segunda-feira, 30 de junho de 2014

Consciência Universal - uma Globalização Planetária



Depois de 15 bilhões de anos e alguns milhares de civilização, aqui estamos nós. Desde o Big Bang, a evolução continua, criando sempre estruturas mais complexas, das quais somos o mais belo expoente, rumo a uma consciência universal.

As partículas, os átomos, as moléculas, as macromoléculas, as células, os primeiros organismos, as populações, os ecossistemas, e por fim o homem... A evolução continua, mas desta vez é sobretudo técnica e social. A cultura tomou o testemunho. Estamos num ponto de viragem da história análogo ao do surgimento da vida.

Após as fases cósmica, química e biológica inauguramos o quarto capítulo do grande livro da vida, em que a humanidade será protagonista no terceiro milénio. Acedemos a uma consciência de nós próprios, que se tornará colectiva.

Dizemos, com toda a modéstia, que estaremos a criar uma nova fórmula de vida: um macrorganismo planetário, englobante do mundo vivo e produções humanas. Seremos as células, e ele também evolui. Tem o seu sistema nervoso próprio, no qual a Internet é um embrião, e um metabolismo que recicla os materiais. Este cérebro global, criado de sistemas interdependentes, une os homens à velocidade do electrão, revolucionando, assim, as imensas trocas culturais, intelectuais e morais.

Não sendo uma selecção natural, mas sim cultural, as nossas invenções e a nossa nova consciência são as mutações darwinistas. No entanto, esta evolução técnica e cultural progride muito mais rapidamente do que a evolução biológica de Darwin. O homem cria novas "espécies"; o computador cria os satélites, a televisão, a rádio, o telefone, o avião...

Agora, é o homem que faz a selecção darwinista; não observamos o mercado, que selecciona, elimina e faz a escolha dos mais aptos e capazes, das novas "espécies"? A grande diferença é que o homem pode criar, no abstracto, tantas "espécies" quantas desejar. Esta nova evolução desmaterializa o homem. Entre o mundo real e o imaginário, o homem inclui um novo mundo - o virtual -, que lhe permite elaborar e testar objectos e máquinas que ainda não existem, bem como explorar universos artificiais. Para espanto de todos nós, ou não, esta evolução cultural segue a mesma lógica da evolução natural das espécies.

A complexidade segue a sua obra, mas libertando-se, a pouco e pouco, do pesado fardo da matéria. De certo modo, reencontramos o Big Bang, a explosão de energia, muito semelhante ao inverso do «ponto ómega», sendo uma implosão do espírito liberto da matéria. E se abstraíssemos o tempo poderíamos confundir os dois.

O homem deve ainda aperfeiçoar-se muito mais. Quando as células se associam, alcançam uma individualidade muito maior do que se estivessem isoladas. A fase da macrorganização comporta um risco de homogeneização planetária, mas também germes de diversificação. Quanto mais o planeta se globaliza mais se diferencia.

As metáforas mecânicas, as engrenagens, os relógios, dominaram o início do século. São agora as metáforas dos organismos as mais pedagógicas, na condição de não as tomarmos à letra. O organismo planetário que criamos exterioriza as nossas funções e os nossos sentidos: a nossa visão pela televisão, a nossa memória pelos computadores, as nossas pernas pelos transportes... Mas mantém-se de pé a grande questão: iremos viver em simbiose com esse organismo planetário ou tornar-nos-emos parasitas destruidores do hospedeiro, o que nos atiraria para graves crises económicas, ecológicas e sociais?
Actualmente, drenamos, em proveito próprio, recursos energéticos, informações, materiais; e segregamos dejectos no meio ambiente, empobrecendo constantemente o sistema que nos sustenta. Somos parasitas de nós próprios, dado que algumas sociedades industrializadas travam o desenvolvimento das outras.

Se continuarmos na via actual, acabaremos parasitas da Terra.


Num organismo existe um sistema de alarme e de cura. Se o organismo se ferir, o corpo inteiro é mobilizado. É imperioso criar um sistema análogo para o planeta. A ONU, e as inúmeras associações humanitárias, já são esboços desse sistema, mas precisamos de ir muito mais longe. Aí está o papel catalítico do Espiritismo. Se soubermos que existe um ente superior, que nos rege e orienta, que a vida continua (a morte não existe), que a reencarnação é um facto irrefutável, que a lei de causa e efeito é uma realidade, e se conhecermos donde vimos, para onde vamos e o que fazemos aqui, muitos de nós teremos comportamentos diferentes perante a sociedade e o planeta.

Ora, a importância do Espiritismo está aí...

Hoje, não faz qualquer sentido, embora seja de louvar algumas atitudes, por parte dos ecologistas e de todos aqueles que procuram defender o planeta do homem, encerrar a variedade dos seres em guetos, para criar reservas. Quando vemos os bosquímanos, ou ameríndios, relegados para o que chamamos, muito cruelmente, «reservas», perguntamos quem somos nós para termos tal atitude, indigna de um ser humano. Não serão essas prisões ou reservas pequenas ilhas que nos oferecemos para nosso belo prazer, até fazendo excursões turísticas para vermos nossos semelhantes? Pensamos que estas populações não têm outra solução, como vemos ao longo da história, que não seja misturarem-se, genética e culturalmente, connosco, ou então desaparecerão.

Hoje, observando os ainda masai - tribo africana, das margens da caldeira de N'Gorongoro -, que passam a vida no meio dos leões, rinocerontes, búfalos, etc., todos eles bichinhos não especialmente ternos, compreendemos que se pode viver em paz com todos, e com o meio.

Não deixemos que a nostalgia e a petulância nos invadam a mente. Pensemos, isso sim, na importância de encontrarmos, em conjunto, a harmonia e o equilíbrio entre a Terra e a tecnologia, e entre a ecologia e a economia, para assim evitarmos crises. Deveremos observar e estudar as lições que nos dá o conhecimento sobre a evolução da complexidade. Compreender a nossa história pode dar o recuo necessário, um sentido ao que fazemos, e maior sageza. É inegável o crescimento de uma inteligência colectiva, num humanismo tecnológico. Aí está o Espiritismo para corroborar, ensinando, esclarecendo e amando.

Cada vez mais estamos prestes a perder a diversidade: a cultura humana torna-se cada vez mais homogénea, o mundo torna-se global, o planeta mais pequeno. As pessoas viajam muito, quer física quer virtualmente. Misturando-se, desta forma, as culturas, dá-se o fenómeno da aculturação. O homem acumula um conhecimento crescente, progride para um maior saber, uma maior liberdade, para uma cultura mais complexa. Seguimos a mesma lógica da matéria e da vida. A nossa história tem um sentido, uma lógica; não acreditamos nem na contingência nem no acaso, que aos olhos de alguns cientistas só parecem intervir quando estudam períodos muito curtos.

As sociedades humanas organizam-se cada vez melhor. A pouco e pouco temos a consciência do meio ambiente que nos rodeia e de nós próprios. Vejamos a ONU. Estes organismos têm conhecido inúmeras dificuldades. Considerando-se, porém, as coisas com o devido distanciamento, descobre-se que o homem tomou consciência da sua condição mundial em apenas 70 anos; o que é isso, comparado com a nossa história?

A humanidade actual já chegou a um certo nível de reflexão, embora nos pareça muito jovem. Numerosas dificuldades do nosso tempo provêm do facto de muitas populações terem apenas uma informação muito reduzida do mundo; mas a providência divina não deixa as coisas entregues ao acaso, já que o acaso não existe.

No limiar deste século o homem inventou duas maneiras de se autodestruir: o excesso de armamento nuclear, atómico e biológico, e a deterioração do ambiente.

Actualmente, coloca-se uma questão: estaremos capacitados para coexistir com o nosso próprio poder? Se a resposta for não, a evolução continuará sem nós. Como Sísifo, teremos levado o rochedo até ao alto da montanha, para logo de seguida o deixarmos escapar. É um pouco ridículo, não é? Temos de ter plena consciência da gravidade da situação presente, mantendo, contudo, o optimismo. Temos de deitar mão a todos os nossos recursos, intelectuais, culturais, tecnológicos e sobretudo morais, para salvar o planeta, antes que seja tarde. Somos os responsáveis pelos danos causados, quer activos quer passivos, e também seus herdeiros. É a nós que compete fazer com que este delicioso planeta continue vivendo, mas com saúde.

Estão reunidos todos os meios para que possamos (praticando primeiro) transmitir que a fraternidade é, e será, a pedra angular da felicidade humana e planetária.

Então regeneremo-nos, senão seremos como Sísifo.

Sejamos espíritas, no verdadeiro sentido da palavra. A hora é de unidade fraternal - o saber amar.

Terminamos com uma mensagem psicografada por Divaldo Pereira Franco, na Associação Cultural Espiritualista de Viseu, em Maio de 1993, pelo espírito do dr. Adolfo Bezerra de Menezes: «(...) Aqui estamos, em nome dos espíritas do Brasil e de Portugal, pelo laço da fraternidade, para dizer-vos que antes de encarnardes vos comprometestes com a construção da era nova e de um mundo melhor. Obreiros da fé renovada, ide adiante, confiantes e felizes, e o Senhor irá convosco.»


Luís de Almeida

Texto grafado originalmente no idioma português (de Portugal).

sábado, 28 de junho de 2014

Silêncio Proativo


Em alguns templos religiosos, sobretudo em centros espíritas, encontramos uma frase grafada na parede: “O silêncio é uma prece”. Mas será, realmente, que o silêncio sempre pode ser considerado assim?

Certamente, o escopo daqueles que afixaram um quadro, ou pintaram, ou autorizaram a pintura dessa máxima em locais visíveis era o de convidar os frequentadores de uma reunião de exposição doutrinária e oração a se aquietarem para usufruir das benesses do ambiente, ouvindo com clareza as explanações científico-evangélicas e se conectando com o Criador e seus emissários. Por outro lado, torna-se inevitável concluir que o silêncio interior não se conquista por uma advertência exterior, mas sim, ao preço de muita dedicação e treinamento, porquanto é assim que se desenvolvem as virtudes. Isso é comprovado pelo fato de que, não raro, as pessoas estarem em silêncio aparente, mas intimamente podem estar esbravejando, agredindo, metralhando o próximo ao direcionar a este suas vibrações desequilibradas, ou mesmo permitindo o descontrole dos pensamentos, que deixam de focar naquilo que é mais importante em determinado momento. Logo, nem sempre o silêncio se mostra como uma oração, mas sim, como uma fuga ou, até mesmo, como uma agressão energética.

Conquanto cheguemos a tal conclusão, que obviamente não é definitiva, cumpre salientar que em muitos casos o ato de silenciar constitui a própria prática do Bem, ainda mais quando a pessoa se encontra diante de uma ofensa. É comum nas instituições de diversas ordens, seja profissional, acadêmica, religiosa, desportiva, etc., a ocorrência de discussões infrutíferas ou de meros insultos diretos ou mascarados (como se tapa com luva de pelica pudesse ser uma virtude, ao passo que jamais deixa de ser uma violência). Nestes casos, constatando-se a inutilidade de responder, a atitude silenciosa, arrimada na mansidão interiormente trabalhada, constitui verdadeira prática da caridade, em nada comparável com covardia ou passividade.

É sempre válido lembrar que não existe relacionamento interpessoal sem conflitos, tendo em vista que cada pessoa é um histórico espiritual próprio, com conquistas e deficiências, boas qualidades e más tendências por serem domadas, com culturas e ideais diversos, enfim. No entanto, ante ao conflito é sempre possível eleger uma conduta pacífica na busca do consenso, extraindo o aprendizado que a circunstância está a oferecer.

Pensando nisso, muitas pessoas silenciam diante de um problema, intentando agir com altruísmo, quando, em verdade, apenas estão se autoanulando intimamente ao permitirem que outrem lhe agrida moral e, em muitos casos, até fisicamente. O fato de somente silenciar não pode ser considerado um Bem, fazendo-se mister que juntamente com o silêncio a pessoa faça reflexões instantâneas sobre o que pretende com sua atitude e faça exercícios de humildar o orgulho, deixando de agir impulsivamente, eis que são inúmeros os seres humanos que todos os dias são diagnosticados com doenças, geralmente estomacais ou intestinais, pelo fato de se anularem passivamente perante aos fatos desagradáveis. Na realidade, o silêncio passivo constitui uma autodesvalorização emocional que não agrega valores para o próximo, que continuará agindo equivocadamente e adquirindo mais débitos conscienciais; tampouco para a própria pessoa, que deixa de viver seu potencial espiritual. Quem pratica o silêncio falso, isto é, o silêncio meramente exterior, está em total sintonia com o orgulho que ainda traz, acolhendo-o intensamente para apenas criar uma aparência de estar agindo pacificamente, quando, na verdade, está guerreando e se machucando por dentro.

Refletindo sobre tudo isso com o escritor Alírio de Cerqueira Filho, conclui-se ser plenamente possível optar por uma conduta salutar, fazendo o “silêncio proativo”. Para tanto, torna-se necessário aceitar que existe humildade coexistindo com o orgulho ferido. Posteriormente, acolhe-se a humildade, experimentando suas sensações agradáveis e quanto ela faz bem para quem a pratica. Neste caso, a pessoa está sem falar para fora, mas está trabalhando-se interiormente para transformar o orgulho em humildade.

A atitude humilde e corajosa de dar a outra face vale mais do que milhões de palavras. É trabalhoso, certamente, mas não se conquistam as virtudes mais necessárias sem esforço para se promover a reforma íntima. Por essa razão, é imprescindível que cada um procure desenvolver o “silêncio proativo”, ou seja, fazer silêncio concomitante com um trabalho interior para expor a virtude para fora, tornando-se uma pessoa em paz com a consciência, convidando, com este exemplo, o próximo a também buscar se melhorar.


Nestor Fernandes Fidelis

Diretor da Diretoria de Atendimento Espiritual da Federação Espírita do Estado de Mato Grosso

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Bom Dia Espírita


“No livro da existência, cada dia é uma página em branco que confiarás ao tempo, gravada com teus atos, palavras e pensamentos.”
(Frase do Espírito José de Castro, contida no livro “Cartas do Coração”, psicografado por Chico Xavier).

Devemos considerar um bom dia, aquele em que:

1. Gravamos, na página em branco do livro que estamos escrevendo sobre a nossa existência terrena, o que há de melhor em emoções, sentimentos, pensamentos, palavras, realizações e atos de fraternidade, benevolência, paciência e compreensão.

2. Escrituramos, na nova página do livro da jornada terrena, o nosso esforço e a nossa boa vontade para o trabalho e o estudo, de forma a conquistarmos a ciência e a sabedoria, a moralidade e o amor, visando ser útil ao próximo e ajudar na realização da felicidade alheia.

3. Escrevemos, na página que se abre diariamente no livro da vida, as lições aprendidas, as experiências acumuladas, os trabalhos realizados e as vitórias conquistadas, embora enfrentando lutas, dificuldades, provas aflitivas e situações constrangedoras, mas demonstrando esperança, otimismo e confiança em Deus.

4. Registramos na próxima página do livro que é a nossa biografia, o bom aproveitamento do tempo e o bom uso dos recursos colocados à nossa disposição, buscando os conhecimentos elevados, os feitos enobrecedores, as experiências engrandecedoras e o domínio das virtudes sublimes.

5. Contabilizamos, na página recém-aberta do diário pessoal, as boas ações realizadas em virtude das lições aprendidas com Jesus, Allan Kardec e Chico Xavier. Assim, acumulamos créditos espirituais pelo bom uso das faculdades e tesouros eternos no mundo íntimo.

6. Anotamos, com as próprias mãos, na nova página que o tempo nos confiou, os atos educativos que garantem acerto nas escolhas e decisões que semeiam o bem.

Cada dia, contamos com as lições filosóficas, morais e religiosas do Espiritismo para que possamos torná-lo um bom dia. Assim, escrevemos belas páginas no livro da nossa vida.

Mas, certamente, as melhores serão aquelas em que tivermos mantido a boa convivência e o bom relacionamento com os semelhantes no lar, no ambiente de trabalho e na vida em sociedade.

Dessa forma, teremos escriturado, nesse livro contábil, o que se passou de bom conosco, podendo, a qualquer momento, fazer um balanço de nós mesmos, numa visão panorâmica, retrospectiva e detalhada dos fatos registrados.

Que saibamos, portanto, a cada instante do dia, praticar as atitudes e os atos acima que retratam os ensinamentos da Doutrina Espírita.

Desse modo, podemos reler, com a paz na consciência, as páginas do valioso livro, preenchidas diariamente, constatando:

• Os bons rumos que demos à nossa história;
• Os méritos que acumulamos pelas boas obras realizadas;
• Os momentos de alegria que desfrutamos por termos feito o próximo feliz;
• E a satisfação de termos cumprido dignamente os nossos compromissos e deveres morais.


Geziel Andrade

terça-feira, 24 de junho de 2014

Médiuns de Ontem e de Hoje


Na excelente obra Os Cátaros e a Heresia Católica, Hermínio Miranda discorre detalhadamente a respeito das características da linda sociedade cristã, cátara, que floresceu na região do Languedoc, no sul da França, nos idos do século XIII. Considerada herética pela Igreja Católica, em razão de afrontar resolutamente dogmas já pétreos, através dos quais se via o legado espiritual de Jesus para o mundo completamente distorcido, dentre as convicções de vanguarda defendidas pelos crentes cátaros existia, já, a da evolução do espírito ao longo das vidas sucessivas; e também tratavam sobre as ocorrências mediúnicas que, para aquele povo simples dos séculos XII e XIII, constituíam-se não mais do que em fatos comuns, com os quais lidavam com naturalidade, e dos quais falavam naturalmente para as suas crianças.

Viram-se, assim, em apuros, na conjuntura delicada do momento histórico no qual começaram a ameaçar o poderio religioso e político da Igreja, ao passo em que iam amealhando crescente simpatia em regiões várias da Europa. E, com a investida das Cruzadas Albigenses e, em sequência, encurralados pela Inquisição em tempos imediatamente posteriores, quis o poder do clero extinguir, decidida e definitivamente, aquele povo e suas ideias mais fiéis aos verdadeiros ensinamentos de Jesus – respeitando como iguais as mulheres e a liberdade de pensamento; refutando duramente a pompa das hierarquias sacerdotais e vários de seus dogmas centrais, e, sobretudo, falando abertamente de mediunidade e reencarnação, um conceito em absoluto renegado pelo Alto Clero nos postulados da doutrina cristã, nada embora tivesse o próprio Cristo discorrido sobre eles com naturalidade, ao longo de sua missão sacrificial.

A obra de Hermínio Miranda trata com brilhantismo ímpar do tema, e, em seu conteúdo, oferece-nos a narração de um caso interessante, que ilustra aos espíritas atuais que a realidade do dom da mediunidade é atributo comum ao ser humano de hoje como em todo tempo histórico, indistintamente. Narra o caso de Arnaud Gélis, um personagem peculiar do começo do século XIV que, naqueles tempos difíceis de martírios, era médium confesso. Submetido ao cerco férreo da Inquisição, no entanto, continuou agindo e falando não mais do que do mesmo modo natural, espontâneo, sincero, sobre a sua convivência diária com os espíritos, que diante dele se materializavam e conversavam, sem cerimônia, provenientes das mais disparatadas situações sociais; dotados de variegadas características individuais, de personalidade, temperamentos e, mesmo, vestimentas – para profunda ira de seu inquisidor, Jacques Fournier, bispo de Pamiers – e, aliás, futuro papa - resoluto em atribuir heresia a todo aquele que afrontasse a prepotência Católica em definir o que, ao ser humano comum, deveria ser considerado como expressão da verdade no que se referia ao que os postulados religiosos queriam outorgar ditatorialmente, para melhor manutenção do poder temporal e de domínio e manipulação das consciências do mundo.

Todavia, não havia como Arnaud não se comportar, à compreensão despótica do inquisidor, como um continuador encarniçado da já secular heresia cátara, se bem não fosse ele, faticamente, um seguidor do catarismo - e não há, a esta altura, no século XXI, um modo de descartarmos esta hipótese. Arnaud fora iniciado nas suas práticas mediúnicas, conforme nos elucida Hermínio Miranda com base em seus estudos históricos, justamente sob a batuta de um cônego da catedral de Pamiers, Hugues de Dufort, por volta de 1311 ou 1312. Fora a orientação do espírito de um cônego, assim, que levara Gélis a assumir a sua então tida como “macabra” atividade de comunicação com os defuntos.*¹

Textualmente, Miranda nos diz, às fls. 184 de sua obra:
“Gélis não tinha culpa de ser médium”. Os espíritos que ele via e com os quais conversava e dos quais recebia recados a serem transmitidos aos vivos eram uma realidade indiscutível. A realidade que Gélis testemunhava não conferia com a que a Igreja adotara e impunha. Para o chamado cristianismo de então – e que perdura até hoje – as almas dos ‘mortos’ têm que ficar quietinhas nos seus túmulos até o dia mágico da ressurreição da carne, quando então lhes seria dada a destinação final. Ainda que isto fosse admissível para as que tenham ido parar no purgatório, não se aplicaria a mesma norma para as que teriam ido para o céu ou para o inferno. Já não são, estas, destinações definitivas? Ademais, as almas pareciam ignorar os dogmas e as proibições e continuavam a se manifestar ao pobre médium.

Para a desgraça de Gélis, ele as via por toda parte e com elas se entendia. Os sacerdotes mortos, por mais elevadas que tenham sido suas posições hierárquicas no mundo dos vivos – bispos e até arcebispos – não estavam no céu, e sim perambulando pelos lugares ermos, obviamente infelizes, perdidos, sem rumo nem destino (...)”

Mas não era só Dufort que se apresentava aos colóquios com Gélis, mas “muitos outros veneráveis cônegos, como Hugues de Ros, Athon d’Unzent, Pierre Durand. O cenário em que se manifestavam era aquele mesmo que frequentaram enquanto “vivos” – o claustro dos mosteiros ou as igrejas às quais estavam ligados (...) Os mortos, segundo Gélis, sentiam frio no inverno e tinham sede no verão.(...) “*²

Hermínio menciona em parágrafos posteriores que, segundo o conteúdo da obra de Christian Bernardac, estudioso histórico, inclusive, simpático à causa e às interpretações católicas distorcidas do catarismo, na qual encontramos a descrição desses registros inquisitoriais, Arnaud Gélis não seria considerado um mal intencionado ou fraudador consciente - mas visionário alucinado! Um pobre infeliz, auto iludido, crente nas próprias fantasias, provavelmente, induzidas pelas influências do diabo. Muito provavelmente, padecendo de distúrbios mentais!

Ora, amigo leitor e leitora, onde, e em quantas vezes, nos tempos atuais, já vimos a repetição da mesma história? De vez que, em muitos quesitos importantes, vitais mesmo, os dogmas cristãos em nada se modificaram, e em se observando a trajetória daqueles que hoje em dia, guardadas as semelhanças de compreensão destas realidades da vida, bem poderiam ser taxados de neocátaros, em quantos episódios não soubemos de semelhante perseguição desfechada por pessoas que apenas se transferiram de séculos, repetindo, nem mais nem menos, do que as mesmas vivências infortunadas contra Arnaud Gélis?

Descartando a bem-vinda circunstância de não mais haver tribunais inquisitoriais – hoje travestidos para modalidades mais sutis de repressão, diluídos na sociedade – quantos casos semelhantes já não nos chegaram ao conhecimento, ou foram duramente experimentados por aqueles de nós, de dentro do Movimento Espírita? Fatos lamentáveis havidos com médiuns de todas as esferas de ação, ou com aqueles cujas atividades são de maior expressão pública, como Chico Xavier ou Divaldo Franco, ilustram, ainda hoje, a intolerância, a brutal incompreensão originada na ignorância mais absoluta dos detalhes da realidade destes acontecimentos comuns, de interatividade entre habitantes das esferas corpóreas e incorpóreas!

O ‘nunca ninguém voltou para contar como é’, para nossa profunda perplexidade, ainda impera em milhares de mentalidades e corações mal informados sobre o que vige nas leis imutáveis do Criador para a destinação de todas as criaturas. Resultado de séculos malfadados de adulteração da verdade maior e definitiva pelas religiões institucionalizadas, para favorecer interesses temporais de poder e dominação das consciências reencarnadas no mundo em lento processo de avanço espiritual, eis-nos, ainda, médiuns atuantes de maior ou menor expressão pública, às voltas com a cegueira das reações das massas para com aquilo que constitui não mais do que manifestação cotidiana de uma lei natural - apenas que ainda mal compreendida pelas mentalidades adormecidas e pela ciência renitente nos paradigmas obsoletos para a aferição do funcionamento dos mecanismos maiores que regem a vida no universo.

Não haveria, pois, naqueles tempos, como Arnaud Gélis agir de modo diverso da sinceridade cristalina com que lidava com a simples expressão pessoal da realidade diária de sua convivência multidimensional - como hoje, também, não há outro caminho, mais honesto, mais reto, aos médiuns contemporâneos, do que resistir bravamente à ainda opressora resistência dos investimentos de interesse ou das limitações individuais para se aceitar pacificamente o que simplesmente não podemos mais negar ou rejeitar, em detrimento de uma verdade mais ampla das coisas.

É, pois, finda a era de se favorecer mentiras que não merecem prevalecer por mais tempo, num mundo que, com atraso, deve deixar para trás o lastimável estado de quarentena cósmica causada pela resistência do ser humano em avançar espiritualmente, não nos permitindo, assim, a benção de nos colocarmos em situação de cidadãos universais, em coexistência pacífica com os habitantes dos muitos mundos e dimensões das mais variadas expressões vitais espalhados pelo infinito.

É o exigível, para a consolidação de uma humanidade menos egoísta e mais responsável, em bases meritórias de responsabilidade própria, por um futuro de maior felicidade, harmonia e entendimento, com avanços significativos em todos os níveis de convivência que haverão de transportar a Terra, de fato, para o estágio mais grato de planeta de regeneração.

Christina Nunes


*¹ - Hermínio Miranda – Os Cátaros e a Heresia Católica – Ed. Lachátre – Capítulo Uma Reformatação do Catolicismo – pág. 184
*² - Hermínio Miranda – Os Cátaros e a Heresia Católica – Ed. Lachátre – Uma Reformatação do Catolicismo – pág. 184 e seguintes.

domingo, 22 de junho de 2014

Espiritismo e Racismo


No último mês, o racismo voltou a ser tema de debates pela imprensa brasileira e mundial, depois que o jogador de futebol Daniel Alves foi alvo de atitude racista na partida de futebol entre o Barcelona e o Villarreal, recebendo uma banana atirada da torcida. De forma inteligente, o jogador ignorou a provocação, pegou a fruta e a comeu.

Iniciada pelo jogador Neymar, nas redes sociais, a campanha #somostodosmacacos teve forte adesão de esportistas, jornalistas, apresentadores de TV, artistas famosos e pessoas desconhecidas, que publicaram e compartilharam fotos com bananas em solidariedade ao jogador. O Futebol Clube Barcelona declarou que “Alves uniu o mundo do esporte contra o racismo”.

Independentemente da “chuva” de declarações de representantes de movimentos antirracistas e pessoas anônimas criticando a iniciativa – para muitos, dizer que “somos todos macacos” seria uma maneira de reforçar um estereótipo contra o qual os movimentos antirracistas travam uma batalha constante –, a discussão trouxe mais uma vez à tona o que o próprio Daniel Alves declarou, ao defender a campanha: “Somos todos humanos e iguais”, e uma atitude racista como a demonstrada no jogo não pode mais ser aceita em nossa sociedade.

A destruição dos preconceitos de cor é um dos objetivos do Espiritismo. O progresso da civilização passa, necessariamente, pelo fim de toda e qualquer forma de preconceito. Esse tipo de postura discriminatória, existente nas relações entre diferentes grupos étnicos, ao lado de diversos fatores de ordem política e econômica, tem gerado as desigualdades sociais no nosso planeta, constituindo-se num enorme obstáculo para a construção de uma sociedade mais fraterna e igualitária.

Afirmaram os espíritos a Allan Kardec que essas desigualdades um dia desaparecerão, junto à predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão somente a desigualdade de mérito. Segundo Kardec, todos os homens são submetidos às mesmas leis naturais, todos nascem com a mesma fragilidade, estão sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus não concedeu, portanto, superioridade natural a nenhum homem, nem pelo nascimento, nem pela morte. São todos iguais perante Ele.

Uma doutrina como a espírita não compactua com nenhuma ideologia que vise à discriminação racial entre os grupos sociais. À medida que a humanidade melhora em inteligência e moralidade, todas as formas de preconceito e segregação tenderão a desaparecer definitivamente. Sobre isso, Kardec comenta: “Assim, as raças que atualmente povoam a Terra desaparecerão um dia e serão substituídas por seres mais e mais perfeitos. Essas raças transformadas sucederão à atual, como esta sucedeu a outras que eram mais grosseiras.”

É dever dos espíritas, portanto, imbuídos do ideal renovador do Espiritismo, lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, na qual o negro e todos os grupos étnicos oprimidos tenham os seus direitos garantidos e respeitados. A luta pela verdadeira democracia racial é uma luta que interessa não somente ao negro, mas a todos os setores progressistas, inclusive aos espíritas, que estejam efetivamente comprometidos com o processo de transformação intelecto-moral da sociedade. Como disse Daniel Alves diante da provocação: “Atitudes negativas devem ser combatidas com atitudes positivas.”


Folha Espírita, editorial maio de 2014.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Buscando um Sentido para a Vida


A questão do sentido para a vida coloca-se desde há mais de vinte e cinco séculos. Responder a esta e a outras interrogações, nomeadamente, sobre a origem, destino e fim da vida, isto é: “Quem somos e para onde vamos?”, será, porventura, o maior estímulo para que o ser humano continue a investigação e utilize todos os recursos ao seu alcance, para tentar aproximar-se das respostas tão verdadeiras quanto possíveis àquelas perguntas.

O mistério da vida, e também da morte, seja do espírito, da mente, da consciência, da alma, na perspectiva metafísica, que envolve a dimensão imaterial do ser humano, tem vindo a alimentar a imaginação, a criatividade, a investigação, as experiências e as tecnologias.

É certo que as ciências biomédicas, concretamente: neurologia, genética, biologia e medicina, entre outras, têm conseguido avanços e resultados espetaculares, porém, parece estarem longe da descoberta sobre o conhecimento da totalidade do ser humano, da pessoa na sua integralidade, constituída por parte física e por parte imaterial.

Entretanto, importa refletir acerca do melhor aproveitamento da vida, quer no seu aspecto físico, quer quanto às faculdades mentais e, muito particularmente, no que concerne à atividade ético-moral, sob o controle da consciência, enquanto tribunal verdadeiro e justo, dos atos que cada indivíduo vai praticando ao longo da vida, e que poderá ajudar, precisamente, a encontrar e esclarecer um sentido para a vida.

Antes, porém, interessará tentar saber o que cada pessoa perante si própria é: como se avalia, como poderá melhorar, ou, pelo menos, minimizar os aspectos considerados negativos, em face do conjunto de valores, princípios, normas sociojurídicas, tradições, usos e costumes da comunidade onde se integra. A milenar máxima socrática: “conhece-te a ti próprio” nunca terá estado tão atualizada como nestes tempos de incertezas, de dificuldades, de algum “sem-sentido” para a vida. Cada pessoa será, portanto, responsável: em primeiro lugar, pela busca e esforço em conhecer-se realmente a si própria; depois, pela elaboração das estratégias, métodos e recursos que lhe permitam elaborar o seu projeto de vida, que esclarecerá, de forma mais objetiva, qual o sentido que deseja dar à sua vida, aqui em duas vertentes: sentido material; sentido metafísico.

É preciso saber o que se quer da vida e do mundo – Admita-se que: «As verdadeiras oportunidades de conquistar um sentido para a vida encontram-se dentro de nós mesmos, e não em uma profissão ou situação determinada, e podem ser conquistadas se reconhecermos que a melhor maneira para chegar ao topo é chegando primeiro ao fundo das coisas. (…) O que se encontra atrás de nós e o que se acha diante de nós têm pouca importância em comparação com o que está dentro de nós.» (POLE, 1998:12; apud, Ralph Waldo Emerson.)

Na perspectiva de algumas mentes, poderia considerar-se utópico se apenas se reconhecesse a vertente espiritual ou metafísica, porque o ser humano, tal como qualquer outro animal ou vegetal, carece de recursos para viver fisicamente.

Tentar, por exemplo, encontrar a felicidade, qualquer que seja o seu conceito, desenvolvendo sentimentos, os mais nobres e altruístas que se revelem dentro de cada um, para com eles viver biologicamente e conjugar as duas vertentes, material e espiritual, é essencial à vida e, provavelmente, assim se pode pensar, agir e obter resultados que deem sentido a uma vida verdadeiramente digna da superior condição do ser humano.

O sentido que cada um pretende dar à sua própria vida implica conhecimento, saber o que se quer da vida, da sociedade e do mundo. Viver torna-se, assim, uma verdadeira profissão, uma arte, na perspectiva de uma vida digna, confortável em todos os aspectos essenciais e possíveis.

Pelo contrário, levar uma vida de miséria material, caracterizada por fome, doença e habitação, sem um mínimo de condições de higiene, segurança, conforto e privacidade; dificuldade no acesso à educação; desemprego, ainda que alegadamente se invoque uma qualquer forma de felicidade, será digno da pessoa humana?

Viver no século XXI, em qualquer parte do mundo, nas condições apontadas no parágrafo anterior, não será compatível com os valores da dignidade, da felicidade, esta aqui considerada como um sentimento real de bem-estar geral, da igualdade, da fraternidade e da solidariedade. É certo que muitas pessoas não têm tido a capacidade, a compreensão, a ajuda, a sorte, para quem acredita nesta variável, para usufruírem de uma vida digna.

Viver nestes novos tempos constitui um desafio – Urge despertar o mundo e as consciências, através dos diversos e inúmeros responsáveis: da política à religião; da economia ao empresariado; das instituições e outras formas organizacionais da sociedade, também pelo esforço de cada um, para esta nova profissão – viver –, considerando, inclusivamente, que: «A maioria das pessoas que vive nos países desenvolvidos só há relativamente pouco tempo pôde dar-se ao luxo de refletir sobre a arte de viver. Os nossos antepassados estavam demasiado ocupados com a luta diária pela sobrevivência. Esse era o seu objetivo de vida, tal como ainda o é para uma grande parte da população mundial. Em primeiro lugar precisamos de comida e água. De seguida precisamos de proteção contra os predadores e contra as outras pessoas. Depois precisamos de sentir que pertencemos a um grupo. E a partir desse momento precisamos de nos sentir valorizados por ele. Só podemos pensar em nós e na nossa realização pessoal quando estas necessidades estiverem satisfeitas.» (GREENER, 2004:71.)

Idealizar e implementar um sentido para a vida passa, justamente, pela satisfação de todas aquelas e, eventualmente, de outras necessidades, o que envolve um grande domínio de conhecimentos, de práticas e disponibilidades, tanto mais diversificados, como também específicos. Viver nestes novos tempos, repletos de solicitações, de exigências, que vão para além daquelas necessidades, que entram na vida quotidiana dos indivíduos, por força de poderosos meios publicitários, constitui um desafio para cada pessoa, e para a humanidade em geral.

Pensar, exclusivamente, na dimensão espiritual e prepará-la para uma vida eterna, certamente é muito importante, principalmente na perspectiva dos que acreditam numa outra vida, liberta da materialidade terrena; todavia, a pessoa crente poderá preparar-se melhor para essa outra existência extraterrestre, se cuidar bem da sua parte física, corporal, até porque num corpo são as possibilidades de uma mente sã são muito maiores; logo, os resultados cognitivos serão beneficiados. Descuidar o conforto material da saúde e do corpo poderá ser contraditório com o sentido último da vida, que os crentes numa realidade eterna pretendem viver.

Compete ao homem dirigir as forças que suscitou – Este novo século, iniciado há poucos anos, herdou do século anterior alguns conflitos, qual deles o mais grave: guerras fratricidas a nível regional; miséria em diversas situações – analfabetismo, desnutrição, desemprego, desigualdades crescentes entre pessoas, povos e nações, exclusão social, degradação do meio ambiente natural, entre outras.

O homem não tem sido capaz, seja por omissão, seja por intencionalidades veladamente inconfessáveis, de resolver aquelas situações degradantes, com a circunstância de que e numa determinada perspectiva: «O mundo atual apresenta-se simultaneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem esmagar como servir. Por isso se interroga a si mesmo.» (CONCÍLIO VATICANO II, 1966:13.)

Apesar de tantas dificuldades, situações complexas e de algumas questões que, estas sim, muito dificilmente serão respondidas, ainda assim, existem condições para vencer a maior parte das atuais crises, de resolver muitos problemas que – uns, de ordem material; outros, da responsabilidade direta do homem – continuam a atormentar a humanidade. A busca do sentido para a vida passa, necessariamente, pela procura incessante da normalização das melhores condições de vida, igualmente para todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas nacionalidades, estatutos e objetivos.

A capacidade imaginativa e criadora do homem é um bem que, provavelmente, nenhum outro ser possui. Existem, portanto, boas razões para um otimismo moderado, no sentido de que a humanidade saberá ultrapassar todas as dificuldades, crises, obstáculos e situações mais imprevisíveis e delicadas.

Uma das faculdades humanas estará consubstanciada, por exemplo, na fé, não apenas no seu sentido religioso, mas enquanto esperança em tempos melhores, isto é, a fé na determinação em resolver os problemas, por mais difíceis que aparentemente possam parecer.

O verdadeiro sentido da palavra esperança – Na verdade: «A ausência de fé impede que muita gente consiga qualquer realização significativa em suas vidas. A fé, enquanto energia positiva, traz para a realidade física aquilo de que temos esperança mas que ainda permanecia invisível. Nesse contexto, é útil lembrar que o verdadeiro significado da palavra esperança não é o de um desejo vago e indefinido, mas sim de uma alegre expectativa.» (POLE, 1998:92-93).

É com base nas superiores faculdades da pessoa humana que se pode acreditar num futuro melhor, que passa, naturalmente, por cada um ter condições materiais para dar um sentido à sua própria vida, adotando, para o efeito, comportamentos: produtivo, em ordem à satisfação das necessidades de todos; ético-moral, assente nos valores, não só os dos tempos modernos, como também os de todos os tempos, ainda que seja necessário reinterpretá-los, readaptá-los, para os assumir corretamente em novos contextos.

Negar ao homem as possibilidades de exercer os seus direitos e cumprir com os seus deveres corresponde a inviabilizar o seu projeto de vida, equivale a negar-lhe a oportunidade de dar sentido à sua vida, mesmo que tal sentido seja apenas ao nível da espiritualidade.

Qualquer que seja o conceito de “Sentido para a Vida”, afigura-se pertinente dar um voto de confiança ao homem, quer enquanto pessoa individualizada, como também a todos os grupos que, responsavelmente, estão empenhados na construção de um novo e melhor mundo, para uma humanidade sedenta de paz, de bem-estar, de segurança, de estabilidade e de projetos objetivos e exequíveis para a vida.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo



Bibliografia:

CONCÍLIO VATICANO II (1966). Gaudium et Spes. Constituição Pastoral o Concílio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo de Hoje. II Edição. São Paulo: Edições Paulinas.
GREENER, Mark, (2004). Tempo para Tudo. Organização e Gestão Pessoal. Trad. Alexandra Lemos, revisão e adaptação técnica: Osvaldo Santos, psicoterapeuta, 1ª edição portuguesa, Dezembro/2004, Lisboa: Edideco, Editores para a Defesa do Consumidor.
POLE, Timothy, (1998). Ser Você. Trad. Arlete Dialetachi. São Paulo: Editora Angra, Ltda.
SELEÇÃO DE TEXTOS (2000). “Educação em Matéria de Direitos Humanos”, in Noesis. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional – Ministério da Educação, (56), Outubro-Dezembro-2000, pp.18-21.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Necessário o Perdão, tanto quanto a Misericórdia


“... Pelo perdão vos aproximais da Divindade, porque a clemência é irmã do poder.”
(Adolpho, bispo de Alger - O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XII, item 11)

Joanna de Ângelis, Espírito, através da psicografia de Divaldo Pereira Franco, no livro “Celeiro de Bênçãos”, comenta que guardando mágoas, e na Terra são muitas as dificuldades que surgem, produzindo mal-estar, padeceremos sob imundície e conduziremos fluidos deletérios, ao passo que, se perdoarmos, prosseguiremos em clima de renovação superior e em labor otimista.

O perdão, diz ela, sempre é mais útil a quem o concede. Se perdoarmos, esquecendo a ofensa e ajudando o malfeitor, conseguiremos a comunhão com o Mestre inexcedível, que embora incompreendido, traído, abandonado, martirizado e pregado em duas traves, que eram símbolos da infâmia justiçada, perdoou os que o esqueceram e prossegue até hoje amando-os, qual faz conosco.

O perdão ainda é uma das grandes necessidades do Espírito. Feliz aquele que pode dizer que nunca precisou perdoar, por não se sentir ofendido. O orgulho ainda é causador de mágoas, ressentimentos. Joanna de Ângelis, com sabedoria, diz que carregar mágoa é carregar lixo mental.

Numa reunião mediúnica, quando os Espíritos se comunicam com os homens, através dos chamados médiuns, um Espírito comovido, em se referindo à necessidade do perdão, contou-nos uma história que transcreveremos ao leitor. Disse ele: “Quando desencarnei, fui parar num lugar de profunda escuridão. Não via nada. Escuridão completa. Ali fiquei, desesperado, por um tempo que não sei precisar, até que um dia, não suportando mais, clamei a Deus por misericórdia, orei com toda a minha emoção pedindo a Ele que me enviasse uma luz, ao menos um pequeno fio de luz que me ajudasse a sair daquela escuridão. Quando terminei a prece, encantado vi, no meio daquela escuridão total, um fio de luz se desenhando no chão.

Comecei a acompanhar aquele fio, esperançoso. Andei, andei. O fio se movia, andei por não sei quanto tempo. Um dia, cheguei diante de um portal. O fio passava por baixo dele e ele estava um pouco entreaberto. Pude ver do outro lado uma intensa claridade e seres luminosos a acenar.

Enchi-me de alegria e, quando ia passar, o portal se fechou. Tudo ficou escuro de novo. Desesperado, bati, chutei, querendo abri-lo e nada. Bati e gritei até não ter mais forças. Chorando, angustiado, gritei perguntando como fazer para aquela porta se abrir, pedi novamente socorro a Deus. Quando terminei, letras luminosas se formaram sobre a porta e eu pude ler: perdoe. ‘Mas perdoar o quê’, eu me perguntei.

Pesquisei na profundidade de meu ser, busquei nos refolhos de minha memória, voltei ao passado, investiguei em mim, na ânsia de sair do escuro.
Como perdoar? Somente quando compreendi que aqueles que me magoaram um dia também caminharam na escuridão, como eu me encontrava, provocada pela ignorância do amor ao próximo, conseguindo me apiedar e desculpá-los, senti minha angústia desaparecer.

Naquele momento a porta se abriu e eu consegui passar, sair da escuridão para a claridade. O perdão, meus amigos, é sempre necessário, por isso eu lhes peço que sempre procurem perdoar, não guardem mágoas”.

Dito isso, despediu-se o Espírito, emocionado.

Muitas criaturas estão em dor, por carregarem em seus sentimentos o peso da lembrança. Perdoar é lembrar sem mágoas. Uma boa memória não esquece o fato, não é preciso esquecer o fato, necessário é esquecer a ofensa, ou seja, lembrar sem sofrer, compreender a atitude do outro, como uma atitude de desespero provocada por um sofrimento não curado.

Quem provoca dor está em dor, não sabe elevar-se no amor, esquece a divina comunhão com Deus através da prece.

Um senhor de 83 anos, vendo pela televisão a violência simultânea em tantos lugares do planeta, agressões de todo tipo, explosões de cólera, guerras fratricidas em tantos lugares, voltou-se para nós, aflito, e comentou: “A Terra enlouqueceu!”

São momentos difíceis, sim, aflitivos esses. Necessário nos colocarmos em fortaleza mental e nos guiarmos pelo amado mestre Jesus, que nos pedia que amássemos uns aos outros. Não nos deixemos perturbar, continuemos nossa trajetória de paz nesta encarnação, perdoando constantemente, cheios de misericórdia para com as dores alheias, compreendendo que o mal é transitório e que a nossa destinação como Espíritos é rumo à felicidade na medida em que aprendermos a verdadeiramente amar.

Guardemos conosco algumas orientações de Jesus referentes ao perdão:

Bem-aventurados aqueles que são misericordiosos, porque eles próprios obterão misericórdia...

Se perdoardes aos homens as faltas que eles fazem contra vós, vosso pai celestial vos perdoará também vossos pecados...

Se vosso irmão pecou contra vós, ide lhe exibir sua falta em particular, entre vós e ele; se ele vos escuta, tereis ganhado o vosso irmão...

Amai-vos uns aos outros como eu vos amei...


Jane Martins Vilela

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Objetos de Culto e Espiritualização do Pensamento


Adeptos de muitas religiões, desde um passado longínquo, valem-se de objetos destinados a reforçar a fé que professam e servir-lhes de meio de ligação com Deus ou os seres que, dentro da crença que possuem, são os representantes maiores da Bondade Divina junto aos homens. Estátuas, talismãs, colares e correntes, medalhas, “santinhos”, roupas especiais e outros objetos de culto são utilizados largamente por fiéis, dentro e fora de templos religiosos, com vistas a promover um contato mais estreito com o “Alto” (como costumamos chamar os Espíritos de elevada hierarquia ou os planos superiores que estes habitam). A Doutrina Espírita mostra-nos que não é necessário o uso de elementos exteriores para o cultivo da espiritualidade e da elevação do pensamento, ao nos trazer o conhecimento das leis mentais e de como estas funcionam. Justamente por compreender a finalidade a que esses objetos se destinam (desde que a serviço do sentimento sincero de devoção e do desejo de vínculo com as forças do bem), devemos respeitar tais comportamentos em irmãos que pertencem a outras escolas religiosas. Ao mesmo tempo, esclarecidos pelos ensinamentos da Codificação Kardequiana e obras complementares, cabe-nos desenvolver a disciplina mental e a capacidade de realizar esse vínculo com as esferas mais elevadas sem recorrer a “interfaces” materiais, e de forma cada vez mais natural e permanente.

É comum, depois de nos tornarmos espíritas, menosprezarmos ou ridicularizarmos (mesmo que apenas em pensamento) o uso de objetos de culto pelos adeptos de outras religiões. Por compreender que é possível direcionar a mente para a Espiritualidade Maior sem nenhum auxílio externo, por vezes taxamos aqueles que utilizam tais objetos de pessoas ignorantes ou de religiosidade inferior à nossa. De fato, o uso de “penduricalhos místicos” é uma consequência da pouca evolução espiritual da humanidade terrena, que ainda, em sua maioria, depende de recursos físicos para expressar o sentimento religioso, que é inato ou inerente à alma. Livrar-se desse tipo de intermediação é passo importante no processo de despertar, libertação e ampliação da consciência (assim como o aprimoramento da concepção que fazemos de Deus, da vida e seu sentido mais profundo, das Leis Divinas, seu propósito e seus mecanismos, dentre outros pontos). Entretanto, não devemos desprezar ou diminuir o esforço feito pelos que recorrem a objetos de culto (desde que o façam com finalidade nobre e construtiva), nem subestimar o papel que esses elementos desempenham ou a sua utilidade para estas pessoas, como explica André Luiz, na seguinte passagem da obra “Mecanismos da Mediunidade”:

“Em toda a parte, desde os amuletos das tribos mergulhadas em profunda ignorância até os cânticos sublimados dos santuários religiosos dos tempos modernos, vemos o reflexo condicionado, facilitando a exteriorização de recursos da mente, para o intercâmbio com o plano espiritual.

Talismãs e altares, vestes e paramentos, símbolos e imagens, vasos e perfumes, não passam de petrechos destinados a incentivar a produção de ondas mentais, nesse ou naquele sentido, atraindo forças do mesmo tipo que as arremessadas pelo operador dessa ou daquela cerimônia mágica ou religiosa e pelas assembleias que os acompanham, visando a certos fins.” (1)

Com o auxílio de objetos exteriores, muitos Espíritos, ainda mergulhados em crenças supersticiosas, conseguem exteriorizar e canalizar seus pensamentos (“recursos da mente ou ondas mentais”) mais facilmente, na tentativa de estabelecer a desejada sintonia com o Criador ou os Espíritos Superiores que Lhe executam os desígnios (nas orações proferidas pelos que procuram a Deus, sabemos que vêm em nosso amparo os seres que já se constituíram em emissários do amor divino).

A crença com que fiéis de determinadas religiões se apegam a esses apetrechos, acreditando que neles se encontra um meio de conectarem-se a Deus ou aos seres de grandiosa elevação moral com quem pretendem comunicar-se, pode levar à mobilização de ondas mentais que se conjugam com aquelas emitidas pelo condutor de uma reunião ou cerimônia religiosa (no caso de haver a figura deste “coordenador” de esforços mentais), e que sincronizam com a presença e a vibração dos mentores que amparam essas reuniões.

Como bem acentua Andre Luiz, essas ondas podem ser de tipo enobrecido ou envilecido, atiradas então para o bem ou para o mal. Pode-se, portanto, operar também a sintonia com planos inferiores, se tais objetos motivarem a emissão de ondas mentais negativas, enfermiças ou de baixo padrão vibratório, normalmente em assembleias organizadas por líderes que esposam ideias e ambições contrárias à paz e ao amor (e que atuam sob a influência de entidades infelizes cujo saber ainda é empregado integralmente na prática do mal).

O Espiritismo não possui fórmulas, ritos, dogmas, símbolos, emblemas ou talismãs, que ainda são consequências do primarismo espiritual que caracteriza boa parte dos Espíritos reencarnados na Terra. Ensina-nos também que a nossa ligação, na condição de encarnados, com as esferas espirituais é permanente, e depende fundamentalmente do estado interior ou clima psíquico com que nos apresentamos a cada instante (estamos sintonizados, onde quer que estejamos, com os seres cujos pensamentos, ideias, emoções, aspirações e desejos se afinam com os nossos, nas diversas dimensões que compõem o universo). Ao invés de buscar o elo com o Criador ou as Forças Espirituais Superiores que a Ele servem, apenas durante uma cerimônia religiosa, o Espiritismo nos adverte da necessidade de procurar esse vínculo de forma ininterrupta, através de uma conduta mental cada vez mais ajustada com os princípios nobres e superiores da vida. O meio para atingir tal objetivo é internalizar, de forma crescente, aspirações, ideias, pensamentos e sentimentos alinhados com o Bem Supremo e que expressem a vivência dos ensinamentos de luz e amor do Evangelho. Ao falar sobre a oração, no mesmo capítulo de “Mecanismos da Mediunidade”, André Luiz explica:

“Observamos, em todos os momentos da alma, seja no repouso ou na atividade, o reflexo condicionado (ou ação independente da vontade que se segue, imediatamente, a uma excitação externa) na base das operações da mente, objetivando esse ou aquele gênero de serviço.” (2)

É neste ponto que entra a reflexão que todo espírita sincero deve fazer a respeito do padrão vibratório e do tipo de pensamento que sustentamos na maior parte do tempo, e a indisciplina que ainda vige nas ondas mentais que emitimos. Como vai o esforço de cada um de nós, privilegiados pelo conhecimento das Leis que regem a vida nas esferas invisíveis ao olhar físico, no sentido de manter o pensamento elevado e colocar-se em comunhão incessante com as Forças do Bem? Se já nos conscientizamos de que não precisamos de objeto algum para promover essa integração mental com o Alto, o quanto estamos nos dedicando para criar essa ligação? Como está o nosso empenho no que se refere ao controle do que sai da própria mente, buscando esvaziá-la de conteúdos daninhos e preenchê-la de material mais elevado e sublime?

Muitas vezes, pegamo-nos gastando tempo precioso com a simulação mental de diálogos conflituosos com outras pessoas, ou com ideias negativas e de pessimismo. Ou nos isolando em pensamentos de revolta diante do que não conseguimos obter – e que talvez nos fosse fazer mais mal do que bem – no lugar de cultivarmos gratidão pelas inúmeras bênçãos e possibilidades com que somos agraciados pelo Criador todos os dias, mas que passam muitas vezes despercebidas. Ou fazendo crescer a mágoa ou o ódio pelos que nos agridem, ao invés de utilizarmos o poder do pensamento para refletir sobre a realidade evolutiva e impermanente dos que nos cercam, exercitando o raciocínio sobre por que tolerar e compreender os que tentam nos prejudicar. Se tal reflexão mencionada acima for feita, constataremos, sem dificuldades, que não empregamos nem 10% do tempo que poderíamos utilizar na projeção de pensamentos de luz sobre nós mesmos e os que estão à nossa volta, ou na ligação com nossos mentores, pedindo forças e inspiração para transpor dificuldades e superar as imperfeições das quais devemos nos despojar.

Não se pode negar o fato de que, para o nosso atual estágio evolutivo, é ainda demasiadamente difícil manter um padrão vibratório elevado a todo instante, principalmente quando premidos por circunstâncias que ainda têm o potencial de nos fazer esquecer rapidamente os ensinamentos de luz e amor do Cristo. A agitação do dia-a-dia, a busca do atingimento de objetivos efêmeros, a correria para atender aos inúmeros compromissos que assumimos, desarmonias no ambiente do lar e do trabalho, e as distrações com que o mundo nos seduz (basta notar a facilidade com que muitos se perdem por horas diante da programação das emissoras de televisão), dentre outros fatores, frequentemente impõem grandes empecilhos ao exercício do pensamento que exprime a ligação mental de ordem superior, de forma natural e ininterrupta. Também a fixação mental na área dos impulsos e dos instintos é grande barreira ao adestramento da mente, pois nos encarcera dentro do círculo das paixões inferiores, maior componente do nosso passado espiritual e das quais devemos paulatinamente nos desvencilhar. Com isso, fechamo-nos para o recebimento das orientações que mentores espirituais procuram nos transmitir, colocando-nos em posição de completa falta de alinhamento com a vibração das entidades nobres e o pensamento iluminado que estas procuram fazer fluir sobre nós.

A saída, como recomendado também para o desenvolvimento de outras virtudes ou qualidades da alma, está no treinamento constante, por intermédio do esforço ininterrupto para manter uma atitude íntima de oração que nos vincule a nossos mentores e demais representantes da Vida Maior. Uma das propostas do processo de evolução, no qual nos encontramos, é a de convergirmos cada vez mais ideias e emoções com a luz dos planos superiores do espírito, tornando natural e incessante o contato com aqueles que, do “outro lado da vida”, tentam orientar-nos e sustentar-nos a caminhada. O roteiro para atingirmos gradualmente esse estado é o da elevação de propósitos e renovação interior, lutando contra o potencial perturbador do torvelinho das pressões diárias. Criar a disciplina desejada da mente, eliminando comportamentos infelizes também na área dos pensamentos, exige mudança significativa e treino paciente da parte de quem o pretenda, e está intrinsicamente relacionado com o agir enobrecido. Andre Luiz, ainda em “Mecanismos da Mediunidade”, esclarece sobre a necessidade de consagrarmo-nos ao bem, sustentando atitudes dignas e compatíveis com uma postura mental mais elevada, a fim de usufruirmos dos benefícios salutares da interação com mentores e demais mensageiros do Cristo:

“Dai resulta o impositivo da vigilância sobre a nossa própria orientação, de vez que somente a conduta reta sustenta o reto pensamento e, de posse do reto pensamento, a oração, qualquer que seja o nosso grau de cultura intelectual, é o mais elevado toque de indução para que nos coloquemos, para logo, em regime de comunhão com as Esferas Superiores.

De essência divina, a prece será sempre o reflexo positivamente sublime do Espírito, em qualquer posição, por obrigá-lo a despedir de si mesmo os elementos mais puros de que possa dispor.

No reconhecimento ou na petição, na diligência ou no êxtase, na alegria ou na dor, na tranquilidade ou na aflição, ei-la exteriorizando a consciência que a formula, em efusões indescritíveis, sobre as quais as ondulações do Céu corrigem o magnetismo torturado da criatura, insulada no sofrimento educativo da Terra, recompondo-lhe as faculdades profundas”. (3)

Em outra obra de André Luiz, "No Mundo Maior", o instrutor espiritual Calderaro assim se expressa sobre a relação entre conduta mental e evolução espiritual: "Para que se efetue a jornada iluminativa do espírito, é indispensável deslocar a mente, revolver ideias, renovar as concepções e modificar, invariavelmente, para o bem maior o modo íntimo de ser..." (4)

O apóstolo Paulo transmitiu ensinamento semelhante, ao nos deixar a famosa orientação contida na Carta aos Romanos, capítulo 12, versículo 2: “E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (5)

Nossa trajetória, como os Luminares da Espiritualidade revelaram a Kardec, na Codificação, é sempre de progresso, melhoria e ascensão. Época virá em que a disciplina do pensamento e a comunhão perene com os planos superiores, serão tão importantes para a mente encarnada quanto o consumismo, a ânsia pelo poder efêmero, a busca irracional de prazeres corrosivos, ou a paranoia da estética o são nos dias atuais. E essa ligação será realizada com o uso do recurso mais poderoso (e o único do qual necessitamos) para tanto, que é o pensamento bem-direcionado de todos os que procurarem instituir o “Reino dos Céus” em si mesmos. Nesse futuro - que fatalmente chegará para todos - o amor terá penetrado integralmente nossas mentes e nosso modo de ser (o pensar, o sentir e o agir). E cada homem ou mulher irá passar por essa transformação ao seu tempo e à sua maneira, como consequência do despertar inevitável para a realidade transcendental da vida e de si mesmo.


Tales Henrique da Silva Waisberg


Bibliografia:

(1) Luiz, Andre (Espírito). Mecanismos da Mediunidade / psicografado por Francisco Candido Xavier e Waldo Vieira, 25ª edição, FEB (2006), pág. 193 e 194
(2) Idem, pág. 195
(3) Idem, pág. 195
(4) Luiz, Andre (Espírito). No Mundo Maior / psicografado por Francisco Candido Xavier, 24ª edição, FEB (2005), pág. 259
(5) Paulo. Carta aos Romanos, 12:2
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