pessoa do médium. Tudo se fazia em função do médium. Tempos depois, apareceu alguém, que começou a colaborar no centro e conseguiu introduzir o estudo doutrinário, semanal. Então, ficou reservado um dia especialmente para a explanação da Doutrina. Pois bem, a maior parte da assistência, que já estava mal acostumada, reagiu desagradavelmente. Lembro-me bem, como se fosse hoje, de que certa vez um dos frequentadores, daqueles que nunca faltavam às sessões mediúnicas, ao chegar à sala, assim que viu no quadro de aviso que aquela noite seria de estudo doutrinário, voltou imediatamente e ainda falou assim, quase afrontado: "Isto não interessa!" e se foi mesmo... Em parte, alguns centros são responsáveis por essa discrepância, justamente porque não criam desde cedo o hábito do estudo, sem desprezar a parte fenomênica. O equilíbrio antes de tudo.


Deolindo Amorim

Artigo publicado no jornal Correio Fraterno, em dezembro de 1979.


Sobre o autor

Deolindo Amorim, (23 de janeiro de 1906, Baixa Grande, Bahia - 24 de abril de 1984, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro ) foi um jornalista, sociólogo, publicitário, escritor e conferencista espírita brasileiro. Colaborou no Jornal do Comércio e em praticamente toda a imprensa espírita do país.

sábado, 16 de julho de 2016

Consequências Morais da Reencarnação


As vidas sucessivas têm por objeto o desenvolvimento da inteligência, do caráter, das faculdades, dos bons instintos, e a supressão dos maus.

Sendo contínua a evolução e perpétua a criação, cada um de nós, no correr das existências, é, a todo instante, feitura de si mesmo. Com efeito, trazemos conosco uma sanção inevitável, que pode deixar de exercer-se imediatamente, mas que, cedo ou tarde, terá uma repercussão certa nas vidas futuras.

As desigualdades morais e intelectuais não são o resultado de decisões arbitrárias da divindade e a justiça já não se acha ferida. Partindo todos do mesmo ponto, para chegar ao mesmo fim, que é o aperfeiçoamento do ser, existe, realmente, uma perfeita igualdade entre todos os indivíduos.

Essa comunhão de origem mostra-nos claramente que a fraternidade não é uma palavra vã. Em todos os degraus do desenvolvimento, sentimo-nos ligados uns aos outros, de sorte que não existe diferença radical entre os povos, a despeito da cor da pele ou do grau de adiantamento. A evolução não é somente individual, é coletiva. As nações se reencarnam por grupos, de sorte que existe uma responsabilidade coletiva como existe a individual; daí resulta que, qualquer que seja nossa posição na sociedade, temos interesse em melhorá-la, porque é o nosso futuro que preparamos.

O egoísmo é, ao mesmo tempo, um vício e um mau cálculo, porque a melhoria geral só pode resultar do progresso individual de cada um dos membros que constituem a Sociedade. Quando estas grandes verdades forem bem compreendidas, encontrar-se- á menos dureza entre os que possuem, e menos ódio e inveja nas classes inferiores.

Se os que detêm a riqueza ficarem persuadidos de que, na próxima encarnação, poderiam surgir nas classes indigentes, teriam evidente interesse em melhorar as condições sociais dos trabalhadores; reciprocamente, estes aceitariam com resignação a sua situação momentânea, sabendo que, mais tarde, poderiam estar, por sua vez, entre os privilegiados.

A Palingenesia é, pois, uma doutrina essencialmente renovadora, é um fator de energia, visto que estimula em nós a vontade, sem a qual nenhum progresso individual ou geral poderia realizar-se.

A solidariedade impõe-se a nós como uma condição essencial do progresso social; é uma lei da Natureza, que já podemos verificar nas sociedades animais, constituídas para resistir à lei brutal da luta pela vida.

O mal não é uma necessidade fatal imposta à Humanidade.

Em resumo, a teoria das vidas sucessivas satisfaz todas as aspirações de nossas almas, que exigem uma explicação lógica do problema do destino. Ela concilia-se perfeitamente com a ideia duma providência, ao mesmo tempo justa e boa, que não pune nossas faltas com suplícios eternos, mas que nos deixa, a cada instante, o poder de reparar nossos erros, elevando-nos, lentamente, por nossos próprios esforços, subindo os degraus dessa escada de Jacob, onde os primeiros mergulham na animalidade e os últimos chegam à mais perfeita espiritualidade.

Podemos dizer, com Maeterlinck:

“Reconheçamos, de passagem, que é lamentável não sejam peremptórios os argumentos dos teósofos e dos neoespiritistas; porque não houve nunca uma crença mais bela, mais justa, mais pura, mais moral, mais fecunda, mais consoladora, e até certo ponto mais verossímil que a deles.

Tão-só com a sua doutrina das expiações e das purificações sucessivas, ela explica todas as desigualdades sociais, todas as injustiças abomináveis do destino. Mas a qualidade de uma crença não lhe atesta a verdade. Ainda que ela seja a religião de seiscentos milhões de homens, a mais próxima das origens misteriosas, a única que não é odiosa, a menos absurda de todas, é preciso não fazer o que fizeram as outras, mas trazer-nos testemunhos irrecusáveis, pois o que ela nos deu até agora não é mais do que a primeira sombra de um começo de prova.”

As provas que Maeterlinck pede, creio tê-las trazido. O que possuímos agora é uma demonstração positiva, e ela nos permite compreender não só a sobrevivência do princípio pensante, senão também a sua imortalidade, pois que durante milhões de anos havemos evolucionado nesta Terra, que deixaremos, quando nela mais nada houver que aprender.


Gabriel Delanne

Do livro “A Reencarnação”, de Gabriel Delanne.


Sobre o autor


François-Marie Gabriel Delanne (Paris, França, 23 de Março de 1857 - 15 de Fevereiro de 1926) foi um francês engenheiro e um dos primeiros pesquisadores espíritas notórios. Intelectual renomado, sua pesquisa sobre a mediunidade é notória no contexto do problema mente-corpo. É considerado como o propagador do espiritismo no mundo.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

A Vida


O infinito na vida. — Visão microscópica e visão telescópica. — Geografia das plantas e dos animais; difusão universal da vida.

As considerações que precedem estabelecem uma dupla certeza e seriam mais que suficientes para questões ordinárias e puramente humanas; mas a Natureza não quis deixar aos homens o cuidado de explicar a obra-prima da criação. O Rei dos seres lançou um véu misterioso sobre esta prova sublime de sua onipotência, e reservou levantá-lo ele mesmo, a fim de confundir o orgulho dos homens, ao mesmo tempo que aumentasse a esfera de sua inteligência. Para chegar a este fim, antes que a ciência descobrisse as maravilhas de sua fecundidade prodigiosa, a Natureza colocou na mente daqueles que estudaram a noção da pluralidade dos mundos que uma só terra habitada não conviria nem à sua dignidade, nem à sua grandeza. Depois, deixou à ciência o cuidado de desenvolver esta ideia primitiva, permitindo ao homem penetrar no santuário de seu eterno poder. Enquanto os antigos, que podiam adorar a infinidade do Criador e se prosternar perante sua glória contemplando a imensidade da Terra, a riqueza de seu paramento e a variedade de suas produções, compreendiam, porém, quão pouco digna esta Terra seria, por si só, de saciar Seu olhar, e o quanto às maravilhas que a decoram estão abaixo da majestade divina, os modernos, por consequência do progresso das ciências, não deviam ficar reduzidos a encerrar essa majestade suprema num mundo onde começam a se sentir eles mesmos apertados, onde, graças a novos Pégasos, mais rápidos que os do Olimpio, as mais longas viagens não são para nós senão viagens de recreio, onde o relâmpago submetido nos permite conversar em voz baixa com nossos vizinhos, os antípodas, num mundo, enfim, que hoje rolamos entre as mãos como um brinquedo. É então que, enquanto a Terra perde seu esplendor primitivo deixando-se melhor conhecer, e recuando cada vez mais seu horizonte perante nossos olhos, o mundo sideral desenrola em gigantescas proporções sua incomensurável extensão e cresce, à medida que conhecemos melhor a exiguidade de nosso globo. É então que, enquanto o microscópio nos ensinava que a vida transborda por todo lado em nossa morada e que a Terra é demasiado estreita para contê-la, o telescópio nos abre no céu novas regiões onde esta vida não é mais limitada como cá embaixo, onde ela se propaga em planícies férteis e verdadeiramente dignas dos obséquios da Natureza. É então que as descobertas microscópicas vêm para anunciar que o poder criador se deu ao trabalho de nos fazer conhecer a menor parte dos seres existentes, nos revelando que a vida invisível é infinitamente mais extensa sobre os continentes e nas águas que a vida aparente, e que, apenas no nosso mundo, a soma dos seres percebidos e suscetíveis de serem estudados com o auxílio de nossos sentidos não é comparável à soma dos seres que estão além dos nossos meios de percepção.

A geografia das plantas e dos animais nos mostra a universal difusão da vida na superfície do globo; cada região nos abre um campo de uma nova riqueza, cada região desenrola sob nossos olhos uma nova população. Se nos erguemos dos mais profundos vales aos cumes das mais altas montanhas, as espécies de vegetais e de animais se sucedem, definidas e revestidas de caracteres especiais, segundo as altitudes, e subindo até os últimos limites onde as funções da vida ainda podem operar. Se se dirige do equador aos polos, vemos a esfera da vida se estender e se diversificar desde as formas gigantescas dos trópicos até o mundo dos infinitamente pequenos, que habitam as latitudes extremas. "Perto dos polos", diz Ehrenberg, um dos mais laboriosos naturalistas, "onde os maiores organismos não poderiam existir, reina ainda uma vida infinitamente pequena, quase invisível, mas incessante; as formas microscópicas recolhidas nos mares do polo austral, durante as viagens de James Ross, oferecem uma riqueza toda especial de organismos que eram até então desconhecidos, e que são, muitas vezes, de uma elegância admirável; nos resíduos dos gelos derretidos que flutuam perto de 78 graus de latitude, encontrou-se mais de cinquenta espécies de poligástricos silicosos, e coscinodiscos cujos ovários ainda verdes provam que viveram e lutaram com sucesso contra os rigores de um frio levado ao extremo; a sonda capturou, no golfo do Erebo, de 403 a 526 metros de profundidade, sessenta e oito espécies de poligástricos silicosos e de phytolitharia."

Nem a diversidade dos climas, nem a extensão das distâncias, nem a altura, nem a profundidade, puseram obstáculo à difusão dos seres vivos; eles invadiram as regiões mais ocultas, no alto, embaixo, por toda parte; cobriram a Terra com uma rede de existências. A economia do globo está disposta para isso. As plantas confiam aos ventos seus leves grãos e vão renascer a distâncias imensas; os animais emigram em tropas ou penetram individualmente regiões que parecem impenetráveis. Já observamos, os lagos subterrâneos, aos quais as águas de chuva parecem ser as únicas capazes de descer, alimentando não somente os infusórios e os animálculos que nascem por todo canto, mas ainda grandes espécies de peixes e aves aquáticas, como o testemunham os palmípedes da Carniole. As cavernas naturais, na aparência completamente fechadas, dão acesso às espécies vivas, as quais se multiplicam lá e propagam uma vida subterrânea especial. As geleiras dos Alpes alimentam poduromorfos. As neves polares recebem chionoea araneoides. A 4.600 metros acima do nível do mar, os Andes tropicais estão enriquecidos com belos fanerógamos. A vida é variável ao infinito e se manifesta por todos os lugares onde estão reunidas as condições de sua existência. Nossas classificações artificiais não bastam para compreender a extensão das espécies vivas. A vida brinca com a substância e a forma, e parece desafiar todas as impossibilidades. A luz, o calor, a eletricidade, criam-lhe mil mundos, abrem mil caminhos para sua extensão. A água fervente e o gelo não são um obstáculo insuperável. Vibriões secos sobre os tetos, expostos ao sol forte do verão e cobertos de gelo no inverno, renascem após anos de morte aparente, se as condições de sua existência se encontram momentaneamente realizadas no ponto imperceptível onde jaziam. O átomo de poeira que se equilibra num raio de sol, e que um turbilhão arrebata pelos ares, é todo um pequeno mundo povoado por uma multidão de seres agentes. A vida está por todos os lugares, encontra-se do equador aos polos, diversa, transformada, etapa por etapa. Não há provavelmente um só lugar do globo onde ela não tenha penetrado algum dia, e detendo-nos mesmo no espetáculo atual da Terra, considerando apenas a época determinada na qual observamos, época que só representa um segundo insensível na insondável duração das eras geológicas, vemos essa maravilhosa força de vida por todos os lugares em atividade, por todos os lugares em movimento, por todos os lugares em vias de criação. Analisemos o sangue dos menores animais, e ali encontraremos animálculos; ergamo-nos nos ares e nas nuvens de poeira que muitas vezes perturbam a transparência, e encontraremos uma infinidade de infusórios poligástricos de carapaça silicosa.

Malgrado as sábias e perseverantes pesquisas dos fisiólogos de hoje em dia, o antigo problema da geração espontânea não foi ainda resolvido. Mas se a heterogeneidade ainda está no berço, os trabalhos que a fizeram nascer e as discussões que ela encetou não aumentaram especialmente o campo de nossos conceitos sobre a essência e a propagação da vida. Sabemos agora o quanto é fecundo o seio dessa bela Natureza, sempre na seiva de sua virilidade sem idade, sempre no esplendor de sua força e de sua juventude. Os mistérios íntimos da geração se desvelam, e nosso século analisa os recursos ocultos da vida embriogênica e seu funcionamento, segundo os indivíduos, segundo os sexos, segundo as famílias e segundo as espécies, e se ainda não conhecemos, começamos a conhecer, e compreendemos que há no embrião e no animal microscópico um infinito de vida, força inicial que nasce segundo o concurso de alguns elementos, e que se desenvolve segundo o impulso de sua própria essência, secundada pelas influências saídas do mundo exterior.


Camille Flammarion

Extraído do livro "A Pluralidade dos Mundos Habitados", de Camille Flammarion.

Sobre o autor:


Nicolas Camille Flammarion, mais conhecido como Camille Flammarion (Montigny-le-Roi, 26 de fevereiro de 1842 — Juvisy-sur-Orge, 3 de junho de 1925), foi um astrônomo, pesquisador psíquico e divulgador científico francês. Importante pesquisador e popularizador da astronomia, recebeu notórios prêmios científicos e foi homenageado com a nomenclatura oficial de alguns corpos celestes. Sua carreira na pesquisa e popularização de fenômenos paranormais também é bastante notória.
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