terça-feira, 30 de agosto de 2016

Construir a Paz


Regra geral, toda a pessoa, verdadeiramente humana; as famílias; as instituições; as comunidades; as sociedades; os povos; as nações de todo o mundo perseguem objetivos, desejam alcançá-los e consolidá-los para viverem com a maior estabilidade possível, com qualidade de vida, com tranquilidade, na maior felicidade exequível, enfim, com Paz.

Na verdade, o Papa Paulo VI, em sua primeira mensagem para o dia de Ano-Novo, dizia: «Dirigimo-nos a todos os homens de boa vontade, para os exortar a celebrar o Dia da Paz, em todo o mundo, no primeiro dia do ano civil, 1 de Janeiro de 1968. Desejaríamos que depois, cada ano, esta celebração se viesse a repetir, como augúrio e promessa, no início do calendário que mede e traça o caminho da vida humana no tempo que seja a Paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o processar-se da história no futuro».
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Mundial_da_Paz, consultado em 25.11.2012.)

Muitos são os valores que acompanham a existência humana, ainda que as culturas, histórias e civilizações tenham, e pratiquem, os valores que consideram próprios de cada povo. Praticamente, é impossível conseguir adaptarem-se valores e as respectivas boas práticas, comuns a todas as pessoas, e embora se deseje acreditar que haverá valores que toda a gente gostaria de possuir e usufruir plenamente, como por exemplo: saúde, trabalho, família, solidariedade, justiça, felicidade e Paz, o certo é que não é seguro que assim seja.

A Paz não é apenas e/ou necessariamente a ausência de guerra. Ela envolve por si só outros valores, outras práticas, de tal forma que se não existirem e não forem fruídos, então a Paz será, tão só, uma condição em que se vive, mas que não traz à pessoa humana a tranquilidade para viver feliz, com entusiasmo, dinamismo e projetos de vida. A Paz, no conceito de ausência de guerra, é muito pouco. A Paz tem de comportar outras exigências, dimensões e realizações para que contribua para a dignidade humana.

É rigorosamente verdade que o mundo é um aglomerado de seres, de fenômenos, de mistérios. O ser humano é, porventura, no campo do que já é conhecido, o mais evoluído de todos, aquele que verdadeiramente constrói, desenvolve e desfruta de uma cultura, desde logo, na sua própria educação, formação ao longo de toda a vida, sem que alguma vez se sinta plenamente realizado, feliz, todavia, poderá encontrar alguma tranquilidade, uma sensação de bem-estar, de conforto material e espiritual.

Se assim for, então, parta-se da aceitação de que a Paz deve começar em cada pessoa e depois, qual vento circulante, expandir-se para as outras pessoas, cada uma destas, igualmente se esforçando por construir a sua própria Paz, continuando a envolver sempre mais pessoas, povos e nações. Resulta que a grande estratégia será a soma das Pazes individuais para se erigir a Paz mundial, porque é necessário o contributo de todos, em liberdade e com responsabilidade.

Com efeito: «A Paz é a prática da consciência plena, a prática de estar ciente dos nossos próprios pensamentos, das nossas ações e das consequências das nossas ações. A consciência plena é simultaneamente simples e profunda. Quando somos plenamente conscientes e cultivamos a compaixão da nossa vida diária, diminuímos a violência a cada dia que passa. Temos um efeito positivo na nossa família, nos amigos e na sociedade» (HANH, 2003:11).

Este valor inestimável, procurado pela esmagadora maioria das pessoas, povos e nações, encontra sempre imensos obstáculos, porque a Paz tem de começar a existir no espírito de cada indivíduo, é ele que tudo deve fazer para “contaminar” os outros, qual bola de neve.

Enquanto não forem erradicados objetivos individuais de puro egoísmo, do poder-pelo-poder, de domínio arrogante, prepotente, ditatorial e desumano; enquanto predominar o ter sobre o ser; a perseguição sobre a reconciliação; a vingança sobre o perdão; a hipocrisia sobre a lealdade; a ambiguidade sobre a solidariedade, a Paz é, praticamente, uma utopia.

Claro que toda a utopia, mais tarde ou mais cedo, ao longo da história da humanidade, pode-se tornar realidade, tudo dependendo da determinação de cada pessoa em “lutar” pela sua própria Paz e ajudar os seus semelhantes a conquistar e praticar este supremo bem.

É fundamental que se tenha a coragem e também a humildade de se autoavaliar, reconhecer que errou, e corrigir tudo o que intencionalmente, ou não, foi realizado para prejudicar outras pessoas, para humilhar, desconsiderar, magoar e desgostar. Enquanto esta situação perdurar em cada pessoa, ela não terá Paz consigo própria, logo, não está em condições de contribuir para uma verdadeira Paz alargada a toda a gente.

Portanto, é condição “sine qua non” que se comece por avaliar o grau de culpabilidade na ausência da Paz individual porque «A verdadeira culpa é o remorso que sentimos quando magoamos aqueles que amamos; ela nos faz ter vontade de corrigir as coisas no nosso relacionamento com os outros. A falsa culpa é o medo da punção que está mais ligada à necessidade de nos protegermos depois que fazemos algo errado. A falsa culpa raramente beneficia o nosso relacionamento com os outros. Na verdade, ela em geral nos prejudica e nos torna pessoas de convivência mais difícil» (BAKER, 2005:79).

Comemora-se mais uma efeméride relativa ao “Dia Mundial da Paz”, no início de cada ano, mais concretamente, no dia 1 de Janeiro, dia de Ano-Novo. Os apelos à Paz vêm de todos os quadrantes: religiosos, políticos, econômicos, empresariais. Considera-se, então, naquele dia, a Paz como um desígnio universal a alcançar e consolidar.

As promessas de tudo se fazer, a partir das mais altas instâncias, nacionais e internacionais, são uma atitude que se deve aplaudir e, com mais veemência, quando depois se concretizam no terreno. Mas a Paz que se deseja para todos será que existe em cada pessoa anônima e nas que fazem os apelos mais lancinantes, para que ela se concretize?

A realidade é bem diferente porque «Todos nós sonhamos com uma vida melhor, uma sociedade melhor. Contudo, tornou-se difícil passar um dia que seja sem nos desiludirmos, sem nos sentirmos desapontados, sem nos sentirmos sugados pelas pessoas mesquinhas e egoístas que nos rodeiam. Parece que uma grande maioria das pessoas só está interessada nos seus ganhos pessoais. Tornaram-se rudes e arrogantes, críticas e insensíveis. As suas ações não só nos deprimem como também nos fazem sentir que não podemos fazer nada para mudar este estado de coisas e que apenas os que estão no poder têm capacidade de fazer a diferença» (BRIAN, 2000:138).

Seguramente que a Paz é um bem supremo, um valor, um desígnio, enfim, eventualmente, o bem último a que o ser humano aspira e que persegue, incessantemente, até nas expressões mais simples como “Deixem-me em Paz” se confirma este desejo universal. Mas a Paz é um objetivo difícil de alcançar, não necessariamente porque o ser humano não tenha inteligência e meios para dela se aproximar, mas porque os conflitos internos em cada pessoa estão sempre latentes.

Evidentemente que nenhuma das posições individuais – pessimismo, otimismo –, quando exageradas, poderá conduzir, com segurança, à Paz, mas, provavelmente, um otimismo moderado, realista, racional, e também com um pouco de sentimento e emoção, ajuda imenso, pelo menos a acreditar, a ter fé na possibilidade da Paz, com todos os outros valores e oportunidades que ela proporciona no mundo.

A Paz interior, sempre em construção, sempre a melhorar, sempre a dar mais felicidade a quem por ela “luta”, será o rumo a seguir, objetivo a alcançar. Para o efeito aponta-se, de fato, uma atitude otimista, realista, com esperança, com determinação, com capacidade de adaptação, com serenidade e com sentido da realização do potencial de transformação.

Seguramente, não um otimismo santificado, ingênuo e “cor-de-rosa”, porque este pode levar ao desespero, na medida em que o mundo, indiscutivelmente, não é fácil, nem imutável, e, muito menos, girando à volta de cada pessoa, de cada interesse. O mundo tem “esquinas muito pontiagudas”, “espinhos venenosos” e “alçapões sem fundo”, por isso é importante ter-se em atenção esta e outras realidades.

A estratégia para a Paz passa, portanto, pelo otimismo racional, realista, com emoção, sentimento e entusiasmo e, nesse sentido, «Não nos detenhamos na imagem Épinal (Épinal é uma cidade situada no nordeste da França, capital do departamento de Vosges, na região Lorena. A cidade é atravessada pelo rio Mosela. Épinal é a cidade de nascimento de Émile Durkheim e de Marcel Mauss) do otimismo beato. Por trás desse clichê que gostamos de troçar, esconde-se um grande número de qualidades: a esperança, a determinação, a faculdade de adaptação, a lucidez, a serenidade e a força de caráter, o pragmatismo, a coragem e até a audácia, outras tantas qualidades que se encontram no soukha, a verdadeira felicidade» (RICARD, 2003:180).

Está identificado, a partir da determinação pessoal, o rumo a seguir para se chegar ao bom porto da Paz. Um rumo que será estimulante de se seguir, desde já com a força da solidariedade entre todas as pessoas de boa vontade, porque, afinal, a solidariedade deve ser «Entendida como sentimento de fraternidade, de adesão, de felicidade e de compreensão que nos impele a cuidar, apoiar e animar mutuamente, é uma força natural que incute confiança, segurança, esperança e fomenta uma perspectiva mais comunitária do mundo menos individualista» (MARCOS, 2011-122). Sim, a Paz é possível, assim a queiramos, todos unidos. Mãos à obra e Paz para todos.


DIAMANTINO LOURENÇO RODRIGUES DE BÁRTOLO

Bibliografia:
BAKER, Mark W., (2005). Jesus, o Maior Psicólogo que já existiu. Trad. Cláudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Sextante.
BRIAN L. Weiss, M.D. (2000). A Divina Sabedoria dos Mestres. Um Guia para a Felicidade, alegria e Paz Interior. Trad. António Reca de Sousa. Cascais: Pergaminho.
HANH, Thich Nhat, (2004). Criar a Verdadeira Paz. Cascais: Pergaminho.
MARCOS, Luís Rojas, (2011). Superar a Adversidade, O Poder da Resiliência. Trad. Maria Mateus. Lisboa: Grupo Planeta.
RICARD, Matthieu, (2005). Em Defesa da Felicidade. Trad. Ana Moura. Cascais: Editora Pergaminho Ltda.

domingo, 28 de agosto de 2016

A Depressão à Luz do Espiritismo


No Evangelho de Mateus, cap. V, vv. 5, 6 e 10, e em Lucas, cap. VI, vv. 20 e 21, Jesus nos ensina que bem-aventurados serão os aflitos. Entendemos que Jesus felicita os sofredores por saber que o sofrimento, como aprendemos nas palavras sábias de Emmanuel, é a pedagogia divina a nos ensinar a busca dos procedimentos indicados para curarmos as doenças da alma.

Em o Evangelho segundo o Espiritismo, no cap. V, Kardec faz esmerado estudo sobre o porquê dos sofrimentos da humanidade na Terra e, no item 25 do mesmo capítulo, o Espírito François de Genève (Bordeus), com o título “A Melancolia”, analisa o tema escrevendo: “Sabeis por que uma tristeza indefinida às vezes se apossa de vossos corações e vos faz achar a vida tão amarga? É o vosso Espírito que aspira à felicidade e à liberdade e que, ligado ao corpo que lhe serve de prisão, consome-se em grandes esforços para libertar-se dele. Porém vendo que são inúteis, cai em desânimo, e, como o corpo sofre essa influência, a falta de energia, o abatimento e uma espécie de apatia se apoderam de vós, fazendo com que vos acheis infelizes”.

Essas informações de François precedem aos atuais estudos das ciências psíquicas que, atualmente com o diagnóstico de depressão, procuram dar explicações sobre as causas dos transtornos de humor que acometem a muitos nos dias atuais, sendo resultantes de distúrbios de ordem física. Esse mal que está sendo considerado como a doença do século, e que assola o sofrimento humano, merece ser estudado sob o enfoque espiritual em virtude da sua vinculação íntima a sintomas de ordem anímica, como veremos.

O Espiritismo, ensinando e provando a imortalidade da alma, nos traz luz sobre o tema, pois os amigos espirituais, propiciando ajuda aos sofredores, nos têm informado que antes da reencarnação, isto é, antes da nossa volta a uma nova vida na Terra, nesse intervalo, quando merecedores, somos assistidos por eles no preparo do regresso. Esse preparo consiste num como tratamento espiritual, visando ajudar-nos na nossa programação reencarnatória, quando somos orientados sobre aquilo de que necessitamos para o melhor aproveitamento dessa vida futura.

Estando ainda no mundo espiritual, tomamos conhecimento da felicidade relativa desfrutada por aqueles que já adquiriram méritos para assim se sentirem e constatamos que ainda sofremos em virtude das mazelas, das imperfeições, das faltas cometidas, que configuram o mal que carregamos e daí os sentimentos de falência espiritual e, então, de livre vontade, concordamos em aceitar viver as provas e expiações necessárias ao nosso progresso espiritual e quitação dos débitos do passado.

Com essa nova visão concebida pelo Espiritismo, com essa nova ótica, deduzimos, como ensina François, que a depressão nada mais é do que um estado de desilusão que acomete o Espírito encarnado, quando a voz da consciência e as tendências instintivas nos trazem à memória o compromisso assumido antes do retorno e buscamos a nossa recuperação perante nós próprios, e, não nos encontrando com forças para seguir o novo caminho programado, transformando mazelas em virtudes, e nos julgando incapazes e incompetentes, por nos dividirmos entre o homem velho que insiste em ser o que sempre foi e o homem novo que percebe ser necessário realizar as mudanças prometidas, nesse estado de espírito caímos em tristeza profunda, num abatimento constrangedor, desapontados com nós mesmos, contrariados e incapazes, sem coragem de conviver com as frustrações de não podermos ser como queremos e ter que aceitar a vida como ela está sendo e não como gostaríamos que fosse. Incompetentes para a cura desejada, caímos em desequilíbrio espiritual e daí a depressão que, tratada apenas com as drogas medicinais, não surte o efeito desejado e continua-se a sofrer, pelas causas já apontadas.

Focando o mesmo tema, Ermance Dufaux, no livro de sua autoria “Reforma Íntima sem Martírio”, psicografia de Wanderley S. de Oliveira, nos ensina: “Considerando o egoísmo como o hábito de ter nossos caprichos pessoais atendidos, a contrariedade é o preço que pagamos pelo esbanjamento do interesse individualista em milênios afora, mas igualmente, é o sentimento que nos fará refletir na necessidade de mudança em busca de uma postura ajustada com as Leis naturais da Vida”.

O Espiritismo é, portanto, a doutrina que vem ao encontro da Humanidade para mostrar que a depressão não é um castigo de Deus, mas, sim, um alerta a ensinar-nos a compreender porque ainda vivemos, neste momento, aqui na Terra.

Alertados, tomamos conhecimento das nossas necessidades e, nos munindo do discernimento para separar o bem do mal e de muita boa vontade para as mudanças necessárias em nossos sentimentos íntimos, é que conseguiremos superar as causas apontadas pela ciência médica com o diagnóstico de depressão.


ÉDO MARIANI

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Reflexões sobre a Arte e o Espiritismo


A Arte pode contribuir com o Espiritismo de duas formas principais: a) como veículo de divulgação doutrinária, ou seja, na disseminação dos seus conceitos superiores, e b) como elemento de educação do Espírito imortal.

Em suma: a Arte espírita propõe colaborar com a construção moral do ser humano.

A educação moral do Espírito se dá, principalmente, no plano encarnado. Estudamos nossas deficiências na erraticidade, traçamos planos, e vimos aplicá-los aqui na Terra, segundo as necessidades de cada um.

Nossas maiores carências são morais, ou seja, temos poucas virtudes desenvolvidas. E os interesses materiais da vida física abafam ainda mais o seu desenvolvimento.

Nesse ponto, a Arte espírita pode ser muito útil dentro e fora do centro espírita. A criação artística é um ato de amor e liberdade. A criação artística espírita vai mais longe: é um ato de amor e liberdade responsável. O artista espírita tem o compromisso de melhorar o homem com a sua arte, e procura fazê-lo tocando a sua sensibilidade, adubando o seu coração, fermentando a sua inteligência, preparando-o para viver o futuro de fraternidade, onde o amor será a tônica das relações humanas.

A Arte espírita apela para o sentimento mais nobre, para a espiritualização do ser. Ora, como fazer Arte espírita hoje, em termos práticos, se o homem não quer se distanciar da materialidade e está longe das aspirações e esperanças quanto à vida espiritual superior, onde o belo é unanimidade? Como fazer Arte espírita desejável, se grande parte dos homens se identifica tanto ainda com as manifestações primitivas, tribais? São questões.

Apesar das imensas barreiras no meio social, o movimento espírita tem realizado grandes feitos. A Arte espírita está em construção. Seu conceito ainda reflete ideias individuais. Definitivamente, não podemos nos colocar na posição de juízes sobre o que é ou não é arte espírita. Mesmo porque a Arte é, em si, neutra, amoral. O artista é quem lhe dá características morais. Se o artista se disser espírita e não detiver conhecimentos suficientes sobre o Espiritismo, o que disser ou fizer em nome da Arte espírita estará sob suspeição.

Temos de considerar também, por outro lado, que o artista leigo que, com os olhos da alma vai além da matéria e penetra com sua Arte regiões inacessíveis ao vulgo, estará fazendo Arte espírita, sem o saber.

Como somos flagrantemente heterogêneos em todos os meios em que convivemos, é preciso compreender as limitações de entendimento artístico de cada um e, procurando criar projetos dentro de critérios equilibrados, contemplar a todos, atingindo corações e mentes, não só para a alegria da alma, mas para a elevação do espírito.

Se de um lado, não é conveniente ao artista espírita fugir das definições coerentes com aquilo que pretende divulgar, no caso o Espiritismo, por outro, não será produtivo, principalmente nos dias atuais, seguir roteiro intransigente que faça afastar o público ao invés de atraí-lo, perdendo o trabalho a sua finalidade. Seja na música, na literatura, no teatro, no cinema ou em qualquer outra manifestação artística, a inteligência e o bom senso devem orientar o artista espírita no sentido de passar às pessoas a ideia construtiva, o pensamento edificante, o conceito renovador, de uma forma correta, doutrinariamente falando, mas também eficiente. Assim, a Arte espírita ganhará sempre mais simpatizantes se, além de seu elevado conteúdo, for transmitida com métodos modernos de apresentação.

CLÁUDIO BUENO DA SILVA

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O Passe


Fundamentos, técnicas e objetivos


A cada dia, a Ciência humana revela que os minerais, os vegetais e os animais constituem fontes inestimáveis de substâncias medicamentosas, fornecendo recursos apreciáveis para a restauração e manutenção da vida e da saúde dos seres vivos, notadamente dos seres humanos.

Por isso, a questão fundamental que se apresenta à reflexão e apreciação é a seguinte: e os seres humanos? Não possuem na sua constituição físico-espiritual recursos naturais que possam, também, ser aplicados na restauração e manutenção da vida, da saúde e do bem-estar do seu semelhante?

Com os avanços da Ciência, verificamos cada vez mais que as substâncias do corpo humano vêm sendo empregadas pela Medicina, por meio da transfusão de sangue e, mais recentemente, pela realização de transplantes de órgãos, na bem-sucedida restauração e manutenção da vida e da saúde do homem.

Todavia, a História da Humanidade atesta que os recursos, que os seres humanos possuem em si mesmos, vão além daqueles extraídos da sua constituição física, comprovados por resultados irrefutáveis, destacando-se principalmente aqueles realizados por Jesus Cristo e relatados fartamente nos evangelhos, os quais foram popularizados pelo termo milagres.

Foram dezenas de curas que beneficiaram cegos, surdos, mudos, leprosos, portadores de deficiências físicas, de perturbações espirituais e outras enfermidades que, se não fosse sua providencial intervenção, por certo teriam alguns permanecido enfermos e até mesmo desencarnado imediatamente.

De acordo com os vários relatos bíblicos, Jesus era uma fonte extraordinária de recursos físico-espirituais que lhe permitiam curar por diversas técnicas como uma palavra, um toque ou um simples olhar, quando era tocado mesmo que fossem em suas vestes e, principalmente, pela imposição de mãos.

Uma indagação relevante que se deve fazer é se nós, os seres humanos ainda imperfeitos, possuímos os recursos para executar obras semelhantes àquelas levadas a efeito por Jesus Cristo.

Essa resposta o próprio Jesus, antevendo a nossa enorme dificuldade, nos antecipou conforme registro feito pelo evangelista João (14:12-13), nos seguintes termos:

Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas: porque vou para junto do meu Pai.
E tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho.

Por certo que argumentos contrários e até bem fundamentados, sob a ótica meramente humana, existem, mas entre a visão limitada dos homens e a palavra iluminada do Cristo, que sedimenta nossa fé, ficaremos com Ele, sem a menor sombra de dúvida.

O Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, não deixou lacuna sobre esse magno assunto e na questão 556, de O Livro dos Espíritos, indaga ao Espírito da Verdade: Algumas pessoas têm realmente o dom de curar pelo simples contato?

Eis a resposta:

O poder magnético pode chegar até aí, quando secundado pela pureza dos sentimentos e pelo desejo ardente de fazer o bem, porque então os Espíritos bons vêm em seu auxílio. Mas é preciso desconfiar da maneira como as coisas são contadas por pessoas muito crédulas ou muito entusiasmadas, sempre dispostas a ver o maravilhoso nas coisas mais simples e mais naturais. Também se deve desconfiar dos relatos interesseiros, por parte de pessoas que exploram a credulidade em benefício próprio. (Destaques nossos.)

O próprio Allan Kardec ao final das questões 68 a 70, da obra citada, no capítulo que trata do “Princípio vital”, exara suas sábias e inspiradas considerações, afirmando o que se segue nos últimos três parágrafos:

A quantidade de fluido vital não é absoluta em todos os seres orgânicos. Varia segundo as espécies e não é constante no mesmo indivíduo, nem nos demais indivíduos da mesma espécie. Há os que estão, a bem dizer, saturados de fluido vital, enquanto outros o possuem apenas em quantidade suficiente. Daí, para alguns, vida mais ativa, mais tenaz e, de certo modo, superabundante.

A quantidade de fluido vital se esgota. Pode tornar-se insuficiente para a manutenção da vida, se não se renovar pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm.

O fluido vital se transmite de um indivíduo a outro. Aquele que o tiver em maior quantidade pode dá-lo a quem o tenha de menos e em certos casos prolongar a vida prestes a extinguir-se. (Destaques nossos.)

De acordo com o ensino dos Espíritos, o fluido vital é uma substância existente na Natureza que, absorvido pelos corpos orgânicos, gera um terceiro elemento, que constitui a vida orgânica. Quando o corpo orgânico perde a capacidade de absorver esse fluido vital, a consequência natural é a morte.

O passe foi intensamente praticado por Jesus Cristo, durante o exercício de sua incomparável missão aqui na Terra, pela simples imposição de mãos, o que se pode entender sem nenhuma dificuldade, por meio de uma interpretação meramente literal do registro feito pelo evangelista Mateus (19:13):

Foram-lhe, então, apresentadas algumas criancinhas para que pusesse as mãos sobre elas e orasse por elas.

Essa narrativa de Mateus, portanto, descreve com toda a sua pureza, simplicidade, extensão e profundidade, o conceito de passe, cuja prática foi abolida pelas religiões cristãs, mas em boa hora resgatada pela Doutrina Espírita, por ser um dos principais instrumentos da prática do amor ao próximo, exteriorizando os princípios da compaixão, da misericórdia, da fraternidade e da solidariedade, enfeixados na prática da mais cristalina caridade.

Os encarnados muito têm escrito a respeito do passe, apresentando inúmeras técnicas e movimentos, tornando essa atividade extremamente complexa, a exigir considerável conhecimento de anatomia e de magnetismo e, sobretudo, capacidade de penetração mental capaz de levar o médium a realizar uma espécie de diagnóstico, nos mínimos detalhes, das enfermidades da pessoa assistida, até mesmo identificar os órgãos diretamente afetados.

O Espírito Emmanuel, mentor espiritual do médium Francisco Cândido Xavier, quando indagado a esse respeito, na obra O Consolador, questão 99, elucida o tema com a sua peculiar e magistral simplicidade, ou seja:

Como deve ser recebido e dado o passe?

– O passe poderá obedecer à fórmula que forneça maior porcentagem de confiança, não só a quem o dá, como a quem o recebe. Devemos esclarecer, todavia, que o passe é a transmissão de uma força psíquica e espiritual, dispensando qualquer contato físico na sua aplicação.

Observa-se que o Mentor Espiritual caridosa e sabiamente não quis polemizar o assunto remetendo à técnica que ofereça maior grau de confiança tanto a quem aplica o passe como a quem o recebe, tendo em vista que o elemento mais importante na aplicação do passe é exatamente a fé, movimentada pela vontade firme de quem o aplica e por aquele que o recebe, conjugada com a pureza de sentimentos.

Em segundo lugar esclarece que o passe se realiza pela transmissão de força psíquica do médium, combinada com as energias oriundas da Espiritualidade Superior, dispensando, em qualquer circunstância, o toque físico.

A força psíquica e espiritual é denominada pelos Espíritos de fluido misto, por conter substâncias fluídicas do médium unidas às substâncias espirituais, provenientes dos Espíritos, os quais são, efetivamente, os químicos que elaboram as substâncias medicamentosas adequadas a cada pessoa assistida, segundo suas necessidades.

Esse fluido misto ou força psíquica e espiritual tem a capacidade de penetração no corpo das pessoas como a água penetra no seio da terra, promovendo a umidade e, consequentemente, a vida em suas múltiplas expressões.

Alguém pode, com razão, objetar que Jesus Cristo utilizou-se várias vezes do toque, contrapondo à orientação do Espírito Emmanuel.

É verdade! Contudo, devemos lembrar que Jesus ensinou e praticou sua mensagem em consonância com o tempo, as condições e, principalmente, as necessidades do povo da época, a fim de se fazer entendido.

O toque era uma necessidade das pessoas por Ele atendidas e não um fundamento indispensável ao fenômeno, tanto que nem todas tiveram essa necessidade, posto que foram realizadas curas até mesmo a distância, conforme relatado com a maior clareza pelo evangelista Mateus (8:5-13), quando deixa absolutamente esclarecido que foi a inabalável fé do centurião que propiciou a cura de seu servo sem que fosse necessário Jesus se deslocar até sua casa.

Além disso, não se pode esquecer que a obra de Deus obedece a critérios superiores dos seus desígnios como a justiça, o amor e o bem, fundamentos que regem os fenômenos gerais da Natureza, nas mínimas circunstâncias, de sorte que a eficácia de uma cura não ocorre à revelia desses princípios maiores, oriundos do seu absoluto poder, da sua inteligência suprema e do seu inesgotável amor. Nem sempre a cura de uma enfermidade, em determinado momento, é o melhor que pode acontecer a alguém. É necessário compreender que as enfermidades não constituem castigo, descuido e muito menos vingança de Deus, mas um processo natural de aprendizado, terapia e reajustamento do Espírito imortal, sob o absoluto controle da justiça, do amor e do bem, com vistas ao cumprimento da Lei de Causa e Efeito.

No que concerne à frequência e ao tempo que uma pessoa pode permanecer recebendo o passe, deve ficar por conta do livre-arbítrio e do sentimento de necessidade de quem o recebe, sem o menor constrangimento, uma vez que um dos objetivos do passe é proporcionar bem-estar à pessoa pela revitalização fluídica e, neste caso, funciona como os remédios com recomendações médicas dos horários e em caráter permanente ou não, o que não impede que as pessoas sejam caridosamente esclarecidas de que o passe, assim como todo medicamento, deve obedecer ao princípio da real necessidade. Não tendo, porém, o menor fundamento a crença de que o passe em excesso fará mal a quem o recebe. Isso, com todo respeito, não seria passe.

É extremamente importante que o médium se liberte dos preconceitos geradores das censuras, visto que esse sentimento de reprovação, naturalmente, elimina no médium, naquele momento, a pureza de sentimentos, sem a qual suas energias se tornam impróprias para a finalidade dessa nobilíssima tarefa: o passe.

Como exemplo, citamos a narrativa do evangelista Marcos (10:13 a 16):

Apresentaram-lhe então crianças para que as tocasse; mas os discípulos repreendiam os que as apresentavam. Jesus, porém, vendo isso, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais; porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham.

Em verdade vos digo, todo o que não receber o Reino de Deus como uma criança, nele não entrará.

Em seguida, Ele as abraçou e as abençoou, impondo-lhes as mãos. (Destaques nossos.)

Por certo que os discípulos, naquele momento, pelo sentimento de reprovação à atitude das crianças, não estavam em condições de aplicar-lhes o passe.

Portanto, o passe é uma transfusão de energias fluídicas, constituídas da combinação de substâncias humanas e espirituais, transmissíveis de um ser humano a outro, sob o extraordinário poder da fé, por meio da prece e a imposição de mãos, com o objetivo de repor e restaurar o fluido vital de quem o recebe, podendo promover até a cura de certas enfermidades, condicionada, porém, aos princípios da justiça, do amor e da bondade de Deus.


Revista Reformador, ed.08/2016


REFERÊNCIAS:

KARDEC. Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 2.imp. Brasília: FEB, 2014.
XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 3. imp.Brasília: FEB, 2016.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A Responsabilidade de ser Médium


Um bom médium é a soma de uma mediunidade mais desenvolvida e de disciplina, trabalho árduo, abnegação e amor ao próximo.

Além da mediunidade, o que é preciso para vir a ser um bom médium?

ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA

É fundamental. Existem médiuns que trabalham mesmo sem estudos?

Sim. Porém, não atenderão com tanta facilidade à Espiritualidade Superior, porque ela procura médiuns bem preparados e com conhecimento para que possam trabalhar com eles e transmitam suas mensagens mais facilmente.

Também a falta de estudo deixa o médium exposto à espiritualidade inferior e até a um desgaste maior em relação à sua própria saúde.

REFORMA ÍNTIMA

Qualquer Espírita, mas principalmente o médium, precisa trabalhar a sua reforma íntima. Mudar seus hábitos diários, ter força para enfrentar as recaídas e a sabedoria e perseverança para recomeçar. Aqui faço um parêntesis para dizer o quanto é valiosa a leitura diária d’O Evangelho segundo o Espiritismo.

A reforma íntima auxilia no controle dos pensamentos. Se estes forem elevados, Espíritos bons se aproximam harmonizados no mesmo diapasão espiritual.

RESPEITO À ESPIRITUALIDADE E A SI MESMO

O Médium deve encarar o seu trabalho com profundo respeito, como algo sagrado e elevado.

Deve ter respeito por si mesmo, pela Espiritualidade, e pelo Centro onde opera. Mas, principalmente, deve respeitar e tratar carinhosa e amorosamente quem o procura para ajuda e alívio de suas dores físicas, emocionais e morais.

EQUILÍBRIO

O Médium sabe que está sujeito a críticas devastadoras, que o rasgam por dentro. Um ditado inglês diz “Sábio é o que tem menos expectativas em relação às pessoas e se apoia só em Deus”. O equilíbrio é fundamental para o bom exercício da mediunidade. O Médium precisa lembrar que ele trabalha para Deus e para a Espiritualidade.

ÉTICA

O bom médium deve ser ético por excelência. Cuidar das mensagens recebidas, e a forma como deverão ser transmitidas aos seus irmãos, também no sigilo total quando um irmão lhe expõe problemas íntimos e particulares (principalmente o médium de cura), no respeito por todos, não importando o seu credo. A missão do Médium é a de atender e de fazer o bem sem olhar a quem.

CONSTÂNCIA NO TRABALHO E PONTUALIDADE

Quem quer ser um bom Médium deve e precisa ser pontual nas suas obrigações e assíduo no seu trabalho. A Espiritualidade dentro de uma Casa Espírita se prepara para trabalhar em determinada área e conta com a usual equipe de médiuns. Se o Médium não comparece, causa problemas para si, para a equipe com que trabalha e a equipe dos desencarnados que ali está de prontidão. Além disso, desrespeita quem vai procurar ajuda num Centro.

PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO

Todos os Médiuns precisam preparar-se para qualquer trabalho espiritual.

Em dia de trabalho, em especial, a alimentação deve ser mais leve, e evitadas discussões, sexo, e quaisquer vícios que possam bloquear o cultivo de pensamentos elevados.

AMOR AO PRÓXIMO E PRÁTICA DE CARIDADE

O Espírita, Médium ou não, sabe que deve pautar sua vida pelo amor ao próximo e a prática da caridade, dois pilares que sustentam sua evolução espiritual.

Caridade é compreender e respeitar o próximo, é estender a mão quando é preciso, mas saber também retirá-la na hora certa para não invadir a privacidade alheia. Praticar a caridade é ser amoroso, porém sabendo colocar limites em si mesmo e nos outros.

SER HUMILDE

Muitos Espíritas pensam que ser humilde é se anular por completo, é ser submisso e subserviente – o falso “bonzinho”, que por fora “é um doce”, mas por dentro critica, julga, de coração empedernido - enfim, uma farsa.

Lembremos o Mestre Jesus: foi o mais humilde dos humildes, mas a sua força, os seus ensinamentos, a sua grandiosidade espiritual perduram fortes e firmes até hoje. Ele colocou os seus ensinamentos com muita firmeza e nunca recuou, mesmo quando violentamente ofendido, agredido e crucificado.

CONCLUINDO

Se você quer ser um bom Médium, saiba que será sempre duramente testado e submetido a provas. Porém, seja do BEM e trabalhe para o BEM! A sensação de realização espiritual é algo maravilhoso, divino. E uma sugestão muito pessoal, se me permitem: seja mais criança, menos adulto, abra o seu coração sem medos e o AMOR PURO será derramado profusamente como pétalas de rosas sobre seus irmãos e sobre si mesmo.

ELENI FRANGATOS

sábado, 20 de agosto de 2016

Positividade e Espiritismo: Devassando os Liames


Os tempos modernos são marcados por profundos paradoxos. Historiadores do futuro devotados ao estudo desta época provavelmente se admirarão do fato de termos disposto de tantos recursos e ferramentas e não termos conseguido alcançar um estado geral de bem-estar e felicidade mais celeremente. Seja como for, esse estado de coisas retrata a atualidade em razão da profusão de emoções e acontecimentos negativos que afetam dramaticamente as vidas humanas.

Embora tenhamos todas as condições para viver uma existência plena, realizadora ou pelo menos satisfatória, os fenômenos que permeiam as nossas vidas são tão adversos e intensos, que as alegrias, de modo geral, se desvanecem rapidamente. Evidente que há aí também presentes inquestionáveis injunções cármicas individuais e coletivas. Mesmo assim, é notória a percepção de estados e sentimentos negativos praticamente onipresentes em todas as esferas da vida, embora eles tendam, muitas vezes, a ser superdimensionados.

Com efeito, o negativo, o lamentável, o insatisfatório, o inadequado, o incompleto e o inoperante, como estâncias de avaliação, recebem acentuada preferência nos dias atuais. Em outras palavras, para onde quer que se olhe emerge a sensação de incompletude ou deficiência. Mas como a nossa condição evolutiva não nos permite – pelo menos por ora – desfrutar de experiências mais saudáveis, sobra-nos o impositivo de avançar ainda que sob o peso das enormes dificuldades e dissabores existenciais.

Nesse sentido, a utilização dos estados mentais calcados na positividade, por exemplo, têm sido advogados – particularmente pelos pesquisadores ligados à psicologia positiva – como capazes de acionar indispensáveis recursos intrínsecos para o enfrentamento do quadro delineado. Nesse texto, pretendemos discorrer sobre o tema buscando descortinar as suas potencialidades.

Por que a positividade torna-se indispensável?


Diante do exposto, parece-nos que o cultivo de emoções ou percepções negativas não pode absolutamente ajudar os indivíduos a vislumbrar os caminhos e as saídas apropriadas para as situações conflituosas vivenciadas. Elas fazem parte, aliás, de um contexto mais amplo de transição planetária – e as evidências assim o demonstram – subordinado a dinâmicas muito específicas. Cumpre ressaltar que o pensamento globalizante interfere no funcionamento das nações, sociedades e instituições de maneira vigorosa.

A interligação está presente em tudo e o fluxo de capitais, informações e recursos é extremamente ágil. Desse modo, os efeitos dos eventos e ações são rapidamente percebidos, embora com maior ou menor intensidade dependendo dos atores envolvidos e dos seus anteparos tais como solidez econômico-financeira, estruturas regulatórias, sistemas de segurança, eficiência gerencial, entre outras coisas. Talvez nada reflita melhor essa interligação do que o popular axioma: “quando uma borboleta bate as asas no Amazonas, produz uma onda no Japão!”

Posto isto, a própria instabilidade mundial, a constância das incertezas, a complexidade dos problemas, as concepções e criações doentias são geratrizes de grande perturbação e intranquilidade às pessoas. Por conseguinte, enxergar um amanhã viável e minimamente satisfatório torna-se um desafio ingente para a maior parte das pessoas. Segue daí a necessidade de mudar os quadros mentais, a natureza dos pensamentos e os instrumentos de enfrentamento à realidade a fim de não se sucumbir ao peso do exacerbado negativismo vigente. Em outras palavras, é preciso mudar a nossa disposição interior e o desenvolvimento de positividade pode ser altamente benéfico nessa hora de testemunhos.

Reforçando esse entendimento, o cientista social Stephen Fineman1 sugere que a positividade assume a premissa de que os seres humanos possuem o íntimo desejo de se autorrealizarem de modo a expressarem plenamente as suas capacidades. Positividade é essencialmente descrita como a adoção de um caminho otimista para o alcance de resultados igualmente otimistas. Para Fineman ainda, positividade proporciona uma visão atraente do lado bom do self e, a partir disso, inspira-o a atingir fins moralmente bem definidos que incorporem os sentimentos e as necessidades dos outros.

A positividade é particularmente atrativa para as pessoas desencantadas com o avassalador materialismo que atinge as economias mais avançadas do planeta, assim como os locais de trabalho onde há falta de compaixão e sensibilidade. Assim sendo, a possibilidade de mudança inspirada pela erupção do potencial positivo que se já encontra dentro de nós é indicador de futuro promissor.2

Já a renomada pesquisadora internacional Barbara L. Fredrickson3 considera que a noção de positividade chega a ser pálida quando contrastada com a de negatividade. No entanto, ela sustenta que a positividade alcança níveis mais profundos da personalidade consistindo em uma série de emoções positivas tais como apreciação, amor, divertimento, alegria, esperança e gratidão. Positividade não apenas altera os conteúdos mentais do indivíduo substituindo os maus pensamentos pelos bons, mas também tem o poder de mudar o alcance e as fronteiras da mente.

Fredrickson argumenta que enquanto a negatividade pode elevar a pressão sanguínea, a positividade pode normalizá-la como um mecanismo de ajuste.4 Outros benefícios são divisados pela autora tais como a recuperação de adversidades, interação com os outros, a transmutação para uma versão melhor de nós mesmos e a obtenção de um sono reparador.5

No geral, a positividade prevalece onde as emoções positivas tais como amor, alegria, gratidão, serenidade, interesse e a inspiração tocam e sensibilizam o coração. É importante salientar que a positividade também diminui, pois, se assim não fosse, teríamos dificuldades de discernir as boas notícias das desagradáveis ou um convite de um insulto.6

Independente desse aspecto há o entendimento de que a positividade nos abre para maiores realizações do coração e da mente e nos torna mais receptivos e criativos. Enquanto a negatividade e a neutralidade restringem a nossa experiência corpórea, a positividade produz um efeito contrário.7

De modo geral, a positividade nos transforma para melhor. Fredrickson pondera que ao abrirmos as nossas mentes e corações, as emoções positivas nos proporcionam descobrir e desenvolver novas habilidades, relacionamentos, conhecimento e novas formas de ser.8 Acredita-se também que a positividade ativa completamente o nosso senso de humanidade, conectando-nos com o dos outros e com os grandes mistérios da vida.9

Mais ainda, positividade pode ajudar o indivíduo a crescer psicologicamente, mentalmente, socialmente e fisicamente. É óbvio que os nossos hábitos podem favorecer a acumulação de negatividade ou de positividade. No entanto, as pessoas que optam pela segunda alternativa se tornam mais otimistas, resilientes, abertas, tolerantes e voltadas para um propósito. Fundamentalmente, uma pessoa pautada pela positividade nas atitudes energiza todos aqueles ao seu redor. Ao compartilhar nossa positividade com os outros – seja por meio de uma risada, gentileza ou um sincero sorriso – se transmite ao interlocutor um pensamento construtivo e agregador.10 No geral, o cultivo da positividade é altamente benéfico para a nossa saúde e equilíbrio interior.

Por fim, outros autores admitem que não obstante o poder do pensamento positivo já ser reconhecido por muitos, ainda não alcançou o ponto onde nós possamos verdadeiramente acreditar que “nós criamos as nossas próprias realidades com os nossos pensamentos e antecipatórias imagens. Nós podemos escolher evoluir a nossa consciência. Isso é uma profunda mudança a de sermos vítimas ou recipientes passivos das forças externas para termos domínio sobre as nossas vidas. Pelo uso da palavra ‘dominação’, nós não queremos dizer ‘exercer o poder sobre os outros’ ou ‘controlar os outros’. É a respeito de ter responsabilidade pelos nossos pensamentos, sabendo que os nossos pensamentos e ações criam o mundo que escolhemos”.11

O que o Espiritismo revela nessa área


Convergindo com as descobertas da ciência nessa área, o Espiritismo, a seu turno, avança ainda mais ao prever o futuro radioso do indivíduo, independente das mazelas e adversidades que momentaneamente o subjugam. A propósito, lembra o Espírito Joanna de Ângelis que “O Espiritismo ... doutrina profundamente positivista, fundamentada nas experiências psicológicas e transpessoais da imortalidade do ser, do seu triunfo sobre a morte, da multiplicidade das existências, respondendo pelo conhecimento arquivado no inconsciente coletivo, oferece as certezas para o avanço do ser que se é, sem dúvida o verdadeiro imago Dei, no rumo de Deus”.12

A questão do pensamento – particularmente o seu foco – tem sido amplamente abordada pelos mentores espirituais. O Espírito Miramez, por exemplo, esclarece que “O homem está em sintonia com o mundo de modo coerente com a qualidade do seu pensamento”.13 Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Espírito Joanna de Ângelis enfatiza que “... cada qual vive no mundo edificado pelo seu pensamento”.14

O Espírito Miramez esclarece também que pelo que pensamos atraímos determinadas companhias. O mentor espiritual ainda pondera que a qualidade de tudo o que nos absorve visual ou auditivamente, bem como as nossas companhias e vivências determinarão a nossa faixa de sintonia.15

Nesse sentido, acrescenta sabiamente o Espírito Joanna de Ângelis que “Quando a mente está voltada para os significativos labores de elevação moral, social, espiritual, artística ou de qualquer outro tipo, as expressões do sofrimento perdem a preponderância na emoção e, naturalmente, deixam de influenciar o comportamento.

Dessa forma, a melhor maneira de superar o sofrimento e conquistar a felicidade é trabalhando-o, aceitando-o, ultrapassando-lhe os limites e as imposições. Em assim comportando-se, o sofrimento se transforma num dínamo gerador de energia que se desenvolve e produz recursos para a individuação”.16

Conclusão


Vê-se, portanto, que a mudança de atitude mental do indivíduo é indispensável para o afastamento dos quadros negativos, dos empecilhos ou dos aspectos cerceadores que lhe constrangem a vida e visualizar saídas benéficas. Concluindo os seus argumentos, Joanna de Ângelis ensina que “Tudo, portanto, encontra-se dentro da pauta do querer corretamente (e a polaridade positiva do pensamento é vital nesse particular, acrescentamos), a fim de conseguir-se retamente.

Pensando-se com equidade e justiça, agindo-se com bondade e compaixão, vivendo-se com esperança e alegria, a iluminação dá-se natural, ampliando a capacidade no Self para gerar o estado numinoso permanente”.17

Por último, cabe acrescentar que a positividade – apêndice salutar da psicologia positiva – e o Espiritismo têm muitas similitudes propositivas que podem equipar as criaturas humanas ao enfrentamento saudável da vida e as suas nuances.


ANSELMO FERREIRA VASCONCELOS


REFERÊNCIAS:

1. FINEMAN, S. On being positive: Concerns and counterpoints. Academy of Management Review, Vol. 31, No. 2, p. 272, 2006.
2. ______.______. p. 273.
3. FREDRICKSON, B.L. Positivity: groundbreaking research reveals how to embrace the hidden strength of positive emotions, overcome negative, and thrive. New York: Crown Publishers, 2009, p. 6.
4. ______.______. p. 10.
5. ______.______. p. 12.
6. ______.______. p. 16.
7. ______.______. p. 23.
8. ______.______. p. 24.
9. ______.______. p. 73.
10. ______.______. p. 91.
11. KRAHNKE, K.; COOPERRIDER, D. Appreciative inquiry: Inquiring new questions and dreaming new dreams. In BIBERMAN, J.; TISCHLER, L. (Eds.) Spirituality in Business: Theory, Practice, and Future Directions. New York, NY: Palgrave Macmillan, 2008, p. 23.
12. FRANCO, D.P. (Pelo Espírito Joanna de Ângelis). Em busca da verdade. Salvador: Livraria Espírita Alvorada Editora, 2009, p. 136.
13. ANTUNES, S. (Pelo Espírito Miramez). A força do pensamento. 2ª edição. Belo Horizonte: Fonte Viva, 2005, p. 39.
14. FRANCO, D.P. (Pelo Espírito Joanna de Ângelis). Atitudes renovadas. Salvador: Livraria Espírita Alvorada Editora, 2009, p. 31.
15. ANTUNES, S. (Pelo Espírito Miramez). A força do pensamento. 2ª edição. Belo Horizonte: Fonte Viva, 2005, p. 39.
16. FRANCO, D.P. (Pelo Espírito Joanna de Ângelis). Em busca da verdade. Salvador: Livraria Espírita Alvorada Editora, 2009, p. 234.
17. ______.______. p. 235.
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