sábado, 26 de março de 2016

Espiritismo e Ecologia (Entrevista com André Trigueiro)



Somos reencarnacionistas, portanto precisamos vez por outra nos perguntarmos como gostaríamos de encontrar a Terra em uma outra vida.

Em seu livro Espiritismo e Ecologia o jornalista e professor André Trigueiro, trabalhador da seara espírita, identifica os muitos pontos em comum que existem entre a Doutrina Espírita e a Ecologia.

Segundo Trigueiro, as afinidades são tantas que algumas obras espíritas poderiam perfeitamente embasar alguns postulados ecológicos.

O livro, que está em sua 2ª edição, é o primeiro da FEB (Federação Espírita Brasileira) editado inteiramente em papel reciclado, com o selo verde de certificação ambiental.

Nessa entrevista que o jornalista concedeu a O Trevo, fica ainda mais evidente a nossa responsabilidade como aprendizes, servidores e discípulos do Cristo, de trabalharmos cada vez mais pela preservação do nosso planeta. E, neste sentido, as reflexões que o livro nos traz e as respostas de Trigueiro às nossas perguntas, nos lembram que não basta deixarmos de praticar alguns hábitos nocivos ao meio ambiente: é preciso também nos perguntarmos o que mais podemos fazer para cuidar melhor do planeta que tem nos servido de berço evolutivo ao longo de tantas encarnações e, na sequencia, transformar essas reflexões em ações concretas.

O Trevo- Pela precipitação e intensidade dos acontecimentos fica sempre a sensação de que não há nada a fazer e de que o processo de destruição do planeta é irreversível. Ainda há tempo de mudarmos os rumos ou estamos falando “apenas” em retardar a inexorável devastação da Terra?

André Trigueiro - A Terra é um sistema em constante transformação desde seu aparecimento há mais de 4,5 bilhões de anos. O planeta já atravessou diversas glaciações, períodos de maior concentração de C02 na atmosfera e abalos sísmicos violentíssimos.

Entretanto, o aparecimento da espécie humana determinou novos gêneros de destruição que abalam a resiliência do planeta e o equilíbrio dos sistemas naturais. É importante esclarecer que não é o planeta que está em risco, mas a humanidade. Nós dependemos de água limpa, ar puro e solo fértil para prosseguirmos aqui. Se não formos sábios e cuidadosos no uso inteligente e sustentável desses recursos, pereceremos. Mas a Terra seguirá em frente, e basta que uma pequena colônia de bactérias resista para que a complexa “teia da vida” se reconfigure e restabeleça novamente um meio ambiente saudável em outros bilhões de anos.

A Doutrina Espírita informa que o planeta está em evolução e precisamos aprender que somos coresponsáveis pela vida no planeta. Há tempo para mudarmos de atitude, mas esse tempo está se esgotando.

O Trevo- Muitos alegam que as mudanças substanciais necessárias para reverter esse processo dependem de ações conjuntas dos governos das principais economias do planeta e não de mudanças individuais, que são irissórias quando comparadas com os danos causados pelos interesses econômicos das grandes corporações. Qual é a sua avaliação sobre este ponto de vista?

Trigueiro - A responsabilidade é de todos. Governos são constituídos por pessoas. Governos são eleitos por pessoas. Governos são pressionados por pessoas. Portanto, mesmo as grandes decisões políticas guardam relação direta com as ações individuais. Precisamos também considerar a “força do um”. Não é desprezível a contribuição de cada um de nós em favor do meio ambiente ou contra a natureza. Veja o exemplo do lixo. Estima-se que cada cidadão no Brasil produza em média 1,5 kg de lixo por dia nas grandes cidades. Como o brasileiro vive em média 74 anos, isso significa a fantástica geração de aproximadamente 40 toneladas de resíduos ao longo de uma única existência. A simples decisão de separar o material reciclável do lixo doméstico reduzirá em pelo menos 40% a geração desses resíduos, o que já seria algo bastante expressivo. O mesmo vale para o consumo racional de água, energia, combustíveis, etc. Somos reencarnacionistas, portanto precisamos vez por outra nos perguntarmos como gostaríamos de encontrar a Terra em uma outra vida. Quem ama, cuida.

O Trevo- É possível almejar a evolução espiritual sem mudarmos as nossas eventuais atitudes de desrespeito à natureza?

Trigueiro - Não. Desrespeitar a natureza é sinal de imaturidade espiritual. Todas as religiões preconizam a defesa da vida, portanto, por coerência, deveriam defender a sustentabilidade como princípio ético. Todas as religiões também se manifestam duramente contra o suicídio por entender o autoextermínio como um crime contra as leis de Deus. Quando atentamos contra o meio ambiente promovemos o ecocídio, ou seja, a destruição do sistema no qual estamos inseridos e do qual somos dependentes para viver. Quanto mais evoluída espiritualmente a criatura, maior a compreensão de como tudo no universo está interligado. O meio ambiente começa no meio da gente. Somos feitos dos mesmos elementos que constituem o planeta. Se depredamos o que está do lado de fora, sofremos os efeitos disso dentro de nós.

O Trevo- Como podem os servidores da causa do Evangelho e do Espiritismo transformarem o seu ideal em atitudes concretas de auxílio ao planeta?

Trigueiro - Consumindo menos, como recomenda expressamente o capítulo do Livro dos Espíritos que versa sobre a Lei de Conservação. O consumismo é uma das chagas abertas da humanidade. Precisamos também promover o uso inteligente de água e energia, reciclar o lixo, priorizar o transporte coletivo em detrimento do transporte individual (ou andar mais a pé, de bicicleta). Ler, estudar e buscar mais informações sobre a crise ambiental sem precedentes na História da humanidade são medidas igualmente importantes.

O Trevo- O Brasil está tendo seu papel valorizado no contexto mundial. O que podemos fazer para ajudar a humanidade neste momento de transição?

Trigueiro - Promover o uso sustentável dos recursos é tarefa inadiável, especialmente num país que é o detentor do maior estoque de água doce superficial (Bacia do rio Amazonas) ou subterrânea (aquífero Guarani), do maior estoque de biodiversidade e da maior área de solo fértil disponível. Somos uma potência ambiental, mas ainda não sabemos o que fazer com tanta riqueza. Além disso, enquanto país miscigenado, nos destacamos pela facilidade de harmonizar diferentes etnias e culturas, pela hospitalidade do povo, pela fraternidade dos brasileiros e pela espiritualidade que emerge com força em todas as regiões. O Brasil possui todas as condições de sinalizar rumo e perspectiva para os demais países do mundo. Mas é preciso trabalhar muito para que isso aconteça de fato.


André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ onde hoje leciona a disciplina “Geopolítica Ambiental”, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor dos livros “Mundo Sustentável – Novos Rumos para um Planeta em Crise" (Ed.Globo, 2012); "Mundo Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação" (Ed.Globo, 2005), “Espiritismo e Ecologia” (Ed.FEB, 2009) e "Viver é a Melhor Opção - A prevenção do suicídio no Brasil e no Mundo" (Ed. Correio Fraterno, 2015); Coordenador editorial e um dos autores do livro "Meio Ambiente no século XXI" (Ed.Sextante, 2003). Durante 16 anos foi âncora e repórter do Jornal das Dez da Globo News. Desde abril de 2012, vem atuando como repórter da TV Globo. Durante 3 anos foi colunista do Jornal da Globo onde apresentou o quadro “Sustentável”, com séries especiais gravadas na China, na Alemanha, e várias partes do país. É editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News, comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.

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