domingo, 22 de maio de 2016

Joanna e Divaldo


No dia 5 de dezembro de 1945, eu a vi por primeira vez.

A minha memória guardou a data, porque foi um momento de muita significação e importância na minha atual existência.

Não a vi com as características de religiosa com que ela se vem apresentando nos últimos trinta anos, mas vi uma claridade muito grande, próxima de mim e uma voz muito meiga que me disse:

— Eu tenho a tarefa de caminhar contigo na atual existência corporal e envidarei todos os esforços para que a nossa tarefa se coroe de êxito. Não te prometo as regalias nem as comodidades que, às vezes, entorpecem os sentidos e aniquilam os ideais. Não esperes de mim aquilo que o mundo pode dar e que tu conseguirás com teu próprio esforço, mas eu te afianço ser necessário que, na tua fidelidade à palavra do Senhor, contes com a minha presença de amiga na razão direta em que eu possa contar contigo nas necessidades do nosso programa.

Isto se deu na residência de uma família amiga, onde o grupo se encontrava semanalmente, todas as terças-feiras em um quarto modesto, num porão. É muito significativo constatar a similitude de acontecimentos.

Por uma curiosa "coincidência" esteve ontem e talvez esteja hoje, à noite, na palestra, o irmão da pessoa que nos franqueava a sua casa para as nossas reuniões — o senhor Ederlindo Sá Roriz. Era na residência de sua irmã Eunice, que nós nos reuníamos para tentarmos os primeiros passos, àquele tempo, no exercício de mediunidade, porque nós não tínhamos a menor ideia do que era o Espiritismo.

Portanto, naquela noite de 5 de dezembro apareceu-nos esse ser espiritual e se comprometeu a ajudar-nos.

A partir daquela época a nossa vida passou a ter uma diretriz e um significado de bom direcionamento, porquanto eu passei a senti-la e vê-la quase diariamente. Nestes quarenta e dois anos * que nos separam daquela oportunidade, essa Entidade, a princípio anônima, constituiu-nos um farol aceso lutando contra a ventania.

Ainda me recordo que, naquela mesma noite, eu perguntei:

— Como é o seu nome?

— Chama-me "um Espírito Amigo".

Eu fiquei algo frustrado, porque tinha muita preocupação com os nomes, mas o "Espírito Amigo" me atendeu, de certo modo, a necessidade.

Passaram-se os anos e aquele "Espírito Amigo" continuava a estar comigo.

No ano de 1949 eu conheci o médium Francisco Cândido Xavier. Fui seu hóspede em Pedro Leopoldo. Já tinha alguma noção de Doutrina Espírita, já havia lido O Livro dos Espíritos, estava estudando-o. Já havia lido alguns romances Eleonora, Vítimas do Preconceito, A Vingança do Judeu, que eram os romances da época, e então, ao estar na casa de Chico Xavier, não pude sopitar a minha curiosidade de fazer-lhe uma pergunta, logo ao amanhecer do dia imediato.

Quando despertamos e antes que ele fosse trabalhar na "Fazenda Modelo", do Ministério da Agricultura, onde era datilografo, eu lhe perguntei:

— Chico, você, com essa visão transcendental, viu quem é o meu guia? (Porque, à época, havia uma mentalidade guiista. Todo mundo queria ter um guia e eu também, que era filho de Deus).

E o Chico, com a mineirice dele, disse:

— Divaldo, que coisa, eu vi, mas não sei quem é.

Foi o mesmo que não ter visto, pois ficamos como estávamos.

Ao largo dos anos as pessoas sempre me perguntavam:

— Mas, Divaldo, quero lhe fazer uma pergunta: Quem é o seu guia? (Era o meu ponto nevrálgico).

— Eu não sei, não posso dizer quem é, pois eu não sei.

Certa vez, uma senhora insistiu tanto neste assunto, o do nome do guia, que resolvi conversar seriamente com o "Espirito Amigo". Quando me apareceu eu me queixei, dizendo que estava muito desgostoso, pois todos sabiam quem era o seu guia, menos eu.

— Por favor — insisti — me dê um nome, você há de ter tido qualquer nome na Terra.

Pois as pessoas me perguntam e eu respondo: "Um Espírito Amigo"...

O Espírito sorriu, e respondeu:

— Divaldo, eu vou dizer: o teu Guia é Jesus.

— Ê, mas Ele é o guia de todo mundo, da Humanidade inteira. Eu vou pegar uma beiradinha de nada. Eu quero um guia para mim; Jesus eu já sei que o é, mas todos informam: Fulano é o meu guia. Eu queria ter um para mim.

O Espírito sorriu outra vez, jovialmente e falou:

— Bem, tu me chamarás Joanna.

Tive uma pequena decepção, achei o nome tão simples...

— Mas, só Joanna?

— Olha, Divaldo, chama-me Joanna de Angelis.

Quando ouvi o nome latino fiquei mais satisfeito.

— Quer dizer que a senhora, na última encarnação, foi mulher?

— Sim, eu fui mulher. Eu fui Abadessa do Convento da Lapa, aqui, em Salvador, e que deu a vida nas lutas da Independência da comunidade brasileira. Tu sabes quem foi a Abadessa Joana Angélica de Jesus.

Finalmente o meu desejo fora atendido, porém, eu ainda queria algo mais.

— A senhora deixa-me ver o seu rosto, pois me aparece assim, tão anônima...

Ela então se materializou diante de mim, e eu a vi, com uma riqueza de detalhes talvez maior do que a que eu estou vendo nas pessoas agora.

Ela me apareceu luminosa, as mãos estendidas, o véu azul, e me deixou fixar a imagem.

Ela desencarnou, à época, com mais de sessenta anos, mas ela me apareceu com um esplendor que me fazia recordar uns quarenta anos de idade, uma beleza e uma idade indimensional, aquela idade que está além do tempo e além do espaço.

Eu me comovi e me senti profundamente a ela vinculado, como se isto em mim, no momento, tivesse desabrochado. E perguntei-lhe:

— Por que a senhora não me disse antes?

— Tu eras muito imaturo. E a primeira lição de sabedoria que eu te queria dar, era a da paciência. Quem pretende servir a Jesus deve aprender com o tempo e disciplinar a vontade. A mediunidade é um ministério de autocontrole, de disciplina e de serviço. Se eu te anunciasse, por ocasião do teu começo, a respeito de nossas vinculações e te dissesse quem eu era, na tua ingenuidade e no teu entusiasmo baratearias muito estas informações. Agora, já és um homem, já tens uma visão mais cósmica da vida e assim já nos podemos entender muito mais.

— Ademais — prosseguiu Joanna — eu não confiava em ti, pois não tinhas essa maturidade que os anos oferecem e que o sofrimento imprime na personalidade. Não te poderia dar uma tarefa além das tuas forças, porque, de repente, a abandonavas... Quero dizer-te que, entre nós, os Espíritos responsáveis, uma tarefa passa a ter valor depois que os dez primeiros anos são vividos com abnegação. Porque até dez anos de atividades pode-se considerar um trabalho de entusiasmo, mas quem é fiel em dez anos de lutas, já merece uma promoção de responsabilidade. Agora já transcorreram mais de dez anos e estás em condições de saber.

(*) A narrativa foi feita no mês de setembro de 1987, no Centro Espírita Joanna de Angelis, em Juiz de Fora, MG. (Nota da Editora)


Texto extraído do livro O Semeador de Estrelas, de Suely Caldas Schubert

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