quarta-feira, 25 de março de 2015

As Penas Futuras Segundo o Espiritismo (Parte I)


Código Penal da Vida Futura


O Espiritismo não se apoia, pois, numa autoridade de natureza particular para formular um código fantasioso. Suas leis, no que toca ao futuro da alma são deduzidas de observações positivas sobre os fatos e podem ser resumidas da maneira seguinte:

1º) A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de todas as imperfeições de que não se libertou durante a vida corpórea. Seu estado feliz ou infeliz é inerente ao grau de sua depuração ou das suas imperfeições.

2º) A felicidade perfeita é inerente à perfeição, quer dizer à purificação completa do Espírito. Toda imperfeição é ao mesmo tempo uma causa de sofrimento e de privação de ventura, da mesma maneira que toda qualidade adquirida é uma causa de ventura e de atenuação dos sofrimentos.

3º) Não há uma só imperfeição da alma que não acarrete consequências desagradáveis, inevitáveis, e não há uma só qualidade boa que não seja fonte de ventura. A soma das penas é assim proporcional à soma das imperfeições, como a dos gozos é proporcionada à soma das boas qualidades.

A alma que tiver, por exemplo, dez imperfeições, sofrerá mais do que aquela que tiver apenas três ou quatro. Quando dessas dez imperfeições só lhe restarem um quarto ou a metade, ela sofrerá menos, e quando nada mais restar, ela nada sofrerá, sendo perfeitamente feliz. É como acontece na Terra: aquele que sofre de muitas doenças padece mais do que o que sofre apenas de uma ou não tem nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez qualidades boas goza de mais felicidade que a outra que possui menos.

4º) Em virtude da lei do progresso, tendo cada alma a possibilidade de conquistar o bem que lhe falta e libertar-se do que possui de mal, segundo os seus esforços e a sua vontade, resulta que o futuro está aberto para qualquer criatura. Deus não repudia nenhum de seus filhos. Ele os recebe em seu seio à medida que eles atingem a perfeição, ficando assim a cada um o mérito das suas obras.

5º) O sofrimento sendo inerente à imperfeição, como a felicidade é inerente à perfeição, a alma leva em si mesma o seu próprio castigo onde quer que se encontre. Não há pois necessidade de um lugar circunscrito para ela. O inferno está assim por toda a parte, onde quer que existam almas sofredoras, como o céu está por toda a parte, onde quer que as almas sejam felizes.

6º) O bem e o mal que praticamos são resultados das boas e das más qualidades que possuímos. Não fazer o bem que se pode fazer é uma prova de imperfeição. Se toda a imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não só por todo o mal que tenha feito, mas também por todo o bem que podia fazer e que não fez durante a sua vida terrena.

7º) O Espírito sofre segundo o que fez sofrer, de maneira que sua atenção estando incessantemente voltada para as consequências desse mal, ele compreende melhor os inconvenientes do seu procedimento e é levado a se corrigir.

8º) A justiça de Deus sendo infinita, todo o mal e todo o bem são rigorosamente levados em conta. Se não há uma única ação má, um só mau pensamento que não tenha consequências fatais, também não há uma única ação boa, um só bom movimento da alma, numa palavra, o mais ligeiro mérito que fique perdido. E isso, mesmo entre os mais perversos, porque representam um começo de progresso.

9º) Toda falta que se comete, todo mal praticado é uma dívida contraída e que tem que ser paga. Se não for nesta existência, será na próxima ou nas seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si. Aquilo que se paga na existência presente não será cobrado na seguinte.

10º) O Espírito sofre de acordo com as suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no corporal. Todas as misérias, todas as dificuldades que ele enfrenta na vida corpórea são as consequências de suas próprias imperfeições, as expiações de faltas cometidas nesta mesma existência ou nas existências anteriores.

Pela natureza dos sofrimentos e das dificuldades que ele enfrenta na vida corpórea, podemos julgar a natureza das faltas cometidas numa existência anterior e quais as imperfeições que as causaram.

11º) A expiação varia segundo a natureza e a gravidade da falta. A mesma falta pode assim provocar expiações diferentes, segundo as circunstâncias atenuantes ou agravantes nas quais ela foi cometida.

12º) Não há, no tocante à natureza e a duração do castigo, nenhuma regra absoluta e uniforme. A única lei geral é a de que toda falta recebe uma punição e toda boa ação tem a sua recompensa segundo o seu valor.

13º) A duração do castigo está subordinada ao melhoramento do Espírito culpado. Nenhuma condenação é pronunciada contra ele por tempo determinado. O que Deus exige para termo dos sofrimentos é uma melhora verdadeira, efetiva, com um retorno sincero ao bem.

O Espírito é assim e sempre o árbitro do seu próprio destino. Pode prolongar os seus sofrimentos pelo seu endurecimento no mal e abrandá-los e até mesmo abreviá-los pelos seus esforços em praticar o bem.

Uma condenação por tempo determinado, qualquer que fosse esse tempo, teria o duplo inconveniente de fazer o Espírito sofrer inutilmente depois de melhorado, ou de cessar antes que ele se libertasse do mal. Deus, que é justo, pune o mal enquanto ele existe, e deixa de punir quando o mal deixou de existir. Ou, se quisermos, sendo o mal moral a própria causa do sofrimento, este dura somente enquanto aquele subsiste e a sua intensidade diminui à medida que o mal vai desaparecendo.

14º) A duração do castigo estando subordinada ao melhoramento do Espírito, disso resulta que o culpado que não se melhorasse continuaria sofrendo sempre, e que para ele a pena seria eterna.

15º) Uma condição que é inerente à inferioridade dos Espíritos é a de não ver o termo de sua situação e acreditar que sofrem para sempre. Isso faz que para eles o castigo pareça eterno. *(29)

16º) O arrependimento é o primeiro passo para o melhoramento. Mas ele apenas não basta, sendo necessárias ainda a expiação e a reparação. Arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e as suas consequências.

O arrependimento suaviza as dores da expiação, porque desperta esperança e prepara a reabilitação, mas somente a reparação pode anular o efeito ao destruir a causa. O perdão seria uma graça e não uma anulação da falta.

17º) O arrependimento pode ocorrer em qualquer lugar e tempo. Se ele for tardio, o culpado sofre por mais tempo.

A expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que são a consequência da falta cometida, seja desde a vida presente, ou seja, após a morte, na vida espiritual, ou ainda numa nova existência corpórea, até que os traços da falta tenham desaparecido.

A reparação consiste em praticar o bem para aquele mesmo, a quem se fez o mal. Aquele que não repara os seus erros nesta vida, por fraqueza ou má vontade, tornará a encontrar-se, numa outra existência, com as mesmas pessoas que ofendeu, e em condições escolhidas por ele mesmo para poder provar-lhes o seu devotamento, fazendo-lhes tanto bem quanto o mal que havia feito.


*(29) Perpétuo é sinônimo de eterno. Dizemos: as neves perpétuas, os gelos eternos dos polos, e também se diz: o secretário perpétuo da Academia, o que não quer dizer que se trate de eternidade, mas somente de um tempo indeterminado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, também no sentido de indeterminação. Nessa acepção se pode dizer que as penas são eternas quando entendemos que não têm duração limitada: são eternas para o Espírito, que não vê o seu fim. (Nota de Kardec)

Do livro O Céu e o Inferno, de Allan Kardec Cap.VII.

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