quinta-feira, 28 de abril de 2011

Do livro IV - Esperanças e Consolações


Capítulo I – Penalidades e Prazeres Terrenos


Felicidade e Infelicidade Relativas


920 O homem pode desfrutar na Terra de uma felicidade completa?

– Não, uma vez que a vida lhe foi dada como prova ou expiação; mas depende dele amenizar esses males e ser tão feliz quanto se pode ser na Terra.

921 Concebe-se que o homem será feliz na Terra quando a humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso, cada um pode garantir para si uma felicidade relativa?

– O homem é quase sempre o agente de sua própria infelicidade. Ao praticar a lei de Deus, se pouparia dos males e desfrutaria de uma felicidade tão grande quanto o comporta sua existência grosseira.

*O homem bem compenetrado de sua destinação futura vê na vida corporal apenas uma estação temporária. É como uma estada passageira numa hospedaria; ele se consola facilmente de alguns desgostos passageiros de uma viagem que deve conduzi-lo a uma posição tanto melhor quanto melhor tenha se preparado.

Somos punidos, já nesta vida, pelas infrações às leis da existência corporal, pelos males que são a conseqüência dessa infração e de nosso próprio excesso. Se voltarmos gradativamente à origem do que chamamos de nossas infelicidades terrenas, as veremos, na maioria das vezes, como conseqüência de um primeiro desvio do caminho reto. Por esse desvio, entramos no mau caminho e, de conseqüência em conseqüência, caímos na infelicidade.


922 A felicidade terrena é relativa à posição de cada um; o que basta à felicidade de um faz a infelicidade de outro. Existe, entretanto, uma medida de felicidade comum a todos os homens?

– Para a vida material, é a posse do necessário; para a vida moral, a pureza da consciência e a fé no futuro.

923 O que é supérfluo para uns não se torna necessário para outros e, reciprocamente, conforme suas posições na sociedade?

– Sim, de acordo com vossas idéias materiais, preconceitos e ambição, e todos os caprichos ridículos aos quais o futuro fará justiça quando compreenderdes a verdade. Sem dúvida, aquele que tinha um valor de cinqüenta mil de renda e que agora só tem dez acredita ser bem infeliz, porque não pode mais ter uma grande soma, ter o que chama de sua posição, seus cavalos, criados, satisfazer todas as suas paixões, etc. Acredita não ter o necessário; mas, francamente, achais que ele tem direito de se lamentar, quando ao seu lado há quem morre de fome e frio e não tem um abrigo para repousar a cabeça? O homem sábio, para ser feliz, olha abaixo de si e nunca acima, a não ser para elevar sua alma ao infinito. (Veja a questão 715.)

924 Existem males que independem da maneira de agir e que atingem até o homem mais justo; tem ele algum meio de se preservar deles?

– Ele deve se resignar e suportá-los sem lamentações, se quiser progredir; mas sempre possui uma consolação na sua consciência que lhe dá a esperança de um futuro melhor, se faz o que é preciso para obtê-lo.

925 Por que Deus favorece com os dons da riqueza certos homens que não parecem merecê-los?

– É um favor que se apresenta aos olhos daqueles que vêem apenas o presente; mas, sabei bem, a riqueza é uma prova freqüentemente mais perigosa do que a pobreza. (Veja a questão 814 e seguintes)

926 A civilização, ao criar novas necessidades, não é a fonte de novas aflições?

– Os males desse mundo ocorrem em razão das necessidades falsas que criais. Aquele que sabe limitar seus desejos e vê sem inveja o que está acima de si poupa-se das decepções nessa vida. O mais rico dos homens é aquele que tem menos necessidades.

Invejais os prazeres daqueles que parecem os mais felizes do mundo; mas sabeis o que lhes está reservado? Se desfrutam desses prazeres somente para si, são egoístas, então virá o reverso. De preferência, lastimai-os. Deus permite algumas vezes que o mau prospere, mas essa felicidade não é para ser invejada, porque a pagará com lágrimas amargas. Se o justo é infeliz, é uma prova que lhe será levada em conta, se a suporta com coragem; lembrai-vos dessas palavras de Jesus: “Felizes os que sofrem pois serão consolados”.

927 O supérfluo não é certamente indispensável à felicidade, mas o mesmo não acontece com o necessário. Não é real a infelicidade daqueles que não têm o necessário?

– O homem só é verdadeiramente infeliz quando sofre com a falta do que é necessário à vida e à saúde do corpo. Essa carência talvez ocorra por sua própria culpa; então, deve queixar-se somente de si mesmo. Se for causada por outros, a responsabilidade recai sobre aquele que a causar.

928 Pela especialidade das aptidões naturais, Deus indica evidentemente nossa vocação neste mundo. Muitos males não surgem por não seguirmos essa vocação?

– É verdade, e são freqüentemente os pais que, por orgulho ou vaidade, fazem seus filhos saírem do caminho traçado pela natureza e, por causa desse deslocamento, comprometem sua felicidade. Serão responsabilizados por isso.

928 a Assim, acharíeis justo que um filho de um homem bem posicionado na sociedade fizesse tamancos, por exemplo, se for essa sua aptidão?

– Não é preciso cair no absurdo nem exagerar. A civilização tem suas necessidades. Por que o filho de um homem bem posicionado, como dizeis, faria tamancos, se pode fazer outra coisa? Ele poderá sempre se tornar útil na medida de suas aptidões, se não as contrariar. Assim, por exemplo, em vez de ser um mau advogado, poderia talvez tornar-se um bom mecânico, etc.

*O deslocamento dos homens para fora de sua esfera intelectual é certamente uma das causas mais freqüentes de suas decepções. A falta de aptidão à carreira abraçada é uma fonte perene de reveses; depois, o amor-próprio, vindo juntar-se a isso, impede o homem fracassado de procurar recursos numa profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como remédio para escapar do que acredita ser uma humilhação. Se uma educação moral o tivesse elevado acima dos tolos preconceitos do orgulho, ele nunca seria apanhado de surpresa.

929 Existem pessoas que, sentindo-se carentes de todos os recursos, mesmo que a abundância reine ao seu redor, têm somente a morte como perspectiva; nesse caso o que devem fazer? Devem se deixar morrer de fome?

– Não se deve nunca ter a idéia de se deixar morrer de fome porque sempre encontrará um meio de se alimentar, se o orgulho não se colocar entre a necessidade e o trabalho. Diz-se freqüentemente: não há nenhuma profissão humilhante, nenhum trabalho desonra; diz-se para os outros e não para si.

930 É evidente que, isento dos preconceitos sociais pelos quais se deixa dominar, o homem sempre encontrará um trabalho qualquer que o ajude a viver, mesmo deslocado de sua posição; mas entre as pessoas que não têm preconceitos ou que os colocam de lado não existem aquelas que estão na impossibilidade de prover às suas necessidades em conseqüência de doenças ou outras causas independentes de sua vontade?

– Numa sociedade organizada de acordo com a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome.

*Com uma organização social sábia e previdente, o homem pode carecer do necessário apenas por sua culpa, mas mesmo essas suas faltas são geralmente o resultado do meio onde vive. Quando o homem praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade, e ele mesmo também será melhor. (Veja a questão 793.)

931 Por que, na sociedade, as classes sofredoras são mais numerosas do que as felizes?

– Nenhuma é perfeitamente feliz, e o que se acredita ser felicidade esconde freqüentemente grandes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao vosso pensamento, direi que as classes que chamais de sofredoras são mais numerosas, porque a Terra é um lugar de expiação. Quando o homem fizer dela sua morada do bem e dos bons Espíritos, não mais será infeliz e viverá no paraíso terrestre.

932 Por que, no mundo, os maus têm geralmente maior influência sobre os bons?

– É pela fraqueza dos bons; os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos; quando estes últimos quiserem, dominarão.

933 Se muitas vezes o homem é o causador de seus sofrimentos materiais, também será dos morais?

– Mais ainda, porque os sofrimentos materiais são algumas vezes independentes da vontade; mas o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, enfim, são torturas da alma.

A inveja e o ciúme! Felizes aqueles que não conhecem esses dois vermes roedores! Com a inveja e o ciúme não há calma nem repouso possível para aquele que está atacado desses males: os objetos de sua cobiça, seu ódio, seu despeito se dirigem a ele como fantasmas que não lhes dão nenhuma trégua e o perseguem até durante o sono. O invejoso e o ciumento vivem num estado de febre contínua. Será essa uma situação desejável, e não compreendeis que com suas paixões o homem criou para si suplícios voluntários, e que a Terra torna-se para ele um verdadeiro inferno?

*Várias expressões refletem energicamente os efeitos de certas paixões; diz-se: estar inchado de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, por ciúmes perder o apetite, etc.; esse quadro não deixa de ser verdadeiro. Algumas vezes o próprio ciúme não tem objetivo determinado. Existem pessoas naturalmente ciumentas de tudo que se eleva e sai do comum, mesmo que não tenham nenhum interesse direto nisso, mas unicamente porque não o podem atingir. Tudo o que parece estar acima do horizonte as ofusca, e se estivessem em maioria na sociedade desejariam reconduzir tudo a seu nível. É o ciúme aliado à mediocridade.

O homem é, muitas vezes, infeliz apenas pela importância que dá às coisas deste mundo; é a vaidade, a ambição e a cobiça frustradas que fazem sua infelicidade. Se ele se coloca acima do círculo estreito da vida material, se eleva seus pensamentos ao infinito, que é a sua destinação, as contingências da humanidade lhe parecem, então, mesquinhas e fúteis, como as tristezas de uma criança que se aflige com a perda de um brinquedo que representava sua felicidade suprema.

Aquele que vê felicidade apenas na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros fica infeliz quando não pode satisfazê-los; no entanto, aquele que não se interessa pelo supérfluo fica feliz com o que tem e que os outros considerariam uma grande desgraça, uma insignificância.

Falamos do homem civilizado porque o selvagem, por ter necessidades mais limitadas, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias: sua maneira de ver as coisas é completamente diferente. Civilizado, o homem raciocina sobre sua infelicidade e a analisa; é por isso que se sente mais afetado por ela; mas também pode raciocinar e analisar os meios de consolação. Essa consolação está no sentimento cristão, que dá a esperança de um futuro melhor, e no Espiritismo, que dá a certeza desse futuro.


O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, Parte Quarta, "Esperanças e Consolações”, cap.I– "Penalidades e Prazeres Terrenos", questões de 920 a 933 (Felicidade e infelicidade Relativa)- Petit Editora, Tradução de Renata Barbosa da Silva e Simone T. Nakamura Bele da Silva.

*Comentário de Allan Kardec às respostas dos Espíritos

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