terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Livro da Esperança


É muito difícil reconhecer, num livro que surge, a marca da Verdade. Não foram poucos, no entanto, os que identificaram, logo de inicio, essa virtude em "O Livro dos Espíritos", quando publicado pela primeira vez, em 1857. Para nós, que viemos estudá-lo um século depois, a sólida e tranquila grandeza dos seus ensinamentos é muito mais evidente, mais fácil de distinguir do que terá sido para os seus primeiros leitores. Ainda que a técnica da escolha das palavras e construção da frase tenha variado, a verdade contida no texto brilha serenamente, através do texto, com singular vitalidade, tanto mais quanto mais passa o tempo.

Extraordinário livro esse, cuja sabedoria jamais se esgota, por mais estudado, analisado e pesquisado que seja. Ainda a pouco, discorrendo sobre os aspectos abordados pelas questões 79 a 81, tivemos oportunidade de "descobrir" novas facetas desse imenso repositório de ideias que é "O Livro dos Espíritos". E que se, por um lado, nenhuma pergunta ficou sem a resposta adequada, há muitas que não puderam ser respondidas de maneira mais extensa e explícita, devido as limitações do próprio estágio evolutivo do público a que se destinava a obra —isto é, nós todos, seres humanos encarnados. É constante, por exemplo, a advertência dos instrutores acerca do mistério que envolve a origem dos Espíritos e das coisas.

Em resposta a pergunta n° 239 (Os Espíritos conhecem o principio das coisas?), informam os comunicantes o seguinte:—Isso é conforme a sua elevação e a sua pureza. Os Espíritos inferiores não sabem mais do que os homens.

Também o Cristo várias vezes advertiu que, nos seus ensinamentos, não poderia ir além de certo ponto, obviamente para não ultrapassar com eles o conhecimento ainda muito precário dos homens de seu tempo.

Vemos então que, contendo embora um resumo de todas as grandes ideias e um maravilhoso roteiro para a pesquisa científica, para o desenvolvimento filosófico e o aperfeiçoamento moral, "O Livro dos Espíritos" encerra uma demonstração de bom senso da parte dos seus autores desencarnados, que tiveram o cuidado de não avançar além do que a nossa mentalidade pode absorver. Evitou-se, dessa forma, que as realidades do mundo superior —mesmo admitindo-se possível sua tradução em linguagem humana—fossem ridicularizadas e tidas por fantasiosas por toda a esmagadora maioria daqueles de nós que ainda não estão em condições de aceitá-las.

O bom senso de Kardec deve ter oferecido aos seus elevados amigos da espiritualidade as condições de que precisavam para lançar entre os homens um livro tão avançado para a época. A impressão que hoje se tem é a de que "O Livro dos Espíritos" realmente precisava vir para aqueles encarnados que não podiam mais aceitar as falácias da esclerosada teologia ortodoxa em que se transformara o Cristianismo nem a pura descrença dos que, a falta de melhor alternativa, se voltaram para o materialismo e para a negação do principio espiritual no ser humano.

O problema que então se colocou diante dos Espíritos foi, ao que parece, dos mais complexos. Era preciso trazer uma mensagem válida àquela multidão de encarnados que não tinham ainda uma doutrina racional e aceitável e não tinham mais a antiga crença que exigia a aceitação do absurdo. Muitos desses já haviam passado, em sucessivas encarnações, pela fé dogmática—não podiam mais admiti-la; era uma experiência superada na historia da sua evolução individual. Como, porém, converter em palavras, ao nível do entendimento humano, todo o maravilhoso mecanismo do universo físico, do mundo espiritual, das leis morais e das responsabilidades e deveres do cada um? Era um trabalho realmente gigantesco e teria de ser confiado não a um só Espírito, mas a uma equipe de seres já muito experimentados ao longo de muitas e muitas vidas. Isso daria a doutrina um caráter essencialmente universalista, sem identificá-la com nenhum pregador, filósofo, profeta ou moralista em particular e, ao mesmo tempo, traria para o seu arcabouço filosófico a contribuição de uma variada, extensa e profunda experiência de muitos seres superiores. Estes Espíritos não estavam interessados em fundar escolas de pensamento, nem de aparecerem como novos iniciadores de religiões ou correntes filosóficas— queriam, muito acima da vaidade humana, trazer uma contribuição séria, endereçada aos homens que buscavam a verdade; queriam traçar um roteiro que não apenas atendesse as inquietações dos homens, como ainda oferecesse as perspectivas de uma civilização ainda por vir, de um mundo ainda possível de realizações de paz e equilíbrio. Vinham ensinar que toda a sabedoria humana está na obediência consciente as leis divinas. Vieram advertir de que convidamos a dor sempre que tentamos teimosamente atritar-nos com a imutável sabedoria dessas leis. Vieram, enfim, trazer aos homens o livro da esperança.

Desejavam dizer aqueles que sonhavam com um mundo melhor que esse mundo era possível, era realizável, estava ao alcance da nossa mão, desde que essa mão fosse guiada pelas normas inflexíveis da moral. O livro continha muita coisa acima de seu tempo, uma infinidade de sugestões, de pistas abertas a pesquisa científica e a especulação filosófica, o objetivo daqueles mestres espirituais não era resolver por nós todas as questões aditivas que se colocam na mente daquele que pensa, era indicar-nos um caminho para que prosseguíssemos por nossa própria conta, pensando com a nossa própria cabeça, descobrindo os fatos com os nossos próprios recursos.

Decorridos mais de cem anos, vemos que caminhamos pouco em termos de reconhecimento científico. Tem sido tremenda a obstrução por parte dos grupos que veem os seus interesses contrariados. Mas, a despeito de tudo, as ideias contidas em "O Livro dos Espíritos" continuam a frutificar. Um dia a ciência oficial há de desembargar-se dos ouropéis da vaidade acadêmica e buscar ali inspiração para as suas pesquisas, o ponto de partida para novas descobertas. O universo inteiro está a nossa disposição, mas é preciso que nos aproximemos dos seus segredos com verdadeiro espírito de humildade intelectual; caso contrario, vamos achar apenas aquilo que desejamos encontrar, isto é, o arranjo de fatos e observações que continuarão a emprestar um arremedo de apoio a nossa descrença, ao materialismo, as nossas infantilidades.

Muitos seres humanos estão cansados da descrença e já ultrapassaram a infância espiritual. Para esses é que surgiu "O Livro dos Espíritos". Sua mensagem poderia ser assim resumida:

Este livro se destina as minorias que sonham com um mundo melhor.


João Marcus

(Pseudônimo de Hermínio Corrêa de Miranda, do livro Candeias na Noite Escura, de Hermínio Corrêa de Miranda)

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