segunda-feira, 28 de março de 2016

O Evangelho segundo o Espiritismo e a Sustentabilidade



Há 150 anos, inestimável fonte de esclarecimento e consolação era disseminada na Terra, nas páginas vivas de O Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE). À Paris de 1864 era apresentada a obra proveniente dos espíritos, que Kardec sintetizava como a explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e sua aplicação às diversas circunstâncias da vida 1.

Por ocasião do sesquicentenário dessa obra de amor, vemos se alastrar pelo globo as manifestações de apreço a esse tesouro divino. As homenagens vêm acompanhadas das necessárias reflexões para os ajustes de conduta individuais, bem como o roteiro para o progresso da humanidade. A importância desse livro não será olvidada. Antes mesmo de sua publicação, Kardec obtinha manifestações do mundo espiritual, que acentuavam o caráter revolucionário dos textos em questão: “Esse livro de doutrina terá considerável influência, pois que explana questões capitais, e não só o mundo religioso encontrará nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes. (…)”2

E de fato temos nas letras de O Evangelho Segundo o Espiritismo o guia exato para a boa conduta, com instruções claras sobre como devemos agir com o próximo, perante a família e conosco mesmo, roteiro frente às adversidades e para os momentos de gratidão. E ainda mais, instrui a cada um de nós como proceder perante o planeta e todos os seres que o habitam.

Em singelo trabalho de estudo, esse breve ensaio procura apresentar os ensinamentos que o Evangelho Segundo o Espiritismo discorre sobre a sustentabilidade. Longe de ser um compêndio completo, o objetivo é apenas fornecer aos irmãos os insumos para a reflexão acerca do Evangelho e do meio ambiente, bem como evidenciar a atualidade da obra, “...roteiro infalível para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do véu que nos oculta a vida futura” 3 .

Alguns conceitos são importantes para a nossa reflexão. O meio ambiente, ou ambiente (por que não inteiro?), envolve todas as coisas vivas e não-vivas que existem na Terra, ou em alguma região dela, que afetam os ecossistemas e a vida dos seres humanos. É o conjunto de condições, leis, influências e infraestrutura de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas 4 . Já a Sustentabilidade tem diversos aspectos e variados conceitos são registrados na literatura. O Relatório Brundtland (1987), no documento “Nosso Futuro Comum” da Organização das Nações Unidas (ONU), define desenvolvimento sustentável como aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem a suas necessidades e aspirações 5 . Esse conceito é ampliado por Leonardo Boff quando ele afirma que a “sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução, e com evolução” 6 .

Tais conceitos estão espalhados por toda essa obra divina, e trazemos alguns de seus apontamentos para a nossa reflexão. Logo no primeiro capítulo do ESE, em “Não vim destruir a Lei”, o Espírito de Verdade elucida que todo o universo, físico e imaterial, está sujeito ao conjunto de leis harmônicas criadas por Deus sob a forma da “lei do progresso, a que a Natureza está submetida, que se cumpre, e o Espiritismo é a alavanca de que Deus se utiliza para fazer que a Humanidade avance”. Do mesmo modo que a Natureza é veículo em que se percebe com perfeição dos mecanismos das leis de Deus, temos ainda nesse capítulo a orientação do papel de cada ser humano frente à criação. A revolução moral é feita por cada um, “porquanto sois o grão de areia; mas, sem grãos de areia, não existiriam as montanhas. Assim, pois, que estas palavras – “Somos pequenos” – careçam para vós de significação. A cada um a sua missão, a cada um o seu trabalho. Não constrói a formiga o edifício de sua república e imperceptíveis animálculos não elevam continentes?”. É comum atribuirmos os problemas ambientais que nos cercam à má gestão, aos governantes, às indústrias, a determinados sistemas políticos ou econômicos. Entretanto Deus espera que sejamos nós os apóstolos da paz no nível em que nos encontramos, não importa quão pequeninos nos achamos ser.

É também ordinário encontrarmos o atrasado discurso que coloca os homens como o topo da criação, como uma elite orgânica mais capaz e que tem por direito receber do planeta e dos seres inferiores da criação tudo aquilo de que necessita para satisfazer as suas necessidades mais imediatas. Reflitamos juntos meus irmãos. A própria ciência nos adverte que todos os seres vivos existentes hoje no nosso planeta são igualmente bem sucedidos no processo de evolução das formas 7 , descrito por Darwin em A Origem da Espécies, e complementada pelos modernos estudos da genética na teoria sintética da evolução.

O segundo capítulo do ESE, “Meu Reino não é deste mundo”, reforça essa noção quando afirma que a “Humanidade, tanto quanto as estrelas do firmamento, perdem-se na imensidade. Percebe então que grandes e pequenos estão confundidos, como formigas sobre um montículo de terra”. Ainda mais interessante é quando reitera que está no espiritismo a cura para esse viés de pensamento, uma vez que “o Espiritismo dilata o pensamento e lhe rasga horizontes novos. Em vez dessa visão, acanhada e mesquinha (...) mostra que essa vida não passa de um elo no harmonioso e magnífico conjunto da obra do Criador. Mostra a solidariedade que conjuga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Faculta assim uma base e uma razão de ser à fraternidade universal (...) Esse conjunto, ao tempo do Cristo, os homens não o teriam podido compreender, motivo por que ele reservou para outros tempos o fazê-lo conhecido.

“ Não há como negar os fatos. Se quando da vinda da Boa Nova o Cristo nos falava por parábolas, apelando para as imagens à compreensão na nossa infância espiritual, a humanidade possui hoje a relativa madureza para perceber as coisas sob novo prisma. A fraternidade universal, que inclui sim todos os seres da criação, já não pode ser olvidada. Não há dúvida que um entendimento completo da Lei de Amor perpassa o respeito ao planeta e aos seres que nela habitam. Esse entendimento é também dilatado no terceiro capítulo, “Há Muitas Moradas na Casa de Meu Pai”, quando em seu item 19, da progressão dos mundos, os espíritos esclarecem que “Marcham assim, paralelamente, o progresso do homem, o dos animais, seus auxiliares, o dos vegetais e o da habitação, porquanto nada em a Natureza permanece estacionário. Quão grandiosa é essa ideia e digna da majestade do Criador! Quanto, ao contrário, é mesquinha e indigna do seu poder a que concentra a sua solicitude e a sua providência no imperceptível grão de areia, que é a Terra, e restringe a Humanidade aos poucos homens que a habitam!”.

E assim, como as criaturas progridem os planetas também avançam na sucessiva evolução dos muitos mundos. Fato curioso também se apresenta quando analisamos o futuro de nosso planeta. Não é raro escutarmos de compadres as corretas indicações sobre a transição planetária que o orbe atravessa, fazendo-se conhecer as boas novas de que o mundo de regeneração se aproxima. Valiosa reflexão se dá quando observamos que a transição se dará do ponto de vista moral. Assim como anunciou Jesus no sermão da montanha, “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a Terra.”8 , trecho explorado no ESE no Cap. IX – Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos. Os espíritos que estiverem aptos a vivenciar o mundo de regeneração herdarão a Terra com todas as mazelas que plantaram quando mundo de provas e expiações. Consequência do livre-arbítrio, conviveremos em uma sociedade mais justa, onde o mal não sobrepuja o bem, ao mesmo tempo em que lidamos com a escassez hídrica, a perda de biodiversidade, as alterações climáticas, o colapso do sistema elétrico e o acúmulo desenfreado de resíduos.

O esforço em nos tornarmos uma humanidade melhor deve obrigatoriamente se refletir no modo como tratamos e cuidamos da nossa casa planetária. Tal ilação deriva também de análise do Cap. XVI – Não se pode Servir a Deus e a Mamon, quando no item 7 os benfeitores espirituais explanam que “o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta. Cabe-lhe desobstruí-lo, saneá-lo, dispô-lo para receber um dia toda a população que a sua extensão comporta”.

Essencialmente, os débitos que acumulamos com a Natureza tem por princípios os desvios do orgulho e do egoísmo. O Cap. XXV – Buscai e Achareis torna esse ensinamento inteligível de modo inequívoco quando declara que “Deus conhece as nossas necessidades e a elas provê, como for necessário. O homem, porém, insaciável nos seus desejos, nem sempre sabe contentar-se com o que tem: o necessário não lhe basta; reclama o supérfluo. A Providência, então, o deixa entregue a si mesmo. Frequentemente, ele se torna infeliz por culpa sua e por haver desatendido à voz que por intermédio da consciência o advertia”. E complementa com a bela mensagem de que “ a Terra produzirá o suficiente para alimentar a todos os seus habitantes, quando os homens souberem administrar, segundo as leis de justiça, de caridade e de amor ao próximo, os bens que ela dá. Quando a fraternidade reinar entre os povos, como entre as províncias de um mesmo império, o momentâneo supérfluo de um suprirá a momentânea insuficiência do outro; e cada um terá o necessário. (...) A caridade e a fraternidade não se decretam em leis. Se uma e outra não estiverem no coração, o egoísmo aí sempre imperará. Cabe ao Espiritismo fazê-las penetrar nele.

” O Evangelho Segundo o Espiritismo é obra que dilata a mensagem exemplificada pelo Cristo, trazendo novos elementos que apelam à nossa razão. Logo em suas primeiras páginas podemos notar o caráter transformador dessa obra, que nos apela a expandir a mente e o coração ao ambiente físico e espiritual ao nosso redor. Fornece os insumos para entendermos o nosso planeta com olhos de homem novo. Quando Cristo conclama para que sigamos o maior mandamento “Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo”9 , temos no ESE a base para enxergamos o próximo não somente como os nossos irmãos em humanidade, mas como todos os seres da criação.

O espiritismo, em seu tríplice aspecto, elimina por terra a barreira entre a ciência e a religião. Ainda no Cap. I, o Espírito de Verdade afirma que “é toda uma revolução moral que se realiza neste momento, sob a ação dos Espíritos. Depois de elaborada durante mais de dezoito séculos, ela chega ao momento de eclosão, e marcará uma nova era da humanidade. São fáceis de prever as suas consequências: ela deve produzir inevitáveis modificações nas relações sociais, contra o que ninguém poderá opor-se, porque elas estão nos desígnios de Deus e são o resultado da lei do progresso, que é uma lei de Deus.”

É chegado o tempo de unificarmos os discursos espíritas aos discursos em favor do ambiente e da sustentabilidade. O ESE provê as orientações necessárias para que reflitamos sobre esse mister. Não há equilíbrio sem a fraternidade entre os reinos. Não há felicidade para a humanidade sem o equilíbrio do planeta. A Humanidade é sim portadora de especial responsabilidade, frente a evolução moral dos seres que habitam a Terra. É dever de cada um zelar por esta casa planetária que nos abriga e ampara. É imperioso esforçarmo-nos por erradicar o egoísmo para que os recursos planetários sejam utilizados com critério e equidade. Tudo isso, meus irmãos, passa por inadiável análise de nossas ações e de nossa responsabilidade perante o planeta, usando a solidariedade entre os homens e entre os reinos, como medida para o futuro.

(*) Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita do GEABL


Bibliografia

[1] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131e. Trad. Guillon Ribeiro. FEB: Rio de Janeiro.Folha de Rosto do ESE.
[2] KARDEC, Allan. Imitação do Evangelho. Ségur, 9 de agosto de 1863. In.:___. Obras póstumas . 39. ed. Rio de Janeiro:FEB, 2006.
[3] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131e. Trad. Guillon Ribeiro. FEB: Rio de Janeiro. Introdução. Item I.
[4]LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
[5] BRUNDTLAN, Comissão. “Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: o nosso futuro comum. Universidade de Oxford. Nova Iorque, 1987.
[6] BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é e o que não é. Editora Vozes, 2012.
[7] Darwin, Charles. A Origem das Espécies e a Seleção Natural. São Paulo: Hemus, 2003. 471 p. [8] Bíblia - Mateus 5:5. [9] Bíblia - Mateus 22:37-40.

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